quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Tempo de Quaresma


o percorrer o Antigo Testamento, se, por um lado, me confronto com a dificuldade de aceitar alguns textos, por outro, fico maravilhado com a profunda humanidade que brota de tantas páginas deste "livro de livros".

Na verdade, quanto mais estudo, mais se consolida em mim esta convicção: o Antigo Testamento exige a prática da justiça, como sinal da autêntica fé em Deus, com tudo o que isso implica nas relações entre seres humanos; e, sem justiça, também é vão o culto que se presta a Javé. A palavra dos profetas é especialmente dura, mesmo acutilante, quando isto não acontece, quer se trate de um membro simples do povo, de alguém das classes mais altas, ou do próprio rei. A justiça é o critério para aferir e atestar a autenticidade da fé, sem exceções.

Os prediletos de Deus são os mais fracos, merecendo especial atenção três categorias de pessoas: viúvas, órfãos e estrangeiros. Deus está sempre do seu lado, bem como dos pobres, e dos oprimidos!

Esta linha, profundamente humanista do Antigo Testamento, encontra continuidade no Novo Testamento, em especial, na vida, na ação e nas palavras de Jesus. A sua prioridade são as pessoas, e, por isso Ele encarnou; e entre estas, merecem particular atenção: os simples, os doentes, os marginalizados, os que exerciam profissões mal vistas pelo 'status quo'. É verdade que Jesus não exclui ninguém, mas os seus eleitos são prioritariamente estes, pois veio como "médico", não "para os sãos mas para os doentes".

O que acabo de afirmar coaduna-­se com o tempo que nós cristãos estamos a celebrar, e se chama Quaresma, ou seja, quarenta dias que preparam a Páscoa, o coração do ano litúrgico cristão, e pode resumir-se em três palavras: oração, jejum e caridade/amor. A mais importante é, porém, a caridade, e uma das suas expressões mais elevadas, a partilha com o próximo. Contudo, a mensagem de Jesus é clara, como no Antigo Testamento: onde não há Justiça, não existe autêntica caridade; e quem não ama o próximo, decerto, não ama a Deus.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 26 de Fevereiro de 2021