sábado, 11 de outubro de 2014

Outros Muros para Cair


O tema desta crónica surgiu­-me enquanto ouvia e reflectia sobre os apelos que o Papa Francisco fez, aquando da sua recente visita à Coreia do Sul, referindo-se à Coreia do Norte, à China, ao Vietname e aos de­ mais países asiáticos onde não existe plena liberdade e, consequentemente, liberdade religiosa.

A história da humanidade está, porém, cheia de relatos sobre muros, nem todos físicos, mas nem por isso menos reais e nefastos.

Como não lembrar, por exemplo, a Escravatura, ou o mito da pura Raça Ariana, já nos nossos dias?

Como esquecer os muros que se têm elevado e acicatado ódios tribais e étnicos entre povos vizinhos e irmãos?

Como não recordar o muro da intolerância religiosa, instigada por fundamentalistas, que tem martirizado etnias minoritárias e, de uma forma particular, as comunidades cristãs espalhadas pela Ásia e África?

Como não ter presente o muro que separa os Estados Unidos do México, e pelo qual têm entrado milhões de sul-americanos à procura do "sonho americano"?

Como esquecer igualmente o Muro que separa Judeus e Palestinianos, na Terra de Jesus, que veio fazer de toda a Humanidade uma só família?

Há ainda outros muros, nem sempre visíveis, mas que gostaria de recordar neste momento:

1- A eficácia e o utilitarismo, que colocam na prateleira aqueles que já não estão em condições de produzir, e que, em muitos casos, leva os mais desprotegidos a desistir de viver e a pedir a Eutanásia, como libertação de uma vida cinzenta e sem horizontes de esperança;

2 -A superficialidade e o facilitismo, que afectam grandemente os mais jovens, e lhes retiram o gosto pelo esforço, pelo empenho, pela gratuidade, pela generosidade ao serviço dos outros, e que conduzem inexoravelmente ao egoísmo, ao individualismo e ao consumismo;

3 -A aparência e o materialismo em geral, que levam ao esvaziamento do ser humano, o empurram para uma quase esquizofrenia existencial, que empobrece a vida humana, faz esquecer a riqueza e a beleza do ser, e conduz o Homem para os pântanos ilusórios daquilo que, sendo mais frágil do que nós, e parecendo transmitir uma certa imagem de felicidade, depressa se desvanece desmascara e deixa uma marca profunda de insatisfação e de procura desesperada de pequenas e fugazes felicidades;

4 – A corrupção e a incompetência, que criam a ilusão da falsa segurança e da felicidade, que depressa se desvanecem e resvalam no abismo da desagregação em catadupa, e na completa desorientação sobre o caminho a tomar para encontrar uma luz que possa conduzir a um caminho seguro, a partir do qual se possa construir.

Poderia continuar a enunciar uma cadeia infindável de muros, que importa ter conhecimento da sua existência, e, mais importante ainda, vontade de superar e transformar.

Como referi em anteriores artigos, a consciência da realidade é o primeiro passo para invertermos caminho e fazermos outro tipo de opções, mais verdadeiras e consistentes. Com efeito, só a Verdade liberta e só sobre ela se pode, de facto, construir com solidez. Vale a pena seguir por este caminho, mesmo que para isso tenhamos de sofrer e de nos sacrificarmos, na certeza de que a esperança tem sentido e o amanhã poderá ser melhor.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 270, 10 de Outubro de 2014