sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O Natal e a nova Humanidade


tempo de Natal, que se prolonga até à Epifania ou Reis, convida-nos, sobre tudo a nós cristãos, a recordar e a celebrar a vinda há cerca de 2000 anos ao Mundo, de Jesus, o Filho de Deus que assumiu a nossa natureza humana.
Os Crentes de outras Religiões, os Agnósticos, os Ateus ou os Indiferentes, poderão encará-lo talvez como profeta, líder carismático, homem perfeito, ilustre desconhecido…
Para além de tudo o que se possa dizer sobre a influência de Cristo e do Cristianismo, que são inegáveis a muitos níveis, há, contudo, uma dimensão, que me é particularmente cara e que ecoa no coração do Evangelho: somos todos iguais, temos a mesma dignidade, e em Jesus podemos dirigir-nos ao único Deus chamar-lhe Pai Nosso, reconhecendo assim a nossa condição de irmãos.
A afirmação da igual dignidade de todo o ser humano é um dos maiores valores que o Cristianismo  propõe ao Mundo. Este tesouro é intemporal e urge proclamá-lo em cada época, e na nossa em particular, quando persistem tantos atentados contra a vida humana: guerras, fome, injustiças, violência, migrações, alterações climáticas, aborto, eutanásia, pedofilia, etc.
Em Cristo nós seres humanos descobrimos ainda a Lei que tudo pode transformar: o mandamento novo do amor, a Deus e ao próximo. À luz da fé amar o nosso próximo, que é nosso irmão, é condição
para se amar a Deus, e o nosso próximo pode ser qualquer pessoa, mesmo os nossos inimigos; um desafio decerto difícil mas não impossível, para quem acredita!
O mandamento do amor convida-nos, pois, à conversão, à comunhão, à reconciliação, à Paz, outro valor tão necessário no nosso tempo. Se é verdade que nem tudo depende de nós, não é menos verdade que
também está nas nossas mãos trabalharmos na transformação deste Mundo, a partir de pequenos gestos e atitudes. Afinal Jesus não nasceu na sumptuosidade de um Palácio, mas na simplicidade de uma manjedoura, na singela cidade de Belém.
Um Santo Natal e um Abençoado Ano de 2023.

Manuel António Guerreiro do Rosário, Padre


sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Uma “nova economia”


Papa Francisco, verdadeiro pastor das “periferias”, oriundo de um Continente marcado por profundas contradições e sofrimentos, mas também fértil em esperanças e desafios, não deixa de nos surpreender.

A atestá-lo o convite que dirigiu aos jovens de todo o Mundo para um evento em Assis, entre 26 e 28 de Março de 2020, intitulado: “Economy of Francesco”. Em virtude da pandemia, o encontro não teve o impacto desejado, mas concretizou-se agora, entre os dias 22 e 24 de Setembro.

Este projeto deveras ambicioso, contou com a participação de mais de mil jovens empresários e economistas, provenientes de 120 Países (Portugal incluído), que reflectiram sobre a possibilidade de uma “nova economia”, inspirada nos valores de S. Francisco de Assis.

O Pacto assinado pelos participantes é bem revelador da seriedade do projeto, o qual não é mera utopia, mas realidade já em construção. Nele se propõe uma Economia: de Paz, que recusa a proliferação das armas e se preocupa com a Criação; ao serviço da Pessoa, da Família e da Vida, e respeitosa sobretudo dos mais frágeis e vulneráveis; que privilegia o Cuidado e que não deixa ninguém para trás; que reconhece e protege o Trabalho digno e seguro para todos; onde as Finanças são amigas e aliadas da economia real e do trabalho; que valoriza e preserva as Culturas e as Tradições dos povos, todas as Espécies vivas e os Recursos Naturais da Terra; que combate as Misérias e reduz as Desigualdades; guiada por uma Ética da Pessoa e aberta à Transcendência; que cria Riqueza para todos, mas também gera Alegria, Bem-estar e Felicidade.

No discurso final o Papa propôs três fortes indicações: primeira, “olhar para o Mundo através dos olhos dos mais pobres”; segunda, que os jovens (estudantes, estudiosos e empresários) não esqueçam “o trabalho” e “os trabalhadores”; terceira, a “encarnação”, ou seja, que os “ideais”, os “desejos” e os “valores”, se transformem em “obras concretas”.

Mãos à obra juventude!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 28 de Outubro de 2022


sexta-feira, 15 de abril de 2022

O Síndroma de Caim


Papa Francisco, a propósito desta fratricida guerra, que ensanguenta o Continente Europeu e envergonha a Humanidade, já por várias vezes fez referência ao “Síndroma de Caim”.

Para os leitores menos familiarizados com a terminologia da Bíblia, gostaria de explicar, de forma sucinta, que Caim e Abel são personagens mencionadas no primeiro livro da Bíblia, o Livro do Génesis; eram irmãos, e Caim matou Abel.

Abstraindo das motivações subjacentes ao homicídio, missão dos exegetas bíblicos (não é o meu caso), o que o Papa pretende lembrar-nos é que a guerra é um atentado à fraternidade humana, uma recusa, de facto, da nossa pertença à única Família Humana, que habita esta Casa Comum. O homem torna-se, deste modo, “o lobo do homem”, na medida em que na guerra se revelam de forma horrorosa e degradante, os piores sentimentos que habitam o coração humano.

A guerra não tem justificação, nunca resolve os problemas, e é uma manifestação crassa de egoísmo e de misantropia, pela obstinação em não ter em conta o mal produzido, nem as consequências transversais que daí advirão e que tenderão a perpetuar-se num círculo vicioso, porque os resquícios de ódio e de vingança permanecem por gerações, e manifestam-se, por vezes, de forma inesperada, intempestiva e descontrolada.

O futuro da Humanidade exigirá que se encontrem alternativas à guerra, que passarão pelo diálogo, negociação, e cedência; no fundo, por meios pacíficos, que permitam trilhar caminhos de autêntica evolução civilizacional.

É também desejável que se estabeleçam regras éticas universais, que sejam cumpridas por todos, e que contribuam para normalizar as relações entre povos e nações, com base na justiça, verdade, liberdade, equidade, solidariedade e bem comum, entendidos planetariamente.

Urge também repor no abecedário, o respeito pela vida humana, de cada ser humano, e de todos os seres humanos; sem esquecer que a vida humana não é “descartável” (Papa Francisco).

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 15 de Abril de 2022


sexta-feira, 11 de março de 2022

O Esplendor da Verdade


ste título tem por base uma Encíclica do Papa João Paulo II, publicada em 1993 (06 de Agosto) e dedicada às questões de carácter moral.

Uma das preocupações do Pontífice, olhando para a Sociedade hodierna, era a crise em torno da Verdade, e a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre as duas dimensões que lhe são inerentes: Objectividade e Subjectividade.

A subjectividade é um valor inquestionável dos nossos tempos, mas supõe um esforço na formação da consciência pessoal, a qual, enquanto “olho luminoso da alma”, tem por missão exercer o discernimento, e ajudar-nos a trilhar os caminhos da rectidão, da transparência, da justiça e da coerência, evitando a arbitrariedade.

Se da subjectividade passarmos ao subjectivismo, e a fronteira é muito ténue, torna-se fácil distorcer, maquilhar ou ignorar a Verdade, a qual se tornará apenas “a nossa verdade”, impondo-se a lógica do “vale tudo”. Num cenário destes, é evidente o “obscurecimento” da consciência, a qual se verá envolta em perplexidades, dúvidas e equívocos. A propaganda e a manipulação, sem regras nem escrúpulos, depois fazem o resto.

Esta constatação pode ter muitas aplicações.
 
Dou apenas um exemplo de, infelizmente, grande actualidade: olhemos para o que está a acontecer na Ucrânia  e confrontemos o realismo dos factos com as declarações que nos chegam do Kremlin, e perceberemos como a distorção da realidade é evidente e gritante.

A busca pela Verdade e a preocupação em lhe ser fiel, deveria ser um objectivo crucial e estruturante da nossa vida pessoal e colectiva, em todas as suas dimensões, sob pena de se correr o risco de edificarmos sobre a “areia” e não sobre a “rocha”. Isto aplica-se também à Igreja e a todos os seus membros, pois, como diria o Apóstolo S. João: “só a Verdade liberta.”

Estamos na Quaresma, tempo de paragem e de introspecção, ocasião propícia para mergulharmos dentro do mais profundo de nós mesmos. É também tempo de mudança, se tal for o caso.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 11 de Março de 2022

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Vencer o individualismo, globalizar a solidariedade


Os tempos que atravessamos, fruto não só da pandemia provoca­da pelo COVID, mas de outras pan­demias igualmente nefastas, desa­fiam-nos à criatividade, à ousadia, a atitudes fracturantes, que nos permitam vencer erros do passado e encarar com esperança o futuro, que somos convidados a construir, já e agora,  com atitudes e apostas concretas.

Uma vez que estamos a viver uma situação, sem precedentes, que questiona as nossas seguranças e formas de vida, era bom que, vencida a crise, saíssemos reforçados e melhores enquanto pessoas, insti­tuições, empresas, países, etc.

Na verdade, talvez nunca como hoje percebamos tão bem, que de vemos estar unidos, apesar das justas diferenças que nos caracterizam e distinguem, na procura de respostas aos muitos desafios, os quais provam que "a unidade faz a força", e que, por isso mesmo, precisamos de refrescar a memória, ultrapassar preconceitos e assumir posturas novas e audazes.

Esta é uma das lições que deveríamos retirar desta provação a sua superação com efeito, supõe a vitória e, consequente libertação, das cadeias da indiferença, do indivi­dualismo, do egoísmo, do isola­mento e da autossuficiência. Só assim poderemos encontrar, e posteriormente globalizar, as respostas que, como Humanidade, devemos dar aos problemas que sentimos e que confirmam a realidade da interdependência.

A consciência de que somos uma única Família Humana, que habita numa única Casa Comum, deveria ganhar ainda mais raízes no nosso coração, nas nossas convicções e políticas, quer se trate do simples cidadão, quer, com maior razão, daqueles que tem nas suas mãos maiores responsabilidades governamentais e decisórias.

Temos a nosso favor; como nunca antes aconteceu, as redes e outras novas autoestradas da comunicação, que nos podem e devem ajudar a conhecermo-nos melhor, para vencermos preconceitos, dialogarmos mais eficazmente, estabelecermos relações mais sólidas, e construirmos soluções mais justas e equitativas para toda a Família Humana.

Nos anos 60 o grande Papa João XXIII , na Carta Encíclica Pacem inTerris (11 de Abril de 1963) propunha quatro pilares para a construção de sociedades capazes de vencerem as guerras e gerarem  um autêntico desenvolvimento, a saber: Justiça, Verdade, Liberdade e Amor.

Este documento foi o primeiro da Doutrina Social da Igreja, a ter também como destinatários, "os homens e as mulheres de boa vontade". Esta inclusão ajudou a superar desconfianças e a fortalecer na Igreja a convicção de que todos, independentemente das nossas crenças, somos convidados a envolver-nos na construção do Mundo em que vivemos e na defesa do Homem, "real, concreto e histórico" (João Paulo II) porque, um Mundo melhor é possível e está nas nossas mãos.

in Ecos de Grândola, nº 343, 13 de Novembro de 2020


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

O que é a conversão?


Muitas vezes dou comigo a reflectir sobre o real significado da conversão?!

Se olho para o Novo Testamento, não tenho dúvidas de que ela implica uma autêntica e radical mudança de vida naqueles que se encontram com Jesus. Basta ler os relatos do chamamento dos primeiros Discípulos, de Mateus, de Zaqueu, da mulher adúltera, de Paulo, da vida dos primeiros cristãos e comunidades. É impossível ficarmos indiferentes perante a força e a verdade que emana destes textos!

A história da Igreja também está cheia de testemunhos admiráveis de vidas renovadas, porque iluminadas pelo encontro com o Ressuscitado: S. Francisco de Assis, Santo António de Lisboa (e Pádua), Sto. lnácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, Santa Teresa do Menino Jesus, Santo Afonso Maria de Ligório, etc. A lista é interminável e está sempre a ser actualizada,, tais as maravilhas que o Senhor contínua a operar naqueles que chama, para que sejam luz, sal e fermento no Mundo(cf. Mt 5, 13-16).

É claro que, em dois mil anos de­ história do Cristianismo, nem tudo é luz e santidade, obvia­mente; mas, como diz Jesus no Evangelho "uma árvore boa deve dar bons frutos" (çf. Mt 7, 17-20), e, pelo Baptismo fomos enxertados em Cristo para nos tornarmos "árvore" boa, e podermos dar bons frutos. Contudo, isso só acontecerá se, como diz S. João, permanecermos intima­mente "unidos a Ele" (cf. Jo 15, 4-7). E esta é uma questão essen­cial: Ser cristão, sem permanecer unido a Cristo, é como ser ramo separado da árvore, é viver à deriva, ao sabor dos ventos e das marés, confiado apenas na nossa intuição e força; e o resultado só poderá ser, como dizia o "bom Papa" e Santo João XXIII, nos anos 60, "o divórcio entre a fé e a vida dos cristãos", na sua opinião, o maior escândalo dos nossos tempos!

Volto novamente à razão de ser deste texto: a conversão. Creio que há um abuso na sua utili­zação. Deixo, pois, algumas das muitas interrogações que se me têm colocado:

* Como se pode falar de con­versão, insistindo na nossa condição de pecadores, mas não se dá um passo em frente, com a ajuda da graça divina, para se mudar efectivamente de vida? Será que cremos firmemente na redenção que Cristo operou na Sua morte por nós e na vida de ressuscitados que n'Ele já vivemos?

* Como pode haver conversão, quando não brilha o "esplendor da Verdade" (e só ela liberta) na nossa vida, e os fins justificam os meios, sendo visíveis, tantas vezes, os sinais de estratégia de conquista e domínio, em certas estruturas da Igreja, lobbies de poder que escandalizam os corações simples e afastam da verdadeira comunhão eclesial?

* Como pode acontecer conver­são, quando entre o que se diz e o que se faz não há coincidência, nem consequências, e tudo con­tinua na mesma, querendo dar impressão de ser essa a vontade de Deus, e nós mera ocasião para que Ele actue?

* Como se pode falar de con­versão, quando o serviço, a simplicidade, a pobreza, a partilha e a transparência são ilustres desconhecidas?

* Como se pode falar de conversão, quando, em certos ambientes clericais/eclesiais, como tantas vezes nos lembra o Papa Francisco, imperam a intriga, a maledicência, o orgulho, o ciúme e a inveja?

* Como se pode falar de con­versão, quando não há frutos visíveis de crescimento e renovação na comunidade cristã, e a estagnação e a manutenção se tomam norma, ano após ano, apesar de sucessivos Planos Pastorais?

Não esqueçamos que só há uma pessoa em nós, seres humanos onde o Espirito Santo é a alma da nossa alma, pelo que, a verdadeira conversão tem de vir de dentro para fora; como afirma S. Paulo, o indicativo torna-se imperativo, ou seja, a fé deve frutificar para ser autêntica, pois, como dirá S. Tiago, uma fé sem obras "é morta" (cf. Tgo 2, 26). Creio que cada um de nós cristãos, a começar por mim, deve­ríamos ser muito mais críticos e criteriosos no uso das palavras, para que elas não se tornem rotineiras e insignificantes, estéreis e vulgares, perdendo todo o seu sentido e força.

Falemos menos, dêmos mais atenção aos frutos que atestam a qualidade da árvore, não bus­quemos justificações, e, sobretudo, peçamos ao Espírito Santo que faça tremer os alicerces da Igreja, das nossas Comu­nidades, Semínários e Casas Religiosas, Serviços e Movi­ mentos, porque Ele é o autêntico e fundamental caminho e agente da verdadeira conversão e renovação na Igreja.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
08 de Julho de 2021

No rescaldo da Páscoa


Já o referi noutros textos, que devemos ser mais pascais, não porque seja moda, ou o Papa Francisco a isso nos exorte, mas simplesmente porque ser cristão, é ter a consciência clara de que a Igreja ou é pascal ou não é Igreja!

A Páscoa é sinal da absoluta novidade do Evangelho, que não se confunde com uma mera doutrina humana de bem-fazer, ou com uma "multinacional de filantropia", ou uma "ONG" ,diria o Papa Francisco. Não, a Igreja é muito mais do que isso, ela é autenticamente um milagre vivo, pois, apesar dos erros e dos pecados dos seus membros, ao longo destes dois milénios, o Senhor não desiste dela e não cessa de a exortar à conversão, renovando-a, enriquecendo-a de santos em cada época, de obras maravilhosas, de carismas inovadores, e de desafios emergentes dos novos campos de evangelização.

Creio que muitas vezes nós cristãos corremos o risco de fazer tábua rasa do Evangelho, quando nos esquecemos (deli­beradamente ou não o Senhor o saberá) do convite que o Ressuscitado nos faz, a que O sigamos, nos desprendamos daquilo que não é essencial, nos despojemos das pompas e dos privilégios do "glorioso" (dizem os saudosistas) passado, e acolhamos o desafio do presente. Viver agarrado ao passado é, aliás, pecar contra o Espírito Santo, que não desceu apenas sobre aquela comunidade reunida em oração no dia de Pentecostes. mas continua criativamente actuante, em cada época, na prossecução do projecto de salvação que o Pai tem para toda a Humanidade, e que Jesus veio inaugurar. O Mundo não pára e se nós pararmos no tempo, com saudades das "cebolas do Egipto", (cf. Nm 11, 4ss), ficaremos reduzidos à insignificância, qual seita que ninguém leva a sério.

Como afirmou o nosso Papa e Santo João Paulo II: "a via da Igreja (porque foi a via de Cristo) é o Homem real, concreto, histórico". (cf. RH 13) Este Homem vive num Mundo que é obra de Deus e onde Ele continua vivo e actuante. A lgreja não deve, por isso, ter medo de se envolver no Mundo, à maneira de Jesus, que não excluía ninguém, mas antes procurava, sobretudo, as "ovelhas perdidas" (cf. Mt 9,35-10,1.6-8), pois são essas que, por estarem doentes, mais precisam do Médico Divino. O nosso Mundo, como diz o Papa Francisco, necessita de uma Igreja que seja um autêntico "Hospital de Campanha", e de sacerdotes com "cheiro a ovelha", ou seja, pastores que tenham por modelo o único e verdadeiro Pastor, que veio para "servir" e "não para ser servido" e "dar a vida" (cf. Mt. 20,28). Não fiquemos insensíveis, sobretudo os jovens, às necessidades de tantas comunidades, dentro e fora da nossa Diocese, que necessitam de pastores como de pão para a boca. Não bastam belos discursos e esquemas pastorais cozinhados em "labo­ ratório", se faltarem jovens que queiram arriscar a vida por Cristo na Igreja, entregando-se sem calculismos nem projectos de promoção pessoal ou de grandeza. Vale a pena seguir o Senhor e entregar-Lhe a vida, pois, como Ele próprio disse: "quem perder a vida por mim...ganhá-la á" (cf Lc 9,22-25).

No rescaldo da Páscoa, vivida ainda sob as limitações da pandemia, peçamos ao Senhor que envie em abundância sobre a Igreja e sobre cada um de nós cristãos, na diversidade das vocações, o Espírito Santo em torrente, para que a nossa conversão não seja mero estribilho que cansa e não convence, mas seja, na verdade, uma realidade evidente, indiscutível, que contagie naturalmente quem procura a Deus e também por Ele é procurado.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
3 de Junho de 2021










Páscoa, coração da fé cristã



O tempo da Quaresma que estamos a atravessar. e que desagua na Páscoa, seu delta natural, desperta habitualmente em mim algumas perguntas, que não resisto em deixar no ar: O que é que distingue e acrescenta à nossa existência o facto de acreditarmos em Jesus? Que testemunho damos nós cristãos da nossa fé, diante daqueles com quem nos cruzamos em casa ou na vida? Se o Evangelho é Boa Notícia e Jesus é esta Boa Noticia personificada, porque nos falta coragem, audácia e desassombro, para vivermos alegremente a nossa condição de cristãos?

Às vezes, dá a impressão que ficámos estacados ao  da Cruz. ou à porta do Sepulcro, expectantes. Outras vezes, parece que nos limitamos a contemplar o Cristo crucificado, sem descobrir que Ele não ficou cravado na Cruz, mas está vivo, e a força Sua vitória sobre a  morte deveria transformar-nos como aconteceu com os Apóstolos, os discípulos, e todos aqueles que se encontraram com o Ressuscitado.

A ressurreição é, com efeito, o acontecimento fundante da cristã e, todavia, parece que ainda não lhe reconhecemos essa centralidade nas nossas vidas.  a impressão que nós cristãos, eu incluído, somos, não raro, pouco "pascais": falta-nos descobrir em profundidade o significado e as consequências da Ressurreição de Cristo; e, contudo, se Ele não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé, diz S. Paulo (cf. 1 Cor 15, 17).

A cristã é. dizia o Papa Bento XVI, essencialmente um "encontro", entre nós, seres humanos, e o Senhor ressuscitado; um encontro que deveria mudar-nos por dentro e produzir em nós frutos de vida nova, qual enxerto, como diz S. Paulo: de "oliveira mansa em oliveira brava" (cf. Rom 11, 17).

É verdade que não somos santos e infalíveis, mas pecadores, e todos feitos da mesma massa, mas, não é menos verdade que em Cristo fomos adaptados como filhos de Deus, recebemos uma vida nova, somos por Ele amados, ao ponto de ter dado por nós a Sua Vida. Como o amor quer ser amado, disponhamo-nos a segui-lO, pedindo-Lhe que nos converta, de verdade, e não apenas teoricamente, para podermos dar, com a Sua Graça e como Ele espera, frutos de santidade neste Mundo, que necessita de Deus, apesar de nem sempre o assumir, procurando encontrar sucedâneos, cujas respostas acabam por ser insatisfatórias. Com efeito, sem Deus o ser humano continuará a ser um mistério sem resposta às questões essenciais da sua vida, as quais radicam no fundo do seu coração. o Ressuscitado, porque se fez um de nós, nos pode verdadeiramente entender, e colmatar o vazio que em nós existe.

A Páscoa que se avizinha exorta-nos, pois, a estarmos mais atentos aos sinais de tantos homens e mulheres que buscam au­tenticamente Deus e um sentido para as suas vidas. A nossa missão, enquanto cristãos, apesar das limitações impostas pela pandemia, é, pois, imitarmos a primeira comunidade apostólica, que nos legou em herança o tesouro da fé, e, como ela, darmos testemunho da nossa condição de filhos da Luz (cf. Ef 5,8). porque, em Cristo ressuscitado, temos a certeza que a Luz é mais forte do que as trevas.


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário

01 de Abril de 2021



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Quaresma: caminho a trilhar


Iniciámos há dias a Quaresma tendo como horizonte e objetivo a Páscoa. Para lá chegar, e para esta não seja apenas mais uma Páscoa, é necessário viver com criatividade e intensidade estes dias, valorizando os meios, nomeadamente aquele tripé, que a Igreja na sua milenar sabedoria nós propõe. Não vou repeti-los, pois são por demais conhecidos. Procuremos utilizá-los criteriosamente, para que dêem fruto na nossa vida pessoal, familiar, paroquial, ou diocesana.

A Quaresma deste ano, contudo, reveste-se de características próprias, pelo facto da actual pandemia que nos assola, se ter intrometido nas nossas vidas, alterando e condicionando quase tudo. Todos sentimos na pele as limitações que nos foram impostas, e que, para bem de todos, devemos acolher e procurar cumprir, inclusive a suspensão de direitos, alguns dos quais exigiram tempo e esforços na sua conquista, mas são hoje um dado adquirido. Sabemos, porém, de antemão que esta é uma situação transitória.

Talvez este facto, porém, nos ajude a tomar consciência de quanto sofrimento existe no nosso Mundo, quando povos inteiros estão privados dos seus direitos mais inalienáveis, um dos quais a Liberdade. Basta estarmos atentos à comunicação social e às redes sociais, para percebermos que a libertação de que a Páscoa é um sinal maravilhoso, ainda tem um longo Êxodo pela frente, em vastas regiões do planeta Azul, pois, uma parte significativa da Humanidade não vive em democracia, não podendo votar (nós podemos e, quantas vezes, abdicamos deste direito/dever), nem manifestar-se livremente, sob pena de arriscar a segurança, ou a própria vida.

Aquele grito do Papa e Santo João Paulo TI ao ser eleito: "abri, escancarai as portas,... o coração a Cristo", ainda precisa de abater muitos muros, até se tomar realidade, em praticamente todos os Continentes, onde, de uma forma ou de outra, as ditaduras e a ditadura do Ter, do Poder e do Parecer, continuam a imperar, a esmagar, e a escurecer o quotidiano de tantos homens mulheres, irmãos nossos.

Não fiquemos indiferentes perante este cortejo interminável de sofrimentos, antes pelo contrário, acolhamos o desafio de romper as cadeias do egoísmo, do espiritualismo desencarnado, da tentação sectária, de­ nos fecharmos no nosso pequeno mundo, esquecendo que, para a Igreja, como nos disse o nº 1 da Constituição GaudimetSpes, do Concílio Vaticano II: "não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração".

Procuremos, por isso, nesta Quaresma ter presente na nossa oração esta multidão inumerável de pessoas, para quem Cristo também veio, para os libertar das cadeias do pecado, do mal e da morte. Unamos à oração a acção, numa cadeia universal, sem discriminações, para que possa acontecer Páscoa, e a liberdade, não apenas interior, mas também física, política, de expressão possa fazer parte do nosso património comum, quer vivamos no Norte ou no Sul, no primeiro, segundo, terceiro ou quarto Mundos.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
25 de Fevereiro de 2021

Viver o Evangelho com desassombro



Entre os dias 18 e 21 de Janeiro, o Clero das Dioceses de Évora, Beja e Algarve, viveu uma experiência ex­traordinariamente enriquecedora e desafiante: a Atualização Interdiocesana. Este ano, devido à pandemia e através da plataforma Zoom.

Apesar de lhe faltar a dimensão do encontro humano e do convívio, das celebrações e de toda a envolvência das últimas Actualizações, que têm tido como palco o Hotel Alísios, em Albufeira, foi esta a forma possível de não perdermos uma ocasião formativa única, considerada exemplar a nível nacional.

Ao escutar as reflexões profundas dos oradores, as experiências que nos comunicaram, e os desafios que nos lançaram, forçoso é concluir que temos necessidade premente de formação, para melhor podermos servir aqueles a quem somos enviados, e para que não se extinga em nós aquela salutar insatisfação, que nos faz querer ir sempre mais longe. Tinha razão o Filósofo Sócrates ao afirmar: "eu só sei que nada sei". É preciso, pois, estar aberto à novidade, e, sobretudo, ao Espírito Santo que nos vai surpreendendo, abrindo sulcos, rasgando clareiras. e conduzindo-nos por novos caminhos, quando tudo parecia obscuro, inseguro e duvidoso.

A partir de algumas intervenções foi possível traçar uma espécie de retrato do Homem hodierno, o qual aparece como alguém que recusa e se afasta de uma Igreja rotineira, carreirista, autoritária, moralista, ausente e distante da vida real. Contudo, noutros inquéritos e estudos de opinião, este mesmo Homem também se revela desiludido e cansado com os deuses que lhe propuseram, qual el Dorado de falsas e ilusórias seguranças, que se têm vindo a revelar enganadoras. O resultado, só poderia ser desilusão e mais vazio. Permanece, porém, nele o desejo profundo de autenticidade, de verdade e de sentido. Com efeito, ele continua a ser "um animal religioso", um buscador que procura Deus, mesmo que O não encontre nas formas tradicionais de organização religiosa.

É verdade que este Homem não se satisfaz com "mais do mesmo" e, não o esqueçamos, há hoje muitas outras propostas para além do Cristianismo. O Homem hodierno com as suas inquietações, constitui um autêntico desafio à Igreja e pode mesmo ser interpretado como um verdadeiro Sinal dos Tempos, e quiçá, um desafio à conversão, e à renovação, acolhendo as moções do Espírito Santo, verdadeiro motor da vida e acção da Igreja.

A renovação supõe voltar sempre às origens, e redescobrir a força transformadora do Evangelho, como no-lo confirma a vida das primeiras comunidades cristãs e o testemunho de multidões de homens, mulheres, jovens e crianças, ao longo dos séculos.

A Igreja acredita e o Concílio Vaticano II afirmou-o, há 50 anos: só Cristo pode encher de pleno sentido a vida do Homem, e responder às perguntas mais profundas do seu coração. Por isso, é preciso anunciá-l'O, com desassombro, em palavras e obras. Numa palavra, como disse o nosso querido Papa e Santo João Paulo II, no Jubileu do ano 2000, é preciso abandonar uma certa "mediocridade de vida", e "aspirar à santidade".

O Papa tinha como destinatários principais das suas palavras os jovens, mas elas podem bem ser propostas a toda a Igreja e a todos na Igreja. Acolhamo-las, para que elas dêem fruto na nossa vida e no Mundo em que vivemos.

Pe. Manuel António do Rosário
28 de Janeiro de 2021