terça-feira, 19 de julho de 2016

Não Podeis Servir a Deus e ao Dinheiro


Nos últimos tempos, talvez devido à sucessão de investigações em curso e escândalos manifestos, tenho-me recordado com alguma frequência desta frase do Antigo Testamento, que também nos aparece no Novo Testamento, às vezes com outras formulações, pela verdade que ela encerra e pelas interpelações que nos deixa.

Para quem acredita em Deus é óbvio o sentido e a força de quanto se afirma: os bens materiais são para serem usados pelo ser humano, e não para nos deixarmos envolver e dominar por eles. À luz da fé, nós é que somos importantes para Deus, e somo-lo por aquilo que somos, ou seja, pessoas, seres humanos, criaturas, filhos em Cristo, e não pelo que temos. Nós valemos muito mais do que as coisas. É verdade, infelizmente, que nem sempre os cristãos vivem na vida orientados por esta opção fundamental, mas, a mudança de vida é sempre possível, e para Deus o tempo é um contínuo hoje.

A ilusão de que as coisas e tudo aquilo que se pode adquirir com o dinheiro são a fonte da felicidade, é isso mesmo, um engano, porque a felicidade não é um bem material que se possa adquirir, como diria Antoine de Saint­Exupéry: o essencial é invisível aos olhos. É esse o testemunho que nós cristãos de hoje podemos encontrar logo no Livro dos Atos dos Apóstolos: os cristãos tinham a perfeita noção de que deviam desprender-se dos bens materiais e partilhar entre si, para serem mais livres e não se deixarem cair nas malhas desta tentação, que toma as pessoas mais egoístas e individualistas, insensíveis e indiferentes ao próximo.

Esta tentação do Ter pode, se não for combatida, levar-­nos pela lógica do vale tudo. Olhemos com atenção e espírito crítico para tantos males do nosso Mundo e poderemos, com mais ou menos clareza, perceber que o amor ao dinheiro é a raiz de muitos destes males. A título de exemplo pensemos no tráfico de droga; no tráfico de armas, de pessoas; na corrupção; na destruição do meio ambiente; nas intermináveis guerras; nas doenças que já podiam ter sido debeladas, etc. Em muitas destas situações, se procurarmos ler as suas causas profundas, encontraremos frequentemente o deus dinheiro.

Isto não quer dizer, de modo nenhum, que os bens materiais não sejam importantes e necessários para a nossa vida, antes pelo contrário, temos de trabalhar para esbater as injustiças e o fosso que separa seres humanos dentro do mesmo país ou povos de diferentes países, mas não nos devemos iludir pela retórica de quem põe toda a sua confiança apenas nos bens materiais e na sua aquisição desmedida e sem critérios. Para quem é cristão o princípio segundo o qual os fins não justificam os meios, deveria orientar os nossos critérios de vida e as nossas opções, sob pena de nos deixarmos afundar no pântano do materialismo desumano, para quem a vida a humana pouco vale, comparada com a aquisição e posse de bens materiais. Santo Agostinho, que fez um percurso complexo e transversal que o conduziu a experiências diversas e até contraditórias, concluiu, depois de se tomar cristão que: Senhor; criastes-nos para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em vós.

Não poderia deixar neste momento de olhar para o exemplo inspirador do Papa Francisco, que não deixa de nos surpreender e interpelar com o seu testemunho de pobreza e desprendimento, apontando-nos o caminho que nós todos, cristãos ou não, deveríamos seguir, para sermos um pouco mais livres e felizes neste mundo, no qual estamos todos de passagem e a nossa vida é, como diria S. Paulo: uma tenda.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 289, 13 de Maio de 2016