sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Recuperar valores e virtudes


Todos os dias nos chegam notícias, como referia no meu último artigo daquilo que é menos bom ou mesmo mau, na sociedade portuguesa e no nosso Planeta Azul. Perante esta constatação, não raro, ouvimos expressões do género: "faltam valores"; "para onde é que nós vamos?"; "urge recuperar a ética", ou outras similares.

Como homem e como cristão, não tenho dificuldade em subscrever o que acima se afirma, embora me pareça que, tantas vezes, lhe falta consistência, concretização e consequências e, como é sabido e diz o provérbio: "palavras, leva-as o vento".

Uma verdadeira mudança exige o esforço transversal do Estado, das instituições, dos corpos intermédios, das famílias, do cidadão comum, pois é fácil deitar as culpas "aos outros", "à sociedade", "ao sistema", e depois, nada muda. Como diz Jesus no Evangelho, o problema é que nós vemos mais facilmente o argueiro no olho do outro, do que a trave que se ergue à nossa frente. Se eu parto do princípio que o problema não é meu, mas dos outros, tudo permanecerá inalterável, porque, "os outros" somos todos nós na relação interpessoal.

Creio que nos faria muito bem, se todos e cada um de nós tivéssemos a humildade de nos reconhecermos frágeis, agentes, responsáveis do mal que acontece e não apenas vítimas, porque a vitimização não leva a lado nenhum. Nada mudará enquanto nós não mudarmos, sem esperar pelos "outros".

No inicio de um novo Ano Escolar, seria interessante que a comunidade educativa, com todos os seus agentes, compreendesse a necessidade de se envolver em projectos, sem complexos, de transmissão de valores aos mais novos, pois, onde não se semeia, não se espere que cresça e que haja frutos.

Também me parece que há valores e princípios que não devem ser negociáveis e, por isso, não podem depender dos ventos políticos de quem governa, de maiorias que se vão alternando consoante as legislaturas, sob pena de estarmos a construir sobre a areia, e a não dar consistência aos projectos, nomeadamente, das novas gerações. Se todos nós somos sensíveis e nos sentimos inseguros perante a novidade, sobretudo se ela é constantemente mutável; o que não acontecerá com os mais novos? Como é óbvio eles são quem mais necessita de ajuda e orientação, para poderem fazer as escolhas certas. Nós, adultos, devemos fazer como o agricultor que trabalha a terra e pacientemente, mas com dedicação e competência, espera que ela venha a produzir. Ajudemos os mais novos a crescer e não nos limitemos depois a criticar os seus comportamentos, quando eles chocam com os nossos, ou afazer como Pilatos, quando surgem as dificuldades e os problemas.

Penso que, como diria Jesus, "nem só de pão vive o homem", ou seja, não necessitamos apenas de bens materiais para nos sentirmos felizes, mas há outras razões e dimensões que fazem parte da condição humana e que também precisam de resposta Para nós cristãos, as pessoas não valem pelo que têm mas, sobretudo, pelo que são, pois, nós é que somos Importantes para Deus e foi por amor dos homens que Jesus, para nós cristãos o Filho de Deus, se fez homem.

Vale a pena optar por aquilo que permanece e nos permite construir com solidez e não nos limitarmos à precariedade, ao provisório, ao volúvel. Porque não tentar?
 


in Ecos de Grândola, nº 294, 14 de Outubro de 2016