quinta-feira, 22 de maio de 2014

Comemorar e Melhorar a Democracia


A celebração dos 40 anos do 25 de Abril, data de fundamental importância na nossa história e memória colectivas, sugere-me que reflicta um pouco sobre o caminho percorrido e, em especial, sobre o muito que ainda falta fazer para melhorar a qualidade da nossa Democracia.

40 anos pode ser muito ou pouco tempo, consoante aquilo que esteja em causa e a perspectiva de quem olha os acontecimentos. Se compararmos Portugal com a maioria Cios países da Europa Ocidental, diremos que somos uma jovem democracia; mas, se a comparação tiver como destinatários os países do Leste da Europa, facilmente concluiremos que já possuímos (ou deveríamos possuiu) uma maior maturidade política, cívica e social.

A Democracia na sua essência exige um compromisso adulto e interventivo dos cidadãos, não se limitando a sua participação ao simples acto de votar, pois é desejável e necessário que surjam e intervenham na vida da Res Publica, os corpos intermédios, as associações, os sindicatos, numa palavra, as forças vivas da Sociedade, de modo que sejam garantidos e promovidos os legítimos direitos e deveres dos cidadãos. Os políticos não podem, por isso, deixar de ouvir as suas legítimas aspirações, nos diferentes areópagos onde eles legitimamente se manifestam, sob pena de ir aumentando, gradual e talvez irreversivelmente, o fosso entre uns e outros. Para obviar a esta situação é desejável uma maior proximidade entre os eleitos e os eleitores, pois é frequente não coincidirem aqueles que são eleitos, com os que foram ao sufrágio dos eleitores. O exemplo de outros países politicamente mais maduros poderá ser-nos, neste capítulo, de grande utilidade.

Uma nota que igualmente soa constantemente dissonante, é a constatação de que grande parte daqueles que se encontram no mundo da política são quase profissionais da mesma, sem grande experiência noutras áreas, acabando as diversas juventudes partidárias por funcionarem como o alfobre onde são criados e cultivados os futuros líderes políticos dos diferentes partidos, e prováveis governantes do país. Uma outra constatação é que a política acaba por ser a porta que abre a Outros futuros empregos, tantas vezes preparados ao longo de um ciclo eleitoral, haja ou não alternância.

Um outro lado a ter em conta é a imagem pouco positiva que o cidadão comum tem das regalias dos políticos, do seu absentismo, dos seus silêncios, quando estão em causa os direitos daqueles que eles deveriam representar e que são frequentemente subordinados aos desígnios dos partidos que os escolhem e condicionam.

Creio que, de igual modo, não se pode governar eticamente, impondo sacrifícios e medidas gravosas: para os cidadãos, na primeira parte de uma legislatura, para depois, à medida que se aproximam novas eleições, conceder benesses e tentar conquistar de novo o voto dos eleitores. A boa Política exige medidas de carácter conjuntural e estrutural, tão abrangentes, transversais e consensuais, que possam ser continuadas na ou nas legislaturas seguintes, independentemente do partido vencedor.

Não quereria, quase a terminar, deixar de voltar a um assunto que noutras ocasiões já passou pela minha pena, e que está subjacente a tudo quanto vem dito anteriormente: quem ocupa os mais altos cargos da política, governativa ou partidária, tem a obrigação de ser uma referência ética para o cidadão comum. Se isto não acontecer ficam "justificados" todos os abusos e desobediências às mais básicas regras do Estado de Direito por parte dos cidadãos, na medida em que quem governa é sempre olhado como uma referência a seguir, no bom e no mau sentido. Na Política devem estar "os melhores", já dizia S. Tomás de Aquino na longínqua mas tão próxima, Idade Média.

40 anos, creio ser já tempo suficiente para, por um lado, reconhecermos o que de positivo tem vindo a ser construído ao longo destas décadas pelas portas que Abril abriu, mas, por outro, é ocasião para reflectirmos sobre o muito que importa ainda fazer para melhorar a nossa Democracia, para que ela seja, efectivamente, o poder, o governo do povo, em favor do bem comum desse mesmo povo.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 265, 09 de Maio de 2014