domingo, 27 de janeiro de 2019

Mais um Natal desponta


O Natal é uma época do ano que pode ser vivida de diferentes formas e com vários sentidos; não deveríamos, contudo, esquecer a sua essência, a sua genuinidade e profundidade. Natal significa nascimento, nascimento de Jesus, para nós cristãos o Filho de Deus. que se tornou um de nós para que nós compreendamos o quanto Deus nos ama, ao ponto de nos adotar como filhos, no Seu Filho Jesus. O sentido fundamental do Natal é, pois, claramente e declaradamente humanista e humanizador; é uma festa centrada na pessoa, nas pessoas.

É claro que todas as demais dimensões do Natal são respeitáveis e têm a sua importância: Festa da Família, Tempo de Paz, celebração e convívio, oferta de prendas, etc. Há lugar para tudo, pois todas estas dimensões foram crescendo ao longo dos tempos, ganhando raízes e razão de ser. O equívoco reside na obsessão e centralidade das coisas materiais, apresentadas até à exaustão como o TUDO do Natal.

O Filósofo Gabriel Marcel bem nos alertou para a luta, que nos nossos tempos ocorre, entre o Ser e o Ter, e é preciso estar consciente desta realidade, sem nos deixarmos iludir por falsas promessas, segundo as quais, para se ser, é preciso ter, ou, pior ainda, que basta ter coisas para se ser feliz. Não é verdade. A felicidade pertence a uma dimensão superior, espiritual, acima da matéria, não se compra, não se aluga, nem< se vende. As coisas materiais podem dar uma ajuda na criação das condições essenciais, para que todas as pessoas possam viver com mais dignidade; contudo, não reside na sua posse e fruição, a solução miraculosa de todas as necessidades essenciais e existenciais da Humanidade.

O espírito do Natal está muito ligado a S. Francisco de Assis, a quem também devemos a tradição do Presépio, e que nos deixou, numa oração, este legado extraordinário, monumental e simultaneamente simples, que todos deveríamos conhecer e experimentar: "é dando que se recebe." Este dar não se identifica necessariamente com coisas, mas traz consigo o desafio de nos descentrarmos, de nos abrirmos e nos darmos, de forma gratuita e desinteressada, ao nosso próximo, o qual pode ser qualquer pessoa com quem partilhamos esta Casa Comum.

Quanto mais crescer em mim a capacidade de me libertar do Ter, tanto mais se enriquece em mim o Ser, e se alargam os meus horizontes, superando o horizonte da tacanhez do meu umbigo, para poder vislumbrar a Humanidade, em toda a sua plenitude. Uma Humanidade que vive como eu neste Planeta Azul, que necessita urgentemente, de uma transfusão de justiça, solidariedade e fraternidade, para vencer a tentação do egoísmo, da misantropia, do materialismo, do imediatismo, dos nacionalismos, para que possam finalmente germinar e frutificar em nós e à nossa volta, as sementes de um Mundo Novo que é possível e desejável. Na verdade, está nas nossas mãos construí-lo e legá-lo às gerações futuras, como uma realidade possível e não uma miragem ou mera utopia.

Santo Natal e abençoado Ano Novo.


in Ecos de Grândola, nº 321, 11 de Janeiro de 2019