quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Quaresma: caminho a trilhar


Iniciámos há dias a Quaresma tendo como horizonte e objetivo a Páscoa. Para lá chegar, e para esta não seja apenas mais uma Páscoa, é necessário viver com criatividade e intensidade estes dias, valorizando os meios, nomeadamente aquele tripé, que a Igreja na sua milenar sabedoria nós propõe. Não vou repeti-los, pois são por demais conhecidos. Procuremos utilizá-los criteriosamente, para que dêem fruto na nossa vida pessoal, familiar, paroquial, ou diocesana.

A Quaresma deste ano, contudo, reveste-se de características próprias, pelo facto da actual pandemia que nos assola, se ter intrometido nas nossas vidas, alterando e condicionando quase tudo. Todos sentimos na pele as limitações que nos foram impostas, e que, para bem de todos, devemos acolher e procurar cumprir, inclusive a suspensão de direitos, alguns dos quais exigiram tempo e esforços na sua conquista, mas são hoje um dado adquirido. Sabemos, porém, de antemão que esta é uma situação transitória.

Talvez este facto, porém, nos ajude a tomar consciência de quanto sofrimento existe no nosso Mundo, quando povos inteiros estão privados dos seus direitos mais inalienáveis, um dos quais a Liberdade. Basta estarmos atentos à comunicação social e às redes sociais, para percebermos que a libertação de que a Páscoa é um sinal maravilhoso, ainda tem um longo Êxodo pela frente, em vastas regiões do planeta Azul, pois, uma parte significativa da Humanidade não vive em democracia, não podendo votar (nós podemos e, quantas vezes, abdicamos deste direito/dever), nem manifestar-se livremente, sob pena de arriscar a segurança, ou a própria vida.

Aquele grito do Papa e Santo João Paulo TI ao ser eleito: "abri, escancarai as portas,... o coração a Cristo", ainda precisa de abater muitos muros, até se tomar realidade, em praticamente todos os Continentes, onde, de uma forma ou de outra, as ditaduras e a ditadura do Ter, do Poder e do Parecer, continuam a imperar, a esmagar, e a escurecer o quotidiano de tantos homens mulheres, irmãos nossos.

Não fiquemos indiferentes perante este cortejo interminável de sofrimentos, antes pelo contrário, acolhamos o desafio de romper as cadeias do egoísmo, do espiritualismo desencarnado, da tentação sectária, de­ nos fecharmos no nosso pequeno mundo, esquecendo que, para a Igreja, como nos disse o nº 1 da Constituição GaudimetSpes, do Concílio Vaticano II: "não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração".

Procuremos, por isso, nesta Quaresma ter presente na nossa oração esta multidão inumerável de pessoas, para quem Cristo também veio, para os libertar das cadeias do pecado, do mal e da morte. Unamos à oração a acção, numa cadeia universal, sem discriminações, para que possa acontecer Páscoa, e a liberdade, não apenas interior, mas também física, política, de expressão possa fazer parte do nosso património comum, quer vivamos no Norte ou no Sul, no primeiro, segundo, terceiro ou quarto Mundos.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
25 de Fevereiro de 2021