sexta-feira, 24 de julho de 2015

Francisco versus Francisco


medida que o tempo vai passando, mais evidentes se tornam as razões da escolha do nome Francisco, pelo cardeal jesuíta Jorge Mario Bergoglio. Com efeito, a mística em torno do ideal de radicalidade evangélica do poverello de Assis, tem cativado gerações e multidões, e desafia a Igreja a não ter medo da renovação e da abertura a este mundo real, concreto, histórico, para lhe levar a boa notícia que a muitos ainda não chegou e que nem sempre é visível na vida da comunidade cristã.

O papa Francisco é o homem providencial para guiar a Igreja, mas é também um líder respeitado, incontestado, amado, mas também temido, pela força da sua palavra, dos documentos que nos lega, e, sobretudo, dos gestos carregados de uma humildade autêntica que desconcerta, em especial, aqueles que se habituaram a associar a Igreja e a sua hierarquia à frivolidade e à ostentação, ao funcionalismo carreirista, ao centralismo avesso às “periferias” e à participação.

Saliento mais algumas notas do seu ministério: preocupação pelo ser humano, em particular, por quem não se pode defender e tende a ser “descartado”; aposta num desenvolvimento que coloque o Homem no centro, respeite a natureza e garanta o futuro das gerações vindouras; estabelecimento de pontes, através de um diálogo sem condições, com crentes e não-crentes; empenho em levar a solicitude da Igreja a todos; luta pela transparência, dentro e fora da Igreja; firmeza no combate contra o erro, e caridade para com os arrependidos; denúncia dos poderes instituí- dos que não respeitam o ser humano, a sua dignidade e direitos.

Como ele próprio já afirmou, o seu ministério talvez não seja longo, pois o seu ritmo de vida é avassalador, a energia que coloca em todos os projetos impressionante, mas os sinais de que este é o caminho, são claros. Poderemos nós cristãos ficar indiferentes?

Creio não exagerar se afirmar que S. Francisco de Assis estará satisfeito com o seu homónimo Francisco, papa.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, nº 1735, 24 de Julho de 2015


sexta-feira, 10 de julho de 2015

À descoberta dos Santos Populares


Este é um período fértil em Festas de diversa índole, mas hoje gostaria de me centrar, ainda que brevemente, nos três Santos Populares que celebramos durante o mês de Junho Santo António, São João e São Pedro.

No nosso país eles são objeto de uma generalizada devoção, e nestes dias multiplicam-se os festejos de Norte a Sul, passando pelas Ilhas até à diáspora lusitana, espalhada pelos quatro cantos da Terra. Não será, contudo, muito difícil perceber que estas festividades foram construindo percursos celebrativos alternativos, frequentemente,à margem do culto oficial casos mesmo em contradição com as suas vidas e missões. Poder-nos-íamos, então, perguntar qual ou quais as razões deste facto? A resposta não é fácil e eu próprio desconheço como nasceram consolidando estas tradições, o se cruza com outras manifestações religiosas humanas, numa amálgama que constitui, por um lado, uma riqueza inestimável, por outro, um desafio à ação da Igreja. Por outro lado, estas manifestações são uma revelação, muitas vezes heterodoxa, a religiosidade inata no ser humano que clama do mais profundo do nosso eu.

Não é por acaso que o Livro do Génesis, primeiro livro da Bíblia, diz que nós seres humanos fomos "criados à imagem de Deus" e em Cristo nos tornámos família de Deus, ao ponto de lhe podermos chamar Pai!

A importância deste culto extravasou os confins institucionais da Igreja e pode bem ajudar-nos a refletir como devemos estar atentos aos Sinais de Deus, que tantas vezes nos surpreende e desafia a que estejamos abertos, recetivos, e sejamos capazes de acolher a novidade que é intrínseca à essência do nosso Deus. E é sobretudo sobre isto que eu pretendo escrever.

A Igreja não pode, por isso, não tentar compreender estes fenómenos tão arreigados no coração do nosso povo e, muito deve desvalorizá-los apelidando-os de "pagãos", como algumas mentes pretensamente iluminadas insistem em fazer. Para mim esta é uma oportunidade para darmos a conhecer autenticamente a vida e ação destes homens extraordinários que, nestes três casos, vivendo em períodos distintos, nomeadamente Santo António em relação aos outros dois, estiveram unidos na mesma fé e amor a Cristo, que deu sentido às suas vidas e os tornou, como diria S. Paulo, "modelos do Modelo".

Já tive experiências que considero bastante interessantes aquando das pregações que fiz em algumas localidades, em dia de Festa em honra do/a Padroeiro/a, ao perceber que existia um desconhecimento quase absoluto da riqueza das suas vidas e, como este fato, ao constituir para mim uma oportunidade de anúncio, me permitiu perceber o acolhimento, a alegria, e até o entusiasmo que a súbita descoberta gerou entre os ouvintes. Repetidas vezes isto tem sucedido comigo, e tem convencido do muito que há a fazer no campo da Piedade Popular e Festas em honra dos Santos Populares. É missão da Igreja e de nós sacerdotes ajudarmos a encontrar sentido profundo, humano, cristão está na sua raiz, e foi ganhando outras expressões, através dos séculos, tantas vezes, por falta de um adequado acompanhamento evangelização da Igreja.

Fica esta reflexão em jeito de partilha e também de compromisso da minha parte, de estar ainda mais atento a estes fenómenos, que nos merecem todo o respeito, e admiração, e nos convidam a irmos mais além, ao sentido profundo destas Festas.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 279, 10 de Julho de 2015