quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Repensar a vida e refletir na morte


Estamos num período do ano que nos convida a refletir, infelizmente, tantas vezes a partir da experiência da morte, sobre o sentido da vida humana. Haverá certamente outras respostas lícitas e respeitáveis; nós cristãos, porém, não devemos deixar de apresentar a nossa visão e propostas sobre estas questões essenciais, para que, quem as quiser aprofundar o possa fazer, a partir de uma base séria e fundamentada, e assim poder, se o desejar, optar em consciência.

Nós cristãos acreditamos que a nossa vida tem um sentido e que a morte não interrompe definitivamente o nosso projeto de vida, pois Cristo ressuscitou. Esta perspetiva abre novos horizontes na vida de quem acredita, horizontes esses que não nos limitam aos frágeis e limitados trilhos, nos quais decorre a condição humana, mas antes nos convidam à abertura ao transcendente, ao absoluto, à eternidade, à divindade, pois, à luz da fé, nós somos filhos de Deus, filhos no Filho (Cristo), dirá S. Paulo, e, por isso, também nós ressuscitaremos, venceremos a morte, e celebraremos a vida em plenitude junto d'Aquele a Quem, com verdade, chamamos Pai, Pai nosso.

É certo que existe a tentação em muitos homens de se fecharem numa ontologia puramente imanente, temerosa do transcendente, que pretende transmitir a aparente sensação de que nada mais é necessário, de que a nossa liberdade não tem limites, de que o mito do "Homem novo", que cresce sem amarras, nem limitações, e a quem basta apenas a condição terrena, na qual se joga o teatro da sua vida, é a única verdade. Nada de mais errado, como a história de tantos homens e mulheres que, ao longo dos séculos se abriram a fé, e se sentiram plenamente completos e realizados, o pode provar. O ser humano é um mistério, que não pode ser espartilhado, dissecado em laboratório, com a pretensão de encontrar respostas para tudo apenas no terreno do racional e humano, ou ainda pior, na técnica e/ou na economia.

A fé não retira nada à condição humana, pelo contrário, alarga-lhe os horizontes e torna o Homem mais responsável por si, pelos outros e pelo Mundo em que vive, dizendo-lhe com toda a verdade que somos uma única Família Humana, cada vez mais interdependente. A última Carta Encíclica do Papa Francisco "Laudato si", pode ser uma preciosa ajuda para quem quiser aprofundar estas questões.

O período que se aproxima pode ser uma ocasião ótima de pararmos e refletirmos sobre o sentido último da nossa vida, sobre o porquê e o para quê da nossa existência, procurando, sem ilusões nem saltos acrobáticos, respostas que de verdade nos satisfaçam e preencham. Como diz S. João, "só a verdade liberta", pelo que, só quem procura viver na verdade, com verdade enfrentará estas questões. Não basta a sinceridade, pois esta traz a marca da subjetividade, e a passagem desta ao subjetivismo, é uma tentação em que é tão fácil cair… Se a subjetividade é um valor e uma conquista do pensamento humano, se lhe cortamos a relação com a verdade, corremos risco de nos limitarmos a viver baseados apenas nas boas intenções, e de acomodarmos a verdade às nossas convicções e interesses, um ciclo vicioso, do qual é difícil sair sem o recurso à ancora segura da verdade que, independentemente dos temporais, quaisquer que eles sejam, não deixará de nos apoiar e projetar para horizontes, de facto, positivos e verdadeiros.

Não deixemos de refletir sobre estas questões, mesmo sabendo que elas são, muitas vezes, incómodas, e nos convidam a construir sobre a "rocha firme" e a não nos limitarmos a construir sobre a "areia". (Jesus Cristo)

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 283, 13 de Novembro de 2015


sábado, 14 de novembro de 2015

A esperança para além da esperança


o chegar esta época do ano, sinto como que um impulso a escrever algumas linhas sobre o sentido da vida humana, sobre a morte e a vida para além da morte, embora, como sacerdote e pároco, lide diariamente com estas questões, que afetam todos sem exceção e não deixam de nos interpelar.

Como cristão, sei que a nossa vida tem um sentido e que a morte o não interrompe definitivamente, mas apenas nesta dimensão terrena em que vivemos a condição humana. Até racionalmente, considero que a nossa existência seria muito pobre se tudo se esgotasse neste Mundo. E a verdade é que existe em todos os seres humanos uma sede de eternidade, mesmo que nem sempre tenha resposta, ou seja encaminhada da forma mais adequada.

Para quem é cristão, a resposta passa por Cristo, o Filho de Deus, que, ao assumir a nossa humanidade, partilhou connosco a Sua divindade e nos assumiu também como Seus irmãos e filhos de Deus (filhos no Filho, dirá S. Paulo) e isto faz a diferença, e tem feito, para tantos milhões de homens e mulheres, das mais diversas raças, línguas e culturas, ao longo dos séculos. Nada fica na mesma quando nos abrimos à luz da fé e percebemos que a eternidade, o absoluto, a divindade, se abrem a nós e alargam os nossos limitados horizontes, fazendo-nos entender que é na vida para além da morte, vida em plenitude, que se revela a totalidade da condição humana.

Um dos símbolos que usamos no batismo é a luz e é perfeitamente correto para expressar que sem fé estamos “cegos” para imensas realidades, que permanecem sem sentido nem explicação; a nossa própria vida, cheia de tantas interrogações e mistérios aspira a respostas, que nós cristãos encontramos em Cristo e no dom da fé.

É vulgar dizer-se que a esperança é a última coisa a perder-se; pois bem, a esperança cristã leva-nos ainda mais longe e permite-nos concluir que em Cristo a esperança humana é alargada até ao infinito, pois é esse o seu verdadeiro limite.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, nº 1751, 13 de Novembro de 2015