sexta-feira, 11 de março de 2016

A Vida, toda a vida, vale a pena


Li esta frase não há muito tempo, e decidi-me escrever umas linhas sobre o valor da vida humana, de toda a vida humana, pois são muitas as ameaças a que ela hoje está sujeita

Pensemos apenas, a título de exemplo, no cortejo infindável de guerras, nas intermináveis doenças, nas carências de bens elementares, (alimentação, higiene, segurança, exercício de direitos essenciais), para concluirmos fundamentadamente que a vida do ser humano corre sérios riscos neste mundo globalizado.

Esta sensação é, porém, paradoxal, contraditória, na medida em que, por um lado, parece estarmos a vencer batalhas contra doenças endémicas e famigeradas, que dizimaram multidões em tempos não muito longínquos, mas, por outro, temos a sensação de que a morte vai marcando pontos, conquistando novos terrenos, com as ameaças à vida humana, como sejam a despenalização e/ou legalização do aborto, a instalação e disseminação de formas mais ou menos refinadas de eugenismo, a manipulação e destruição de embriões, a persistência intransigente da pena de morte, e uma campanha, quiçá, orquestrada de imposição da eutanásia, que é tudo menos morte doce ou suave.

Para não me dispersar, irei centrar a minha atenção estritamente sobre a eutanásia. Esta matéria, tenho perfeita consciência de que é muito sensível e delicada, não só porque a fronteira entre a vida e a morte é já de si tão frágil, mas também porque há muitas questões colaterais, que importa ponderar. De facto, a ausência ou existência de alguns elementos, a acção ou omissão dos intervenientes, a intenção de quem age, podem fazer toda a diferença e alterar o juízo moral.

Há ainda algumas questões prévias, como por exemplo: O que se entende por morte? Que critérios interferem na sua definição? O que é a vida vegetativa? É possível haver recuperação? Quando é que se pode desligar a máquina? O que se entende por coma? E possível recuperar depois de um estado de coma prolongado?

As respostas não são unânimes, mas o que é facto é que situações que há alguns anos eram inultrapassáveis, deixaram de o ser, pelos avanços da ciência. Além disso, há diferentes "Escolas", com posições diversas e mesmo dispares, quando se procura definir a morte. Não é, por isso, uma questão de fácil resolução.

A dificuldade ainda aumenta quando se percebe a confusão que existe quanto à terminologia neste campo, pois a fronteira é ténue, mas faz toda a diferença quanto à essência do que está em causa. Na verdade, muitos casos que se apresentam como eutanásia (abreviação da vida), são, no fundo, distanásia (prolongamento artificial da vida). Morrer com dignidade chama-se ortotanásia, que não se identifica nem com eutanásia, nem com distanásia.

A questão da eutanásia creio fazer parte de uma "agenda" que tem na base uma visão utilitarista e materialista, que tende a "coisificar", e "descartar" a vida humana, colocando-a não como um valor em si, um fim, um absoluto que importa defender, mas conjugando-a com um sem número de condicionantes, que necessariamente a precarizam e menorizam. É fácil nesta perspectiva colocar as coisas, o dinheiro, os bens materiais, ou meros interesses acima do ser humano. Corre-se o risco, se se continuar por este caminho, de qualquer razão, por mais transitória, instantânea e inconsequente que seja, servir para justificar a eutanásia, que já se estendeu em alguns países europeus, às crianças!

Creio que há ainda um outro âmbito a ter em conta, quando se reflecte sobre questões tão sensíveis, refiro-me ao mundo dos afectos, do carinho (carinhoterapia dizia o Papa Francisco há dias), do amor para com os mais fracos, quer se trate da vida nascente, quer da vida no seu ocaso. Qualidade de vida também é isto.

O que dirão as gerações vindouras sobre nós, quando se interpelarem sobre as potencialidades que temos hoje de combater doenças e salvar vidas, mas aceitamos impavidamente que a morte vá vencendo avida no combate da história humana? Será que tudo aquilo que pode ser feito, deve ser feito?

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 287, 11 de Março de 2016