quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

As pessoas de boa vontade



O papa João XXIII, numa das suas encíclicas mais emblemáticas, “Pacem in Terris” (1963), incluiu, pela primeira vez, entre os destinatários de um documento deste género, “as pessoas de boa vontade”.

Tal expressão constituiu uma viragem coperniciana, consolidada no Concílio Vaticano II. A Igreja abriu-se ao Mundo, reconhecendo o que de bom nele existe, sem esquecer, o mal e o pecado. Tudo o que é humano lhe interessa e, por isso, assumindo uma postura próxima e humilde, ela está disponível para contribuir na edificação deste Mundo, que Deus ama, e deseja mais justo, fraterno e solidário, e, simultaneamente, está recetiva para receber e aprender com ele.

Esta expressão do papa era reveladora da sua mundividência, fruto de vivências em diversos contextos políticos, sociais e religiosos, e constituiu um reconhecimento tácito da existência de tantos homens e mulheres extraordinários, cheios de humanidade, mesmo se neles não habita a semente da fé. Desafio os nossos leitores a pegarem no n.º 16 da Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, do qual citarei alguns trechos: Depois de falar do respeito que nos merecem os nossos irmãos mais velhos na fé, os judeus, o documento refere-se ao islamismo. De seguida, valoriza a proximidade “daqueles que buscam, na sombra e em imagens, o Deus que ainda desconhecem (…),” mas que quer que “todos os homens se salvem”. Muitos deles procuram “a Deus com coração sincero”, e esforçam-se, “por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da consciência, (…)”.  Mas Deus não exclui, sequer, aqueles que “sem culpa não chegaram ainda ao (seu) conhecimento explícito”, mas se esforçam “por levar uma vida reta”. Estes são os homens e mulheres de boa vontade, e há tantos espalhados por este Mundo e pelo nosso Alentejo!

Que nós cristãos não nos esqueçamos que o Cristianismo é um humanismo aberto à transcendência, dizia-nos o papa Bento XVI, e que o amor ao próximo é condição e exigência do autêntico amor a Deus.


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 07 de Dezembro de 2017