sexta-feira, 11 de maio de 2018

Liberdade, liberdades e aparências


As celebrações do 25 de Abril e do 1° de Maio proporcionam-me a ocasião para reflectir sobre um dos valores fundamentais das sociedades democráticas: a liberdade. São muitas as leituras possíveis sobre o seu sentido e âmbitos, mas, talvez por nos termos habituado, desde o 25 de Abril de 1974, a viver e a manifestar livremente as nossas opiniões, nos esqueçamos que, neste Planeta em que vive­mos, são muitos aqueles que não sabem o que é a liberdade, ou, sabem-no teoricamente, porque estão impedidos de o experimentar.

Porém, apesar de no Ocidente vivermos em democracia e podermos experimentar a liberdade e as oportunidades maravilhosas que ela nos abre, há muitas limitações que, às vezes aparentemente, nos são impostas sem que disso nos apercebamos, e vão moldando os nossos hábitos e escolhas. Os exemplos abundam e basta estarmos atentos aos mass media e às novas plataformas digitais, para nos apercebermos o quão fácil é, por exemplo, impor-nos necessidades que não temos, mudar a nossa aparência, alterar os nossos gostos, substituir os nossos valores, e tudo isto ao abrigo da liberdade.

O Papa Francisco insiste muito, dirigindo-se antes de mais aos católicos, para exercitarmos o discernimento e não perdermos a capacidade crítica perante uma sociedade que nos quer acríticos, por­ que assim é mais fácil impor­-nos o que pretendem, aparentemente respeitando a nossa liberdade. O Papa chama-lhe "colonialismo cultural". Estejamos atentos.

Ouvi há alguns anos, quando ainda estudava Teologia em Évora, que o mal nunca aparecia como uma coisa má, mas antes pelo contrário, como algo bom, pois, se assim não fosse, não cederíamos tão facilmente. Lembro apenas, como exemplo, a história (não é real) de Adão e Eva e de como a serpente seduziu a mulher e esta, por sua vez, o homem. À mulher a serpente disse: "se comerdes o fruto da árvore do jardim, sereis como deus", e a mulher cedeu...Esta história que tem muito de comum com o Mito Babilónio da Caixa de Pandora, faz-me pensar tantas vezes como nos vão impondo, paulatinamente, o que não imaginávamos, sem que disso nos aperceba­mos e, simultaneamente, convencendo-nos de que somos livres e de que nunca fomos tão livres como hoje somos, e não é verdade. Por isso, de vez em quando somos desperta­dos da letargia em que nos querem manter, com notícias de escândalos, que percorrem as redes sociais, que chegam a milhões de pessoas, que gradualmente vão perdendo a sua intimidade e o sigilo dos seus dados pessoais. Creio que não preciso de ser mais explícito.

Penso que devemos, porque somos livres, apurar o nosso sentido crítico e não aceitar acríticamente o que nos querem impor. A liberdade é um valor fundamental e inegociável, embora não haja

uma liberdade sem limites, é utopia, mas, o reverso da liberdade chama-se responsabilidade. Seremos tanto mais livres, quanto mais capacidade crítica cultivarmos, mais discernimento exercitarmos, e mais responsáveis formos.

Para não ficarmos reféns do nosso pequeno mundo, não deixemos também, aprovei­ tando as potencialidades que as novas auto-estradas da comunicação de massas nos oferecem, de alargar o horizonte do nosso olhar e de nos comprometermos com campanhas metódicas e multitudinárias em prol da liberdade e da democracia em vastas zonas do Globo, pois são muitos aqueles para quem a liberdade é apenas uma miragem, uma utopia irrealizável, e está nas nossas mãos provar que é possível mudar.

Não cruzemos os braços, nem pensemos que isso é apenas "para os outros". Falta acontecer Abril em muitos Países, neste século XXI.


in Ecos de Grândola, nº 313, 11 de Maio de 2018