domingo, 27 de janeiro de 2013

A Santa Sé e Cuba

Colaboração com frutos para ambos

A igreja está numa posição de interlocutor e mediador legítimo


Juan Pablo Somiedo, 22 de Janeiro de 2013 às 08:19

(Juan Pablo Somiedo).- As relações da Santa Sé com Cuba passaram por diferentes momentos, desde o choque frontal, que teve o seu ponto alto na excomunhão de Fidel Castro por parte de João XXIII, até à colaboração actual.

Este facto fica manifesto se observamos as diferentes declarações dos Papas. Enquanto João Paulo II pedia em 1998 um maior grau de liberdade ao regime comunista cubano, Bento XVI fala de diálogo e reconciliação. Esta mudança de estratégia está dando os seus frutos e colocou a igreja numa posição de interlocutor e mediador legítimo que teve como consequência mais próxima a libertação de vários presos políticos.

Uma análise do cenário cubano revela-nos a presença de um conjunto de actores estatais e não estatais, cada um deles com os seus próprios interesses: a dissidência interna cubana, a comunidade de exiliados de Miami, os interesses dos E.U.A. e da Europa (com Espanha como ponta de lança), os interesses particulares das grandes empresas e, como não, a omnipresente Igreja.

Há que ter em conta, além disso, que os E.U.A. e a União Europeia defendem diferentes pontos de vista sobre as pautas que deve seguir o tão ansiado processo de transição de Cuba até à democracia. Na postura da União Europeia, Espanha exerceu uma influência decisiva, mas coabitam diferentes posturas que oscilam desde a flexibilidade e proximidade defendidas desde o governo de Madrid até à firmeza e intransigência que mostram os países do antigo bloco soviético, que vêem em Cuba uma ditadura semelhante à que eles padeceram.

Washington, pelo contrário, defende um modelo de transição rápida, com um rápido afundamento do regime castrista que seria substituído por um governo democrático no qual o exilio cubano estabelecido em Miami tivesse um peso específico e significativo.

Mas os interesses do governo americano vão muito mais além do meramente político e abarcam questões económicas. Uma mostra disso foi a recente chamada à ordem do governo de Obama através da SEC (Securities and Exchange Comisión) como consequência dos precipitados e imprudentes movimentos do presidente da Telefónica Cesar Alierta. O aviso dissuasório entende-se melhor se temos em conta que uma das sete medidas ditadas pela administração Obama em 2009 sobre Cuba refere-se a "outorgar licenças a provedores de telecomunicações para realizar acordos de serviços de conectividade com provedores de telecomunicações em Cuba".

E entende-se mais ainda se temos em conta que os movimentos e investimentos de empresas espanholas em Cuba já estavam sendo seguidas e investigadas pelo governo dos E.U.A. como revelaram recentemente as mensagens do Wikileaks: (http://www.elpais.com/documentossecretos/geo/cuba/)

Por agora, os objectivos da Igreja em Cuba não mudaram muito. Três dos mais importantes são a plena liberdade de culto com o conseguinte beneplácito do governo para abrir novos centros de culto (e tratar de mitigar assim o avanço dos cultos Pentecostais), o sector da educação e o acesso aos meios de imprensa. Um dos projectos ansiados pelos jesuítas desde que as escolas privadas foram nacionalizadas por Fidel Castro em 1961 (a ordem era proprietária do colégio Belén em Havana, onde estudou Fidel Castro), é levar à realidade um projecto educativo na ilha de maior amplitude e relevância.

E isto por mais que os jesuítas tentem negar publicamente este facto baixou o risco que pudesse ser classificado de um intento de recuperar os privilégios da colonização e pudesse ferir sensibilidades dentro da própria Companhia, não isenta de tensões internas. A este respeito podem ver-se as declarações à imprensa de Jorge Cela, recentemente nomeado superior dos jesuítas para a América Latina: http://www.jornada.unam.mx/2012/03/06/mundo/023n1mun

Mas o papel da Companhia de Jesus em Cuba com o seu superior Arregui à cabeça, pode tornar-se importante por outras razões. A presença dos jesuítas na ilha foi contínua, inclusive nos tempos mais duros da revolução cubana. Hoje os jesuítas tem presença em toda a ilha, que inclui paróquias em Havana, Camagüei, Matanzas, Cienfuegos e Santiago de Cuba e podem ser decisivos na formação de uma nova classe dirigente do país em consonância com os valores democráticos.

Isto unido a que a Igreja em geral poderia ser a condutora da paz e da estabilidade social evitando as temidas disputas posteriores contra o actual establishment cubano fazem que o Vaticano seja um expoente do que Joseph Ney cunhou como "soft power" ou "poder brando".

A respeito da imprensa, a Igreja já possui a única revista independente de crítica política de Cuba, "Espacio Laical", na qual escrevem diferentes académicos e homens da Igreja. Além disso o seminário San Carlos e San Ambrosio converteu-se no centro de diálogo "Felix Valera da Cultura", onde se reúnem a debater problemas nacionais figuras da revolução junto com vozes da Igreja e inclusive alguns opositores ao regime.

A Santa Sé está consciente, além disso, que o futuro da ilha vai estar ligado aos desejos do grosso da população e não tanto, por paradóxico que isto pareça, aos da dissidência ou o exilio cubano. Mas se alguém acertou no diagnóstico e na solução do problema cubano, esse foi, sem lugar a dúvidas, o defunto João Paulo II quando disse: "Cuba deve abrir-se ao mundo para que o mundo se abra a Cuba". Não se pode dizer tanto com tão poucas palavras.


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