segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A união faz a força


ste título presta-se a interpretações antagónicas; o meu objetivo, porém, é refletir sobre os resultados preliminares dos Censos 2021.

Já era espectável que Portugal continuasse a perder população, e o Alentejo, com raras exceções, estivesse na vanguarda. Como as pessoas são a maior riqueza, forçoso é concluir que estamos a empobrecer.

A perda de população também pode ter várias leituras. Se, por um lado, há evidências que apontam para o êxodo dos mais novos em busca de melhores condições de vida e outros horizontes; por outro, é inegável que a taxa de natalidade é negativa e não compensa a de mortalidade, pelo que, o envelhecimento da população é inevitável.

Perante estes dados, o mais fácil é culpar o Poder Central (seja ele qual for) do abandono do interior, da excessiva litoralização, de poucos projetos e apoios, de descentralização incipiente, etc. Tudo isso pode ser verdade, mas não ser toda a verdade!

Com efeito, a maior longevidade, longe de ser um problema, é um ganho inquestionável dos nossos tempos, mas não nos exime de refletir sobre as consequências transversais da perda de população. E uma dessas consequências é a diminuição do nosso peso eleitoral a nível nacional. Quanto mais divididos estivermos, por isso, menos alto faremos ouvir a nossa voz.

Precisamos, pois, de líderes locais à altura, capazes de superar a lógica pobre dos rótulos e preconceitos ideológicos, de verdadeiros protagonistas e autênticos servidores do Homem e do bem comum, dotados de coragem, lucidez e visão de futuro, que nos congreguem a todos em torno de valores, objetivos, e projetos fundamentais, inquestionáveis e estruturantes.

Como cristão, também gostaria de ver a Igreja mais comprometida neste projeto de unidade e comunhão com todos os que querem o bem do Alentejo e das suas gentes. A Igreja, como diz Jesus, deve ser: “Luz, Sal e Fermento” (cf. Mt 5, 13-16). Isso só será possível numa “Igreja em saída”, como afirma o Papa Francisco.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 03 de Setembro de 2021



O perigo dos fundamentalismos


s virtudes cardeais são quatro: justiça; prudência; fortaleza e temperança. Elas não são uma especificidade do cristianismo, pois, alguns séculos antes de Cristo, na Grécia, já eram objeto de reflexão, e se acreditava serem fundamentais na estruturação do Homem. Aristóteles foi um desses grandes filósofos que nos legaram este riquíssimo património, que continua bem válido para o Homem pós-moderno.

“Faz todo o sentido acolher ainda uma das chaves do pensamento do Papa Francisco: o discernimento. Ele é fundamental para não sermos ludibriados com retóricas demagógicas e belos discursos”.

Para não me desviar do objetivo deste texto, espraiando-me em generalidades, vou centrar-me apenas nas virtudes da prudência e da temperança, as quais considero cruciais na prevenção dos fundamentalismos que grassam no mundo hodierno, quer vistam roupagem religiosa, política, social, filosófica, ou outra.

Na verdade, os fundamentalistas tendem, no geral, a assumir a parte pelo todo, exacerbando algum aspeto particular, omitindo ou desvalorizando outros; sobrevalorizam a subjetividade em detrimento da objetividade; confundem unidade com unicidade, esquecendo que a vida é multicolor; rotulam e adjetivam os que discordam deles e pensam diferente, marginalizando-os e procurando por todos os meios (pois os fins justificam) impor-lhes a sua perspetiva.

As virtudes podem, pois, funcionar como antídoto, enquanto terreno sólido e fértil, a partir do qual é possível, refletir, projetar, propor, com equilíbrio, esperança e alguma utopia. Apostar nelas significa também reconhecer o protagonismo do Homem, colocando-o no centro, e acreditando nele, no seu engenho e potencialidades, enquanto ator de um futuro melhor.

Não querendo parecer simplista, creio que faz todo o sentido acolher ainda uma das chaves do pensamento do Papa Francisco: o discernimento. Ele é fundamental para não sermos ludibriados com retóricas demagógicas e belos discursos, tantas vezes vazios de autênticas ideias e de propostas realistas e exequíveis. O discernimento é uma postura existencial adulta, crítica e exigente de quem quer viver na verdade e em liberdade.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 06 de Agosto de 2021

Valorizar a esperança



costume dizer-se que “a esperança é a última coisa que se perde”. Concordo, embora o sentido do que se entende por esperança possa variar e ter interpretações opostas e quiçá contraditórias. Acredito na esperança como uma virtude, que não se confunde com apatia, desinteresse, passividade. Ela supõe, pelo contrário, uma postura proativa, exige compromisso, empenho, sacrifício, e é uma fonte permanente de inspiração e renovação.

Ela é ainda intemporal, e uma espécie de antivírus que nos permite, em cada tempo e circunstâncias, buscar forças e encontrar o caminho certo, quando tudo parecer perdido, estagnado, exangue.

Esta virtude urge ser cultivada, para crescer e nos iluminar, à medida que o tempo passa e as solicitações aumentam.

Os tempos que vivemos, fruto da pandemia, são um autêntico desafio ao exercício da esperança, sobretudo, quando nos vemos assolados por esta espécie de “montanha russa”, do ‘best…a best’, do tudo ou nada, numa intermitência estonteante.

Na verdade, no meio de tantas incertezas, incongruências, e outras falhas, para além da orientação clara de quem nos governa, é necessária uma boa dose de esperança, que nos torne mais estáveis e assertivos.

Como cristão acredito também que a esperança nos abre ao horizonte da eternidade, nos torna mais fortes diante das adversidades, nos permite relativizar os pseudo-absolutos deste mundo, abrindo diante de nós uma clareira de transcendência que, não sendo obrigatória, pode preencher um vazio que existe no coração humano. Recordo a propósito uma frase do Papa Emérito Bento XVI: “O cristianismo é um humanismo aberto à transcendência”.

A esperança é uma espécie de irmã gémea da fé, e, apesar de não se confundirem, ambas necessitam da liberdade e da democracia para crescerem e, como árvores frondosas, darem fruto. Este pensamento é tanto mais oportuno quando estamos a celebrar os 20 anos da promulgação da Lei da Liberdade Religiosa (22-06-2021). 

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 02 de Julho de 2021


Solidariedade: valor a cultivar



uma verdade inegável, a grande facilidade 
e rapidez com que hoje acedemos à informação, qualquer que ela seja, nomeadamente sobre esta casa comum e a família que nela habita. Podemos, contudo, interrogar-nos se esta riqueza indiscutível, se reflete numa mais efetiva solidariedade entre povos e nações, ou entre simples cidadãos.

A solidariedade é, com efeito, uma virtude que importa cultivar com clareza, simplicidade e perseverança, expurgando-a das tentações que a podem perverter e desvirtuar, para que ela possa emergir em toda a sua grandeza e beleza.

Ela não tem cor nem credo; não é ideologia, nem demagogia; não é proselitista, nem interesseira; não é bandeira para certas ocasiões, nem talismã para dar sorte; não é apanágio de algumas profissões, ou exclusividade de alguns partidos políticos; não dá empregos, nem faz subir de ‘status’.

A autêntica solidariedade é antídoto contra o egoísmo e o individualismo; é desinteressada e considera o outro como fim e não como meio; é convite ao desprendimento e ao serviço do próximo; é apelo ao descentramento de si próprio e à centralidade do outro; é manifestação de plena liberdade e de respeito pelo outro.

Ao olhar para o mundo que nos entra casa dentro, em mil imagens e intensidades estonteantes, numa profusão de pretensos gestos solidários, sinto tantas vezes um vazio desconcertante, porque a verdadeira solidariedade impõe-se por si própria e oculta-se discretamente, tantas vezes, na simplicidade dos gestos anónimos, mas autenticamente fecundos.

Creio que necessitamos de uma verdadeira revolução cultural que seja, efetivamente, fértil em valores, nomeadamente daqueles que, como a solidariedade, nos despertem e exortem a estarmos mais atentos ao outro, sobretudo, ao pobre, indefeso e pequeno, quer ele viva ao nosso lado, ou noutro continente.

O nosso tempo precisa ainda de pessoas que não tenham orgulho em ser solidárias, mas, simplesmente sejam solidárias!

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 04 de Junho de 2021


terça-feira, 5 de outubro de 2021

Caminhar na Verdade


ste tema, fonte quase inesgotável, com algumas nuances, já mereceu  anteriores reflexões minhas, nas páginas do “Diário do Alentejo”. Hoje, porém, centrar-me-ei na relação entre Ser e Parecer, partindo da análise de dois textos dos Evangelhos.

Durante a Quaresma, lê-se um episódio intitulado: “As tentações de Jesus” (Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13), que são também as nossas, e uma delas chama-se: Parecer. Em S. João, há um outro trecho curioso: o encontro de Jesus com Natanael. No desenrolar do diálogo entre ambos, Jesus afirma: “Aqui está um verdadeiro israelita, no qual não existe fingimento” (Jo 1,47).

A mensagem de ambos os textos acaba por ser complementar: o primeiro diz-nos que há uma tentação que bate à nossa porta – a aparência; o segundo, afirma que a sua superação passa pela transparência e verdade.

À partida deveria haver coincidência entre Ser e Parecer; mas nem sempre isso sucede, e é frequente a conflitualidade, para além dos casos do foro psiquiátrico, que merecem uma abordagem específica.

Como cristão penso que a fé, na medida em que nos torna mais conscientes das nossas imperfeições e pecados, nos convida a ser humildes, simples, coerentes. Para que isso se torne realidade, é preciso viver em permanente estado de conversão, assumindo a condição de pecador, e não procurando justificar-se.

A conversão é, pois, convite à coerência, e, para ser eficaz, deve começar por dentro. A “Bíblia” utiliza, aliás, uma expressão muito bela: “mudança do coração”, a qual, em sentido bíblico, é sinal da identidade mais profunda da pessoa, da sua consciência. Com efeito, enquanto as mudanças exteriores, por serem superficiais, plásticas e transitórias, não criam raízes, as interiores, pelo contrário, geram comunhão entre o que somos e revelamos; tornam-nos mais naturais, livres e despretensiosos; e libertam-nos de temores, incertezas e oscilações comportamentais.

Este processo dá muito mais trabalho, é para toda a vida, mas vale a pena.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 30 de Abril de 2021


O valor da vida humana



omo homem defendo a inviolabilidade 
e a intangibilidade da vida  humana, desde o nascimento até à morte natural; mas, como cristão, acredito que a vida também é sagrada: é dom de Deus; por isso, a ninguém é lícito tirá-la a outrem.

O direito à vida está igualmente consignado na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, da ONU (1948), subscrita pela maior parte dos Estados.

O preâmbulo da Declaração manifesta uma fé profunda nos Direitos Humanos, “ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”. Na verdade: “o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade”. Daí a importância de garantir, através da sua implementação: “o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria”.

Se olharmos, contudo, para o nosso mundo, perceberemos facilmente o abismo existente entre a magnanimidade do texto e a crua realidade.

Sem a pretensão de esgotar a lista interminável de atentados à vida, nem me perder em juízos de valor sobre os seus responsáveis, enuncio apenas alguns factos: milhões de refugiados em campos de acolhimento, ou em êxodo rumo ao norte, em busca de uma vida melhor; populações exangues por intermináveis conflitos armados; milhares de mortos todos os dias pela fome; multidões incontáveis privadas de água potável, de condições de higiene, de cuidados de saúde; milhões de crianças sem escola nem família; listas infindáveis de mulheres vítimas de violências, violações e tráfico; idosos abandonados e marginalizados; pessoas com deficiência que, em alguns países, já não são bem vindas, pois, pelo aborto seletivo ou pela eutanásia, caminhou-se no sentido da “seleção” da raça!

A constatação desta dolorosa realidade não deve, porém, gerar conformismo, nem indiferença; pelo contrário, é antes desafio a empenharmo-nos em prol da vida e dignidade humanas, pois, todas as vidas importam!

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 26 de Março de 2021


A pandemia e as nossas fragilidades


Humanidade do século XXI 
está a escrever um dos seus piores capítulos, fruto da pandemia que se abateu sobre nós, e inundou o nosso quotidiano de incertezas, medos, provações e expectativas.

Pela sua omnipresença no universo informativo, é fácil concluir que ela fez emergir e agravou significativamente contradições e desigualdades do nosso mundo, e dos mundos que nele subsistem, pois, apesar das ondas de choque deste ‘tsunami’ atingirem todas as latitudes e longitudes, são sem dúvida os mais frágeis, pequenos e pobres, quem mais sofre. Infelizmente, são também estes que, na hora em que surgem as primeiras respostas, correm o risco de perder o comboio, por falta de recursos para a adquisição das vacinas e demais tratamentos, e de púlpitos onde a sua voz se faça ouvir.

Há, porém, sinais positivos que gostaria de assinalar:
1.º A mobilização, sem precedentes, de pessoas e recursos, num esforço ciclópico de investigação científica, sinal de que, para problemas globais, exigem-se e são possíveis, respostas globais;
2.º O alívio da pressão sobre o planeta azul, que parece ter voltado a respirar plenamente, depois de décadas de ofegante e voraz poluição, conduzida por uma ânsia descontrolada de ter e dominar;
3.º A generalização de gestos de profunda humanidade e solidariedade, bem reveladores daquilo que o ser humano é capaz, se, exercendo firmemente o discernimento, não se render ao mal.

A pandemia parece ter criado em nós uma maior consciência de interdependência: somos uma só família humana, que habita a mesma e única casa comum. Ela pode também constituir uma autêntica oportunidade para abandonarmos egoísmos, individualismos e nacionalismos, que só contribuem para abrir feridas, agudizar conflitos e empurrar a Humanidade para uma espécie de “terceira guerra mundial, aos pedaços”, como diz o Papa Francisco.

Há razões para continuar a acreditar no Homem, e na sua capacidade de se superar e de construir um amanhã melhor!

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 05 de Fevereiro de 2021