quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A propósito da queda do Muro de Berlim


A queda do Muro de Berlim há 31 anos, além do significado real que teve enquanto mudança efectiva do xadrez político, social, económico e religioso na Europa, teve repercussões em todo o Mundo.

Recordo-me que, perante as transformações que se sucederam em catadupa e ritmo alucinante, me ter vindo à memória uma frase verdadeiramente clarividente e profética de Santo Agostinho, quando >o Império Romano se desmoronava e os Bárbaros escalavam muros da Cidade de Hipona: "Não é o Mundo que acaba, é um velho Mundo que acaba e um novo Mundo que começa."

O Mundo, de facto, mudou, mas continuam a existir outros muros, alguns físicos e outros simbólicos, mas nem por isso menos reais e desafiantes. Dos muros físicos, recordo entre outros, os muros entre: Estados Unidos e México; as duas Coreias; Israel e os Territórios da Autoridade Palestiniana; os elevados por alguns países da Europa para controlarem e impedirem a entrada de refugiados, etc.

Há, contudo outros muros, de que nem sempre se fala e que continuam a dividir a Humanidade e a ser fonte de sofrimentos atrozes:

1. As desigualdades, que afastam e fazem crescer o fosso entre habitantes do primeiro, terceiro e quarto Mundos;

2.O pragmatismo utilitarista, que tende a considerar as pessoas pelo que têm e produzem, impondo uma cultura e mentalidade do "descarte", como lhe chama o Papa Francisco, e qu afecta, em especial, os que não se podem defender, nem têm capacidade de se manifestar

3.Os lóbis, que, pela força do dinheiro e dos jogos de influências, vão impondo paulatinamente uma revolução cultural, assessorada por uma mentalidade prepotente, que não respeita a diversidade e menospreza quem pensa de forma diferente;

4.O "vale tudo", no qual, os"fins justificam os meios" e o "Ego" é senhor absoluto, uma vez que a objectividade (para eles) não conta, nem interessa, porque a verdade e os valores autênticos são um obstáculo real ao "pensamento líquido" actual, como tantas vezes nos recorda o Papa Francisco;

5.O culto da imagem e das aparências, que, aproveitando a poderosa máquina do Marketing, promove uma dicotomia, consciente, entre a verdade da pessoa e aquilo que dela é transmitido e que passa a ser a verdade inquestionável;

6.O hedonismo, que nos retira a capacidade de enfrentar e de crescer com elas, e gera uma busca desenfreada do prazer, como se mais nada importasse, arrastando consigo a "coisificação do outro";

7.O individualismo, que endurece o nosso coração "ao outro e aos outros", e nos torna insensíveis e desconfiados, insolidários e interesseiros, contrariando aquele pensamento clássico, segundo o qual, "o ser humano não é uma ilha";

8. O "reinado" das ditaduras, que continuam a governar mais de 50% da Humanidade, e que privam de liberdade e do exercício de alguns direitos fundamentais os cidadãos e, entre estes direitos, inclui-se o direito à liberdade religiosa, cujas limitações afectam milhões de humanos;

9. A impunidade dos "senhores da guerra", para quem a vida não vale nada, pelo que, o controlo de matérias-primas e de zonas estratégicas justifica tudo: fome, genocídios, destruição de estruturas vitais, violências e violações, etc;

10.O fenómeno da insensibilidade e indiferença, que parecem crescer, apesar de hoje, pela panóplia de meios de comunicação e de redes sociais, estarmos mais capacitados para nos conhecermos melhor e apetrechados para sermos mais solidários.

O universo dos muros não termina aqui. Convido, pois, os nossos leitores a fazerem o mesmo exercício que eu fiz e, decerto, ficarão surpreendidos. A queda do Muro de Berlim e as transformações ocorridas, enriqueceram o nosso léxico com dois termos russos: Perestroika (Restruturação) e Glasnost (Transparência). Creio que, face à existência de tantos muros que teimosamente persistem em resistir à mudança, estes termos continuam bem actuais e necessários.

Que a Igreja não fique insensível à mudança e à renovação, mas que estas aconteçam por disponibilidade e fidelidade à acção do Espírito Santo, e não por arrastamento dos acontecimentos, como tantas vezes tem acontecido.

Que a Igreja presente nestas Terras Transtaganas também não se esqueça que "só a verdade liberta", pelo que, ser comunidade que na verdade e na caridade vive e testemunha o Evangelho, é a via que devemos trilhar.


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário