segunda-feira, 12 de outubro de 2020

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Proteger os mais fracos



 humanidade vive tempos paradoxais. Com efeito, nunca como hoje soubemos tanto sobre o Homem: a sua saúde, doenças e tratamentos; os perigos que o assolam; a prevenção do futuro e a inversão das previsões… Contudo, em contraponto, as ameaças à sua existência são também impressionantes: aborto e infanticídio; eutanásia e pena de morte; fome e pobreza endémica; discriminação, escravatura e genocídios; poluição, desflorestação em massa e mudanças climatéricas; proliferação do comércio de armas e guerras infindáveis; tráfico de seres humanos e de estupefacientes… A lista de atentados é descomunal.

De todos estes sinais preocupantes, emerge para mim uma prioridade, que dá título a este artigo: a proteção dos mais fracos.

Com efeito, uma sociedade verdadeiramente humana, solidária e democrática deve primar pela defesa da igualdade entre todos os seres humanos, da sua dignidade e direitos, promovendo, por isso, uma cultura que combata desigualdades, proteja os mais fracos, aqueles que por si sós não têm capacidade de se defenderem, para que prevaleçam, os princípios que estão na base do autêntico estado de direito e não “a lei do mais forte”. Parafraseando o Papa Paulo VI, é imperioso defender “o Homem todo e todo o Homem”, para que não aumente o fosso entre ricos e pobres; primeiro, terceiro e quarto mundos; novos e idosos; trabalhadores ativos e aposentados. O Homem não vale pelo que tem, mas, sobretudo, pelo que é, independentemente da raça, sexo, cultura, cor da pele ou religião.

Creio que este foi um dos principais valores que Cristo e o cristianismo legaram à humanidade: a afirmação da igualdade essencial entre todos os seres humanos e, entre estes, Cristo manifestou sempre uma predileção pelos mais pobres, frágeis e marginalizados. Desejo e espero que a Igreja, fiel a Cristo, continue nesta senda, e que a sua missão seja sempre pautada pelo serviço à humanidade, difundindo a misericórdia e globalizando a solidariedade, sem proselitismo.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 09 de Outubro de 2020


quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A propósito da queda do Muro de Berlim


A queda do Muro de Berlim há 31 anos, além do significado real que teve enquanto mudança efectiva do xadrez político, social, económico e religioso na Europa, teve repercussões em todo o Mundo.

Recordo-me que, perante as transformações que se sucederam em catadupa e ritmo alucinante, me ter vindo à memória uma frase verdadeiramente clarividente e profética de Santo Agostinho, quando >o Império Romano se desmoronava e os Bárbaros escalavam muros da Cidade de Hipona: "Não é o Mundo que acaba, é um velho Mundo que acaba e um novo Mundo que começa."

O Mundo, de facto, mudou, mas continuam a existir outros muros, alguns físicos e outros simbólicos, mas nem por isso menos reais e desafiantes. Dos muros físicos, recordo entre outros, os muros entre: Estados Unidos e México; as duas Coreias; Israel e os Territórios da Autoridade Palestiniana; os elevados por alguns países da Europa para controlarem e impedirem a entrada de refugiados, etc.

Há, contudo outros muros, de que nem sempre se fala e que continuam a dividir a Humanidade e a ser fonte de sofrimentos atrozes:

1. As desigualdades, que afastam e fazem crescer o fosso entre habitantes do primeiro, terceiro e quarto Mundos;

2.O pragmatismo utilitarista, que tende a considerar as pessoas pelo que têm e produzem, impondo uma cultura e mentalidade do "descarte", como lhe chama o Papa Francisco, e qu afecta, em especial, os que não se podem defender, nem têm capacidade de se manifestar

3.Os lóbis, que, pela força do dinheiro e dos jogos de influências, vão impondo paulatinamente uma revolução cultural, assessorada por uma mentalidade prepotente, que não respeita a diversidade e menospreza quem pensa de forma diferente;

4.O "vale tudo", no qual, os"fins justificam os meios" e o "Ego" é senhor absoluto, uma vez que a objectividade (para eles) não conta, nem interessa, porque a verdade e os valores autênticos são um obstáculo real ao "pensamento líquido" actual, como tantas vezes nos recorda o Papa Francisco;

5.O culto da imagem e das aparências, que, aproveitando a poderosa máquina do Marketing, promove uma dicotomia, consciente, entre a verdade da pessoa e aquilo que dela é transmitido e que passa a ser a verdade inquestionável;

6.O hedonismo, que nos retira a capacidade de enfrentar e de crescer com elas, e gera uma busca desenfreada do prazer, como se mais nada importasse, arrastando consigo a "coisificação do outro";

7.O individualismo, que endurece o nosso coração "ao outro e aos outros", e nos torna insensíveis e desconfiados, insolidários e interesseiros, contrariando aquele pensamento clássico, segundo o qual, "o ser humano não é uma ilha";

8. O "reinado" das ditaduras, que continuam a governar mais de 50% da Humanidade, e que privam de liberdade e do exercício de alguns direitos fundamentais os cidadãos e, entre estes direitos, inclui-se o direito à liberdade religiosa, cujas limitações afectam milhões de humanos;

9. A impunidade dos "senhores da guerra", para quem a vida não vale nada, pelo que, o controlo de matérias-primas e de zonas estratégicas justifica tudo: fome, genocídios, destruição de estruturas vitais, violências e violações, etc;

10.O fenómeno da insensibilidade e indiferença, que parecem crescer, apesar de hoje, pela panóplia de meios de comunicação e de redes sociais, estarmos mais capacitados para nos conhecermos melhor e apetrechados para sermos mais solidários.

O universo dos muros não termina aqui. Convido, pois, os nossos leitores a fazerem o mesmo exercício que eu fiz e, decerto, ficarão surpreendidos. A queda do Muro de Berlim e as transformações ocorridas, enriqueceram o nosso léxico com dois termos russos: Perestroika (Restruturação) e Glasnost (Transparência). Creio que, face à existência de tantos muros que teimosamente persistem em resistir à mudança, estes termos continuam bem actuais e necessários.

Que a Igreja não fique insensível à mudança e à renovação, mas que estas aconteçam por disponibilidade e fidelidade à acção do Espírito Santo, e não por arrastamento dos acontecimentos, como tantas vezes tem acontecido.

Que a Igreja presente nestas Terras Transtaganas também não se esqueça que "só a verdade liberta", pelo que, ser comunidade que na verdade e na caridade vive e testemunha o Evangelho, é a via que devemos trilhar.


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário