sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Democracia e participação


A Democracia na sua génese é um regime que se baseia na convicção de que o povo é o verdadeiro detentor do poder, competindo-lhe a ele e apenas a ele estabelecer as regras, escolher a forma de governo, e eleger aqueles que hão-de dar corpo a projectos que tornem possível a realização do bem comum, contribuindo assim para o surgimento e consolidação de autênticas sociedades onde todas as pessoas estejam integradas, e se sintam defendidas nos seus justos direitos e, simultâneamente, comprometidas nos seus recíprocos deveres.

São Tomás de Aquino, no Século XII, não tinha dúvidas quanto à nobreza e importância da Política, pelo que afirmava, sem hesitação, que a ela se deveriam dedicar "os melhores". Como necessitaríamos hoje, em Portugal e no Mundo, de meditar nestas sábias palavras!

A Democracia apoia-se no princípio da livre escolha pelos cidadãos daqueles que nos hão-de governar, os quais deverão, depois de cada ciclo eleitoral, sujeitar-se de novo ao juízo dos eleitores. E esta é uma das virtualidades da Democracia, mesmo sabendo que, às vezes, a escolha não é entre o melhor e o pior, mas entre o menos mau e os ainda piores... Talvez, por isso, tenhamos de descobrir, inventar, novas formas de devolver o poder ao povo, de modo que os eleitos representem, de facto, o povo que os elegeu e defendam as suas legítimas aspirações, e não se limitem a proteger os interesses dos partidos que os apresentam, tantas vezes perante um total desconhecimento dos eleitores. Nesta sequência de desencontros entre eleitores e eleitos, podemos chegar ao caricato de virem a assumir cargos pessoas que os eleitores não conhecem, que não escolheram e que, se soubessem, nunca teriam votado neles. Ouve-se, por isso, em variadíssimos sectores da sociedade portuguesa, uma sensação crescente de desencanto com os partidos políticos, com os quais os cidadãos se sentem cada vez menos identificados, e, talvez por isso, as elevadíssimas taxas de abstenção. É claro que a construção de verdadeiras Democracias implica o compromisso e a participação dos cidadãos, a qual não se resume a colocar o voto na urna, no dia das eleições, embora esse seja um dos princípios fundantes da Democracia. É desejável ainda que nas nossas sociedades se multipliquem as formas de envolver as pessoas, as instituições, as famílias, as associações, as quais funcionam frequentemente como pequenas democracias, pela proximidade em que vivem da realidade. Exige-se também, e por outro lado, um verdadeiro espírito de missão, sacrifício e entrega por parte daqueles que exercerão os cargos públicos e isso é muitas vezes incompatível com a "profissionalização" da Política, onde a tentação é a de se servir e não servir, e o carreirismo quase se tornou um modus vivendi.

É preciso, por isso, sangue novo, gente nova, animada de um espírito novo, para que a Política recupere a nobreza que lhe é inata, e para que deixemos de ouvir o eterno estribilho do desencanto dos cidadãos, sempre que mudam os partidos do arco do poder: mais do mesmo!

A Democracia possui virtualidades que a tornam não apenas um sistema, mas um processo que pode renovar-se, regenerar-se e repropor-se. Como diria o saudoso Papa João Paulo II, é necessário encontrar caminhos e propostas para melhorar as nossas Democracias, para que elas retornem á sua essência da Democracia é um regime no qual os cidadãos se sintam representados, identificados, comprometidos, e onde aqueles que governam não se esqueçam que foram eleitos para dar corpo à realização da Res Publica.

Padre Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 247, 09 de Novembro de 2012