Estamos a iniciar mais uma Quaresma, tempo
por excelência para mergulharmos na profundidade do nosso ser e fazermos
um exame profundo à nossa vida e às múltiplas relações que a caracterizam: com Deus,
com os outros, connosco
próprios e com a natureza que nos rodeia.
O
ser humano é um ser
relacional e a avaliação
destas relações, na riqueza da sua
diversidade e complementaridade, ajudamnos a prosseguir
caminhos ou a retroceder, e a refazer
itinerários. Creio que
este é
um dos méritos da Quaresma, pois,
toda a atmosfera que nos envolve é aliada e convidativa a processos de introspecção.
Se
nos centrarmos numa das palavras interpelativas de Jesus, talvez possamos
encontrar nela pistas para uma correta
vivência quaresmal: "pelos frutos,
se conhece a árvore".
É fácil iludirmo-nos com imagens
que temos de nós, ou que outros
criam em nós e de nós, sem nunca as questionarmos, e isso faz com que os anos passem
e nada em nós mude, embora a nossa linguagem possa ser rica, exuberante, apelativa. Não nos deixemos
iludir: palavras, leva-as o vento...
Ser cristão é
trazer dentro
de nós um
desejo de perfeição, de santidade, que tem a sua fonte e a sua resposta unicamente em Deus. Santidade cristã não é sinónimo de perfeccionismo à maneira farisaica, nem
afirmação de superpoderes, ou de lideranças
carismáticas. Não, a santidade cristã é
dom que se deve
pedir e alimentar na fonte que é o Senhor, e na verdade
que nós cristãos sabemos que só n’Ele se encontra.
Este
tempo convida-nos, pois, a todos a pesarmos bem as palavras que,
qual estribilho, repetimos maquinalmente, sem nelas reflectirmos. Deixo algumas inquietações:
- Como posso falar de conversão, se
em mim nada muda, ano após ano? Como
posso exigir dos outros aquilo que recuso aplicar
a mim?
-
Como posso falar
de humildade, se sou orgulhoso, altivo, prepotente, alimento
invejas e rancores, e
não faço nada para reparar situações que também dependem do primeiro passo que sou
convidado a dar?
- Como posso falar de pobreza, de desprendimento e partilha, se vivo centrado
no meu mundo, nos meus projectos e não sou capaz de dar, sem
esperar algo
em troca?
- Como posso falar de oração,
de vida espiritual, de relação com Deus,
se depois na relação com os outros é evidente
o divórcio entre o amor ao Senhor e
o amor ao próximo? Quais são os
frutos?
- Como posso falar de verdade, de transparência, exigindo-as aos outros,
quando vivo uma existência onde elas não se manifestam?
Estamos no tempo privilegiado para nos exercitarmos numa autêntica conversão e transformação da nossa
vida, e para não
perdermos inutilmente tempo em demagogias linguísticas, sejam, elas eclesiais ou eclesiásticas.
Prestemos mais atenção aos nossos frutos para percebermos que tipo de árvore somos,
e para pedirmos ao "Agricultor
Divino" que
vá cortando aqueles
ramos que
nos impedem
de crescer e que são
obstáculo ao crescimento dos outros.
Da
verdade com que vivermos esta Quaresma, dependerá a riqueza da Páscoa que já se vislumbra.
R
in Notícias do Alentejo, 07 de Março de 2019