sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A ingente tarefa de um novo Humanismo


Vivemos num tempo pleno de contradições, muitas delas com manifestações e consequências totalmente imprevisíveis, e, por isso mesmo, são pertinentes os motivos para nos inquietarmos. Assinalo apenas algumas situações, a que sou particularmente sensível.

Dentro do mesmo país convivem, em mundos separados, apesar da proximidade física, pessoas que vivem num patamar de riqueza e de desenvolvimento impressionante, enquanto outras pessoas vivem com reformas ou apoios sociais que quase não permitem viver com dignidade humana. Para além da realidade do Terceiro Mundo, o abismo entre o Primeiro e o Quarto Mundos teima em acentuar-se.

Nesta mesma linha, podemos constatar que aumentou imenso o número daqueles que não só frequentaram a escolaridade obrigatória, mas até têm formação de nível superior, mas, paradoxalmente, continua a existir ainda uma faixa da população analfabeta, ou com uma taxa de escolaridade extremamente baixa. Isto acontece em vários países, mas, em Portugal, persiste em não desaparecer.

Olhando retrospectivamente para os incêndios, que afectaram profundamente o nosso país, deixando uma marca de sofrimento, morte e destruição, como ficar insensível à fuga em massa, dos mais jovens e válidos, para o Litoral e para os grandes centros urbanos, enquanto no interior permanecem apenas os mais Idosos, ou alguns corajosos?

Se alargarmos o âmbito da nossa reflexão, e pensarmos que o rendimento médio per capita de alguns países, (nalguns casos, por família), por dia, não chega a 1 Euro, e se pensarmos no que gastamos, quando nos deslocamos a uma pastelaria ou a uma cafetaria… Não podemos deixar de nos interrogar sobre as desigualdades deste Mundo em que vivemos!

Continuando a reflectir sobre outras contradições, pensemos na questão do racismo: como é possível que ainda hoje, em pleno Século XXI, haja quem defenda que nem todos temos a mesma dignidade e direitos, e que a cor da pele, o sexo, a língua, ou a religião, podem ser causa de divisão e de desigualdade entre seres da mesma espécie humana?

Não poderia deixar de incluir aqui uma referência ao facto de alguns países, cujos nomes são conhecidos, realizarem o aborto sistemático de todos, (nalguns casos), e de quase todos, (noutros países), os seres humanos portadores da Trissomia XXI! Não estaremos perante um novo genocídio, à semelhança de outros que já marcaram a história da Humanidade? Há testemunhos, que podem ser encontrados (também na Internet) de portadores deste síndroma que reivindicam o direito a existir e a viver a sua existência, que não é nem infeliz, nem de sofrimento desnecessário, como pretendem afirmar os defensores desta autêntica selecção deliberada da espécie humana! A nossa sociedade ficará conhecida como aquela que, sabendo tanto sobre a vida humana, seguiu o caminho da liberalização do aborto, que é sempre um atentado à vida humana, mas, neste caso, há uma clara intenção de eliminar todos os portadores deste síndroma. Não tenhamos a memória curta, mas recordemos o que já aconteceu, e não há assim tanto tempo na Europa e noutros Continentes.

O alerta do Papa, ainda recentemente renovado, alerta-nos também para mais um perigo e uma contradição: uma Guerra Nuclear, com as consequências devastadoras que daí poderão advir, uma delas poderá ser até o desaparecimento deste Planeta Azul.

Acredito que ainda é possível parar esta caminhada para um aparente crepúsculo da Humanidade, se formos capazes de recuperar os valores essenciais da vida e da dignidade humanas, e se tivermos a capacidade de afirmar que cada vida, todas as vidas são importantes e importam, e devem ser defendidas, sob pena de amanhã, alguns decidirem sobre quem deve viver ou morrer, e quais as circunstâncias em que isso deverá acontecer. E isto já não é uma utopia, pois acontece hoje, na desenvolvida Europa, berço da Civilização onde surgiu, cresceu e se difundiu o Humanismo, que inspirou a Declaração Universal dos Direitos do Homem e, porque não dizê-lo também, onde o Cristianismo ganhou raízes e daqui se espalhou e chegou a todos os Continentes!


in Ecos de Grândola, nº 310, 09 de Fevereiro de 2018