sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Os fins não justificam os meios

Esta frase é sobejamente conhecida, o seu conteúdo explícito e incisivo, as suas exigências comprometedoras, e a sua actualidade sempre indiscutível.

Ao olhar para as nossas sociedades, não apenas para a portuguesa, é impossível não ficar espantado com a facilidade com que se ilude a verdade e se criam "as nossas verdades", se inventam razões para justificar o injustificável, e se encontram argumentos para atacar quem pensa de forma diferente, mesmo que esteja certo. Chega mesmo a dar a impressão que a verdade está sempre do lado dos mesmos, os quais nunca reconhecem que se enganam, mesmo quando, perante as evidências dos factos, são justamente julgados e condenados.

O bem ou o mal, é preciso dizê-lo, não têm donos exclusivos, embora seja tão fácil escorregar no maniqueísmo. A verdade do ser humano é que todos podemos errar e todos deveríamos, de igual forma, reconhecer o erro e tentar mudar. Condenar o outro antes da justiça se manifestar, criticar o outro só porque pensa de forma diferente, mentir ou alterar a verdade dos factos, são procedimentos que deveriam ser banidos do nosso agir quotidiano. Talvez muitos de nós nos lembremos de uma telenovela que passou há anos na televisão e que tinha o sugestivo título de "vale tudo". Mas, será que vale mesmo?

Embora ao escrever tenha presente a minha matriz cristã, creio não estar equivocado, ao pensar que qualquer pessoa, rectamente formada, não deixará de subscrever a verdade desta afirmação: "Os fins não justificam os meios". Pelo contrário, para fins rectos só deveriam ser utilizados meios igualmente rectos. Quando se abre a porta às excepções, torna-se depois missão quase impossível querer fechá-la. Se queremos, pois, construir sociedades justas e fraternas, estabelecer relações sólidas e autênticas entre as pessoas e as comunidades, quaisquer que elas sejam, comecemos pelo mais básico, pelos alicerces e não pela cobertura. Tudo o que não tem consistência cedo ou tarde cairá. Os exemplos são imensos... e bastante actuais.

É claro que fazer tudo correctamente leva tempo e exige esforço, tenacidade, sacrifícios, e a mentalidade que se pretende difundir é caracterizada pelo imediatismo, sem grandes compromissos, de modo a ter-se já, ou melhor, ontem, tudo aquilo que queremos obter, para poder ser. Os exemplos, infelizmente, saltam todos os dias à frente dos nossos olhos, basta querer ver.

A força da frase que dá o tema a esta reflexão, deveria envolver-nos a todos, logo, também à Igreja, ou se me é permitido, em primeiro lugar à Igreja, porque a mensagem de Jesus, de que ela é depositária e tem a missão de transmitir a toda a humanidade, vai exactamente neste sentido.

Se todos procurássemos pôr mais em prática a verdade, o realismo e as exigências desta frase, talvez a nossa vida fosse mais autêntica e justa, e se evitasse o cortejo de histórias, muitas delas de dor, sofrimento e morte, que entopem os nossos tribunais e fazem as delícias de certa imprensa.

Outra das implicações desta frase é que ela nos desperta para a centralidade da pessoa humana, que nunca pode ser meio, mas sempre fim e um fim primeiro e prioritário. Porque este período do Verão, apesar de todos os condicionalismos, pode ser propício à reflexão sobre estas questões, que não são objecto da nossa atenção todos os dias, aproveitemos esta oportunidade, para darmos densidade e ainda mais verdade à nossa vida, não esquecendo, como nos diria Antoine de Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”.

Padre Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 244, 10 de Agosto de 2012