quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As insatisfações do homem de hoje


Todos os dias me chegam via Internet muitos artigos sobre as mais diversas temáticas, que vou lendo, uns com mais outros com menos interesse, e outros ainda com verdadeiro entusiasmo, e é, sobretudo, destes, que procuro seleccionar alguns textos para os Blogues da Paróquia de Grândola. O multiplicar destas leituras quotidianamente fez despertar em mim o desejo de escrever sobre algumas daquelas inquietações do ser humano, que permanecem vivas e actuais, apesar da marcha inexorável do tempo.

Não vou prender-me às questões, certamente importantes, e agora ainda mais, face ao tempo em que vivemos, no qual a crise e as suas múltiplas manifestações ampliaram as dificuldades de tantas pessoas, famílias, empresas. Irei centrar-me, antes, naquelas inquietações de carácter mais humano e existencial.

O nosso tempo, com efeito, parece prestar-se a contra-sensos, pois, por um lado, tem-se a impressão de que o homem se deixou absorver e quase dominar pela técnica, ao ponto do próprio conceito de ciência ficar restringido e ameaçado com este domínio quase despótico da técnica, que considera as demais áreas do saber como menores. Por outro lado, e como que em contraposição, persistem aquelas questões de carácter mais espiritual e transcendente, onde se incluem a busca da felicidade, os valores, a amizade e o amor, o sentido da vida, o sofrimento, o desespero, a dor, a morte. Estas problemáticas acompanham o ser humano desde sempre e se, aparentemente, elas não entram numa determinada fase da vida, com muita probabilidade, aparecerão noutra fase, às vezes até quando menos se espera. A procura do religioso, tantas vezes sob formas mais sincretistas e heterodoxas, revela que, como diria Jesus: "nem só de pão vive o homem".

Na verdade, e ao contrário do que se afirma com alguma pompa e frequência, a religião e a fé não estão em crise, o que está em crise é uma certa forma de as entender e viver. Ambas continuam a ter o seu espaço próprio e a responder às inquietações profundas do coração humano, o que não podemos é pensar que somos os únicos no palco da vida a apresentar respostas, antes pelo contrário, há muitas propostas e nada está decidido antecipadamente. É preciso, por isso, provar a qualidade e autenticidade das respostas.

Como cristão e como católico creio que em muitos aspectos a Igreja, que continua a ter respostas autênticas para o homem de hoje, às vezes deu e dá a impressão de que adormeceu, caiu na tentação do funcionalismo, do ritualismo, parecendo ter deixado de acreditar na força transformadora, direi mesmo revolucionária, do Evangelho. Os próprios sacerdotes nem sempre parecem saber transmitir aquela imagem credível e interpeladora de Cristo Bom Pastor.

Neste campo o exemplo e a palavra do Papa Francisco não podem deixar de nos interpelar ao chamar-nos à atenção para a nossa forma de vida, enquanto sacerdotes, para os critérios que nos orientam, para a ostentação em que tantos vivem, para a falta de vigor e de entusiasmo no anúncio do Evangelho. O Papa lembra-nos frequentemente que o pastor é retirado da comunidade e de novo a ela enviado, para a servir, à imagem de Cristo, que veio para servir e dar a vida, e quem não estiver animado deste mesmo espírito, pense bem antes de dar o passo. Faz mais mal à Igreja um mau sacerdote, do que a ausência de sacerdotes.

Este tempo pede-nos a nós sacerdotes e a todos os cristãos que sejamos homens novos, discípulos dignos de Cristo. Superemos assim aquele que, nas palavras do Papa e Beato João XXlll, era o maior escândalo dos nossos dias (e de todos os tempos): o divórcio entre a fé e a vida (dos cristãos).

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 260, 13 de Dezembro de 2013


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O mistério do homem


ser humano é, de facto, uma maravilha e não deixa de nos surpreender. Quando parece que tudo está dito, eis que surge a novidade e o homem confirma ser fonte inesgotável, tesouro insaciável, autêntico mistério.

Há, porém, questões que são de sempre, e, por fazerem parte do ADN humano, cedo ou tarde, colocar-se-ão a todos, apesar de alguns iluminados ao longo da história desta velha humanidade terem profetizado o fim da religião e a morte de Deus. Entre estas questões, a que a fé e a religião procuram responder, podem incluir-se: a felicidade, o livre arbítrio, os valores, a amizade e o amor, o sentido da vida, o sofri- mento, o desespero, a dor, a morte, Deus.

A fé e a religião, nas sociedades hodiernas, apesar das mutações em curso, não estão em crise, o que está em crise é o paradigma. De facto, o abandono das formas mais “oficiais” da religião é “compensado” pelo proliferar de um sem número de movimentos espirituais e religiosos, vulgarmente de carácter sincretista e mais espontâneo, sinal de que nada nem ninguém pode retirar ou apagar do coração humano estas inquietações. A este propósito, Santo Agostinho, aquele irrequieto pensador de Hipona, disse um dia, depois de se ter tornado cristão: “Senhor, criaste-nos para vós e o nosso coração não repousa, enquanto não descansar em vós”. Creio ser bem verdade o que ele afirma.

É certo que nem todos reagem, nem são despertos da mesma forma, e às vezes, a culpa é nossa, dos cristãos, dos pastores, dos consagrados, pela imagem que transmitimos de funcionários do religioso, sem alma nem convicção, com horários estritos e regras apertadas, esquemas pré-definidos e incapacidade de acolher, de ir ao encontro do outro, de pro- por a novidade, a força renovadora do Evangelho que Cristo viveu e anunciou.

Olhemos para o Papa Francisco e deixemos que o seu exemplo e as suas interpelações nos alcancem e conquistem, e que, com ele, nos deixemos envolver na alegria do Evangelho, Boa Nova para todo o homem sem excepção.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, nº 1650, 06 de Dezembro de 2013