terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A revolução das meninas

Morte trágica de menina de oito anos leva Emirados Árabes Unidos a aprovar lei de proteção das crianças revolucionária no mundo muçulmano


Roma, 04 de Fevereiro de 2013


"Nuvem negra que traz chuva": este é o significado do nome árabe Wadima. No entanto, a história trágica de Wadima, menina dos Emirados Árabes Unidos de oito anos de idade, e da sua irmã Mira, de seis, talvez traga um raio de sol para as novas gerações do país.

Em Novembro de 2011, após o divórcio dos pais e de acordo com os ditames da lei islâmica para estes casos, Wadima e Mira foram confiadas à família paterna. Em Junho passado, o corpo sem vida de Wadima foi encontrado no deserto graças a informações fornecidas pela irmãzinha, hospitalizada por espancamento. Mira, em estado de choque, narrou aos médicos que o pai tinha raspado a cabeça dela e da irmã para em seguida lhes despejar água fervente. Como se isto não fosse suficientemente monstruoso, ainda as tinha espancado violentamente.

A morte de Wadima escandalizou não só a opinião pública dos emirados, mas também o próprio emir, que decidiu agir e legislar para evitar casos semelhantes. Ainda em 2010, Humaid al-Muhairi, alto funcionário do Ministério da Justiça dos Emirados Árabes Unidos, havia declarado que "a violência no contexto familiar é sempre deplorável". Al-Muhairi se referia a um caso de violência de um cidadão do país contra a mulher e a filha e afirmou que esse tipo de violência é proibido pela sharia.

O trágico caso de Wadima trouxe à tona a questão da violência familiar. Começou-se a falar de legislação para a protecção das crianças. Em Novembro de 2012, durante um simpósio da campanha "Juntos para proteger os nossos filhos", o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktum, primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, declarou que "todas as crianças, sem qualquer distinção, têm direito a uma vida segura, a estabilidade emocional e psicológica, a constante cuidado e protecção contra qualquer perigo e violação", e que" a protecção das crianças deve ter precedência sobre qualquer outra coisa e que as suas necessidades e direitos são imprescindíveis", além de ser dever do Estado garantir que isto aconteça.

Em 13 de Janeiro, a lei para a protecção das crianças foi submetida ao Conselho Nacional Federal. Por vontade do emir, ela terá o nome de "lei Wadima", em memória da jovem vítima.

Este é um evento extraordinário no mundo árabe-islâmico. Trata-se de um primeiro passo importante para a adequação do rico país do Golfo Pérsico às convenções internacionais sobre a infância. Os setenta e dois artigos e as doze secções da legislação proposta vão da simples proibição de fumar nos meios de transporte públicos em presença de crianças até a garantia do seu direito de estudar; da proibição de vender cigarro e álcool a menores de idade até sanções mais severas contra qualquer pessoa que usar de violência contra as crianças. A lei também prevê uma definição do direito à protecção e de tudo o que ameaça a paz de espírito das crianças.

É interessante notar que o texto menciona, além de situações menos incomuns, como as de crianças órfãs e abandonadas, o desejo de proteger todos os menores "da exploração por parte de organizações ilegais e do crime organizado, que espalha ideias extremistas e ideologias de ódio". O artigo 34, por exemplo, trata da protecção da saúde mental, física e moral do menor.

Trata-se de um verdadeiro ato de coragem dos Emirados Árabes Unidos, que, diante de um fato terrível, não tentaram negar a gravidade do problema, e sim produzir uma legislação que, por enquanto, é única na região.

20,5% da população dos Emirados Árabes Unidos, ou cerca de 1,1 milhão de habitantes, têm idades entre 0 e 14 anos. A protecção das crianças caminha de mãos dadas com a luta dos Emirados contra o extremismo islâmico. Uma educação adequada e uma cultura voltada a proteger a população que construirá o futuro da nação correspondem a uma política de sobrevivência interna. Proteger a geração mais jovem é garantir um futuro em que haverá menos terreno fértil para ideias extremistas, o que poderá conter o radicalismo islâmico que grassa na vizinha Arábia Saudita.

Espera-se que a lei Wadima se torne um modelo no mundo islâmico e proteja as meninas dos casamentos precoces, do véu imposto, da violência física e mental, e garanta para as crianças em geral uma vida digna do nome e acorde com os direitos fundamentais previstos pelas convenções internacionais.

Mais ainda: espera-se que a experiência com final feliz da pequena paquistanesa Malala, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato pelo Taliban só porque queria estudar, e a trágica experiência de Wadima, que, apesar do desfecho terrível, serviu de inspiração para uma legislação revolucionária, sejam um sinal de alerta e um raio de luz num mundo como o do Islão, que, muitas vezes, tem suas crianças privadas de direitos fundamentais, como o de sorrir com despreocupação para o futuro.


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