sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Ser ou Parecer?



Durante a Quaresma, quando escutamos o Evangelho das Tentações de Jesus, há três palavras fortes, precisas e claras, que as resumem e de que, com frequência, me recordo: Ter, Poder e Parecer.

Hoje, gostaria de me centrar na tentação do Parecer; a que também podemos chamar: Aparência. Creio que esta tentação, como todas as tentações, bate à nossa porta, com muitos nomes e heterónimos, e sob muitas formas. A resposta que lhe damos, pode fazer toda a diferença: Podemos enfrentá-la e vencê-la, e viver numa perfeita comunhão entre o que somos e a imagem que transmitimos; podemos ceder; e às vezes, “fazer-lhe a vontade” e viver com alguma intermitência; ou, por fim, podemos baixar a guarda, render-nos e fazer desta cedência um "modus vivendi”.

Mesmo nesta última atitude, é evidente que ninguém gosta de aparecer aos olhos da opinião pública, vestido na pele de mentiroso, desonesto, injusto, ou qualquer outra qualificação pejorativa. Basta estarmos atentos ao que se passa entre nós (não vale a pena dar exemplos), para percebermos que, mesmo com provas evidentes e factos comprovados, há quem persista em defender "com unhas e dentes” a sua honestidade inquestionável, esgrimindo em modo de contra-ataque, a ameaça com um processo por difamação, a apelação a uma instância superior, ou outro argumento.

Sei que este tema é complexo e soluções simplistas nada resolvem; porém, permitam-me os nossos leitores uma simples sugestão. Há muitos anos, recordo-me de ter visto um filme, que relatava a história de um condenado à morte, nos Estados Unidos, que sempre negara a sua culpabilidade num crime de homicídio, até encontrar uma frase do Apóstolo e Evangelista S. João, que tudo mudou: "só a verdade liberta.

Não é fácil assumir os erros e as suas consequências, mas, se não queremos passar a vida a fingir que somos o que não somos, ou vice­versa, esta pode bem ser uma solução benéfica e salutar, com consequências múltiplas em todas as dimensões da nossa vida, incluindo a nossa relação com os outros. Além do mais, é impossível viver perenemente em dicotomia e representar dois papéis no teatro da vida, e, por outro lado, é tão fácil resvalar para onde não se quer e ser-se "apanhado" em flagrante!

Talvez muitos de nós conheçamos histórias de pessoas que mentem e acreditam nas suas mentiras, que passam facilmente a verdades assumidas e indiscutíveis. Abundam também as histórias de gente que passou a vida a mentir e quando quiseram dizer a verdade, ninguém acreditou neles.

Enfim, para além dos casos mais complicados, que necessitam de acompanhamento especializado, creio que a "receita" que S. João nos propõe, pode ser-nos de grande utilidade e ajudar-nos a ter noites mais tranquilas, uma vida mais autêntica, e a sermos também mais humildes, porque, afinal, errar é próprio dos humanos, mas permanecer no erro e não querer mudar diante da verdade, é pouco humano e não contribui para dignificar quem assim se comporta.

A esperança, contudo, é uma virtude que nos pode conduzir e iluminar e ela diz-nos que é sempre tempo de mudar e de recompor, pelo menos, o que for possível. Vale a pena!

in Ecos de Grândola, nº 341, 11 de Setembro de 2020