quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Fundamentalismos e Intolerâncias


Os recentes ataques jihadistas em Paris, suscitaram em mim o desejo de escrever algumas linhas sobre este tema e algumas questões a ele conexas.

Para mim é claro que ninguém, invocando o nome de Deus, pode provocar a morte do seu semelhante e, muito menos, justificar tal barbárie e perversão do comportamento humano. É um paradoxo, uma autêntica contradição.

Este é, infelizmente, um dos extremos a que pode conduzir o fanatismo religioso, mas há outros, com e sem conotação religiosa. Dou apenas alguns exemplos, em vários âmbitos, na minha opinião bem elucidativos:

- Certamente nos lembramos daquele Pastor de uma Igreja Cristã, nos Estados Unidos, que resolveu queimar em público um exemplar do Corão, provocando a ira de multidões em vários países do Mundo e a consequente morte de cristãos inocentes. Casos como este não são raros e contribuem em muito para desacreditar o Cristianismo;

- A liberdade para crer ou não, para professar a sua fé, para mudar de Religião sem coação, deveriam ser princípios universais e não é isso que acontece num sem número de países. No Ocidente cada um, em princípio, dispõe de todas estas possibilidades, mas a reciprocidade destes direitos não existe em muitos países, nos diversos Continentes;

- E que pensar do triste espectáculo em que tantas vezes se transforma o Futebol, com claques que se ofendem e agridem, e, para se deslocarem, são escoltadas pela Polícia, como se de criminosos se tratasse?

- Vejamos também os Partidos Políticos, quando se esquecem daqueles que os elegeram e se entregam a 'jogos de poder", colocando o "bem comum" na prateleira, e nomeando os seus apaniguados para cargos, sem ter em conta as suas aptidões e competências e as reais necessidades;

- Outro mal é, ainda, a corrupção, na qual, por amor ao dinheiro e àquilo que ele representa, se passa por cima de tudo o que é legal e justo, permanecendo apenas como princípio o "vale tudo";

- Olhemos igualmente para as atitudes de quem (pessoas ou grupos, tantas vezes minorias), persiste em impor as suas ideias a quem não pensa da mesma forma, utilizando todos os meios, mesmo ilíci­tos, segundo a mesma lógica acima referida;

- E que dizer, quando se protegem até ao exagero os animais, as plantas e o meio ambiente e se desvaloriza e "descarta" a vida humana, nomeadamente das crianças, dos deficientes dos refugiados e dos idosos, como nos lembra o Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato si?!

Poderia continuar a enunciar outras situações congéneres, embora nem todas com a gravidade da que teve lugar em Paris, pois a lista é longa, basta pensarmos um pouco criticamente.

Uma situação extrema, como esta, pode, contudo, proporcionar uma reflexão sobre aquilo que, de verdade, é essencial na vida, e permitir-nos perceber até que ponto a Religião e as diversas Religiões podem ou não dar o seu contributo na humanização das nossas sociedades, ou, os seus exageros e perversões, produzirem o efeito inverso.

Uma outra questão que me parece oportuna é a interrogação sobre como foi possível chegar-se a este extremo, porque um fenómeno desta natureza, com estas proporções e consequências, só existe se for alimentado por interesses obscuros, que não consideram a vida humana como o valor primordial, principal e inalienável.

Com tristeza o digo, parece que só quando acontece uma desgraça, é que a opinião pública internacional acorda (quando acorda) da letargia em que habitualmente mergulha. Vamos ver até quando este despertar se mantém, pois, o imediatismo é outra das notas negativas do nosso tempo, em virtude do homem atual ter a memória curta e a indiferença ser uma pandemia.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 284, 11 de Dezembro de 2015