segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Gerhard Müller: "A contraposição da liturgia pré e pós-conciliar é um instrumento ideológico"

Müller e Rouco, na São Dâmaso
O Prefeito da Doutrina da Fé, na festa de São Tomás da Universidade São Dâmaso

"Frente a conservadores e progressistas, necessitamos uma interpretação integral da reforma litúrgica"

José Manuel Vidal, 28 de Janeiro de 2013 às 17:59

(José Manuel Vidal).- Não é cardeal (todavia), mas dirige a mais importante congregação vaticana. O prefeito da Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller celebrou a solene festa de São Tomás na Universidade São Dâmaso de Madrid com uma brilhante conferência sobre "a liturgia no pensamento teológico de Joseph Ratzinger". E deixou claro, que, neste como em outros muitos âmbitos, a Igreja aposta pela continuidade. Porque "a contraposição da liturgia pré e pós-conciliar é um instrumento ideológico".

Expectativa no salão de actos do seminário conciliar de Madrid, abarrotado de professores, seminaristas e alguns laicos. Todos querem ver e escutar o "guardião da ortodoxia", o arcebispo alemão que é capaz de conjugar a sua amizade com Gustavo Gutiérrez, o pai da Teologia da Libertação, e a defesa da sã doutrina.

De facto, o prelado alemão começou a sua intervenção saudando os "amigos da verdade e da sã doutrina". E rodeado de amigos estava. Na mesa presidencial, o reitor da Universidade, Javier Prades, e o cardeal de Madrid, Rouco Varela. Na primeira fila, os bispos auxiliares, Herráez, Franco e Camino, junto a vigários, professores e seminaristas de uma Universidade, na qual o próprio Müller partilhou aulas como professor convidado, há alguns anos.

Por isso, o cardeal de Madrid deu-lhe as boas-vindas ao "muito conhecido e muito querido prefeito da Doutrina da Fé a esta casa da qual foi professor convidado". De seguida, Javier Prades fez um esboço biográfico rápido do percurso vital e teológico do arcebispo curial e sublinhou que, como dizia são Tomás, "a Igreja necessita seguir tendo mestres".

Um Prefeito da Fé, ministrante

Müller é um prestigiado teólogo, mas, ao escutá-lo, entende-se tudo o que diz. Tal como o Papa Ratzinger, tem essa qualidade dos grandes teólogos alemãs (ao menos de alguns) de fazer exequível e simples o teologicamente complicado. Daí que, para explicar a sua aproximação à liturgia de Bento XVI, começasse pela teologia do ministrante e a sua experiência vital de "servir ao altar" e de ter "a Igreja como pátria espiritual".

Recordou que "o ressurgimento da renovação da liturgia" coincidiram com a sua juventude, numa região alemã, como a de Maguncia, berço de Romano Guardini, "o mestre da renovação litúrgica ou da renovação da Igreja através da liturgia". E como fosse pouco, Müller nasceu à sombra de outra grande personagem, o bispo Von Ketteler, "um lutador valente e competente comprometido com a justiça social".

Daí a sua síntese vital e doutrinal quanto à liturgia. "A liturgia não é um jogo com os sentimentos religiosos das costas ao mundo, mas sim preparação para serviço ao mundo na unidade interna de amor a Deus e amor ao próximo".

Uma reforma da liturgia entendida, pois, como continuidade. Porque "a contraposição da teologia e liturgia pré-conciliares e pós-conciliares é contrária à experiência pessoal na vida da Igreja e demonstra ser cada vez mais um instrumento ideológico com o qual se quer romper a unidade da Igreja na continuidade da sua tradição e mediação histórica da revelação".

Tampouco oferece problemas ao prefeito da Doutrina da Fé o facto de casar na eucaristia o sacrifício com o banquete. "O carácter sacrificial da eucaristia não depende da orientação da celebração nem se opõe à sua concepção como banquete".

Porque, em resumidas contas, "frente a conservadores e progressistas, necessitamos uma interpretação integral e autêntica da renovação litúrgica". Porque, "a renovação da nossa capacidade litúrgica depende da renovação da nossa capacidade de dar razão aos homens e mulheres de hoje do Logos da esperança que habita em nós", concluiu monsenhor Müller.

Declarações à Cope

O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé -- que tem como missão não só defender a fé mas também promove-la --, monsenhor Gerhard Ludwig Müller, pediu "coragem" aos católicos espanhóis frente à secularização e assegurou que a Igreja sabe "muito melhor" que os políticos "da linha do laicismo" o que necessitam os homens.

"Não podemos perder a coragem de anunciar o Evangelho hoje porque nós sabemos muito melhor que todos estes políticos da linha do laicismo, desta ideologia ateísta, nós sabemos muito melhor o necessário para todos os homens", afirmou numa entrevista à COPE recolhida pela Europa Press.

Neste sentido, sublinhou que a mentalidade "secularizada" não pode dar uma resposta adequada aos sofrimentos dos homens, aos seus problemas existenciais, ao que há depois da morte, nem à forma de construir uma sociedade baseada nos valores da "justiça social e a dignidade humana".

Além disso, monsenhor Müller indicou que as polémicas sobre a Igreja são "inúteis" e que há que concentrar-se não no "superficial" mas sim "nas grandes perguntas existenciais dos homens que vivem hoje no mundo". Mesmo assim, destacou que é necessário "um anúncio de esperança" e que a Igreja dá esperança a todos os homens. Porque a fé católica "não é um irracionalismo" pois "existe uma ligação entre razão e fé".

Assim, explicou que, "para apresentar o Evangelho como força que dá vida, é necessário sublinhar a intelectualidade, a racionalidade da fé" mas também "expressar a direcção da razão dos homens até à fé, até o encontro com Deus".

No marco desta "intelectualidade", monsenhor Müller destacou que as universidades são "absolutamente importantes" e recordou que são "fundações da Igreja" na história do cristianismo europeu. Além disso, remarcou que, quer sejam universidades do Estado ou da Igreja, sempre se trata da "mesma essência".

Neste sentido, referiu-se ao "alto intelectual" que é o Papa Bento XVI a quem definiu também como "uma pessoa muito humilde, muito simples e muito culta" que além demais se encontra "muito bem de saúde". "O Papa tem a capacidade de dirigir a Igreja no bom rumo até uma nova cultura da humanidade, porque a humanização e a evangelização são quase duas mãos com um só corpo", precisou.


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