terça-feira, 3 de outubro de 2017

O divórcio entre a fé e a vida



Na minha juventude li uma biografia do papa João XXIII, o “bom papa”, e nunca mais deixei de o admirar. A ele se deve, entre muitas e extraordinárias iniciativas, a convocação do Concílio Ecuménico Vaticano II, que decorreu em Roma, entre 1962 e 1965, e foi, e continua a ser, o mais importante acontecimento eclesial da contemporaneidade.


Como é óbvio, não vou fazer o elogio da vida e obra deste Homem, que a Igreja declarou santo, e é um dos grandes papas dos tempos modernos, antes vou fixar-me, apenas, numa frase por ele proferida, e que suscita em mim profundas interpelações. Dizia João XXIII, falando para dentro da Igreja, que o maior escândalo dos nossos dias era “o divórcio entre a fé e a vida dos cristãos”. 

O alcance destas palavras é enorme e, se cada cristão, e cristão quer dizer “um outro Cristo”, fizer um sério exame de consciência sobre as consequências da fé na sua vida, creio que teríamos todos de entrar numa dinâmica de conversão e de mudança. Ser cristão em todas as dimensões da vida e não apenas nos espaços religiosos é o grande desafio que nos é colocado, e é a melhor forma de manifestarmos que somos, na verdade, discípulos de Jesus “o Deus feito homem”.

João XXIII encarnou e ajudou precisamente a recuperar a dimensão holística da fé cristã e a humanidade que está no coração do Evangelho, filão que os papas sucessivos têm procurado aprofundar, e que é por demais evidente no papa Francisco. A mensagem de Jesus é clara: “Não podemos amar a Deus que não vemos, se não amarmos o próximo que vemos.”

Uma das maravilhas da fé cristã, para mim, consiste em acolher o convite que Jesus me faz, de me encontrar com a verdade da minha condição humana, com as minhas fragilidades e pobrezas e, por outro lado, que deixe entrar e experimente na minha vida a força do amor de Deus, que é maior do que o mal e o pecado, e me pode tornar, como diria S. Paulo “uma criatura nova”, independentemente da minha idade. 


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 02 de Outubro de 2017