sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Humildade e Gratidão

 
Estas duas palavras, proferidas pelo Eng. António Guterres aquando da sua eleição como Se­cretário-geral da Organização das Nações Unidas, são hoje o tema deste artigo, talvez porque elas constituam para mim um desafio permanente e uma luz a iluminar e confirmar o meu caminho.

Quando penso em humildade, imediatamente me vêem à mente as palavras de Santa Teresa de Ávila: a humildade é a verdade. De facto, a humildade é a virtude que nos ajuda, com realismo, a olhar­mos para nós, para os outros e pa­ra tudo o que nos envolve. É a par­tir dela que eu me encontro com a verdade daquilo que sou, com as minhas qualidades e defeitos, vir­tudes e pecados, e me disponho a deixar-me ajudar, para me tornar melhor todos os dias. Como cris­tão, sei que tenho em Cristo o ver­dadeiro modelo a seguir pois, Je­sus, ao assumir a condição huma­na, deu-nos o primeiro exemplo de humildade, que confirmou depois com a sua crucificação e morte.

Como o Eng. António Guterres nunca escondeu a sua condição de cristão e católico, decerto, que na sua forma de entender e viver a humildade pesou significativa­mente esta perspectiva de vida, tão querida a quem se dispõe a se­guir Cristo.

Esta virtude não é, infelizmente na minha opinião, estimada e promovida nos nossos dias, pelo menos em certos ambientes, e tal­vez o devesse ser, pois contribuiria decisivamente para combater o egocentrismo, o orgulho e a so­berba, que são uma espécie de ce­gueira, e, como diriam os gregos, ajudaria a formar pessoas de vir­tude, capazes de pensar nos ou­tros e de os servir, sem interessei­rismos, nem clientelas. A ausência de humildade pode, ainda, provo­car entre outras doenças o raquitismo ético a imaturidade, o imo­bilismo, a insensibilidade e a indi­ferença.

Quanto à gratidão, creio tam­bém ser uma virtude necessária, sobretudo, numa sociedade do imediato, do oportunismo e da amnésia. A ausência de gratidão pode provocar também indivi­dualismo, dureza de coração, e um sem número de manifestações de desumanidade.

É minha convicção profunda que, numa sociedade de múltiplas relações e interdependências, o natural é cultivarmos a gratidão, a começar pela nossa família, por tanta coisa de que lhe somos de­vedores, e esta atitude deverá acompanhar-nos ao longo da nossa vida. A gratidão humaniza­-nos, faz-nos sentir mais irmãos uns dos outros, mais próximos, mais simples, menos auto-sufi­cientes, dispondo-nos a dar e a re­ceber, e a sentir que também rece­bemos quando damos, mesmo que o façamos desinteressada­mente.

Duma forma simples e clara, sem plásticas, nem superficialida­des, temos na nossa frente um au­têntico projecto de vida, para quem aspira a fazer algo por este mundo em que vivemos, duma forma concreta, sabendo que um grande caminho começa com pe­quenos mas decididos passos.

Foi desta forma serena, mas convicta e comprometida, que o Eng. António Guterres, no serviço aos refugiados, foi construindo um projecto de liderança credível, que lhe permitiu conquistar, con­tra Adamastores e Golias, lobbys e agendas, até os mais imprová­veis apoios, e ser eleito da forma clara e arrasadora na Assembleia Geral da ONU.

Por tudo isto, devemos sentir um são orgulho por ele, por ser português e por ser o homem que é, não deixando, porém, de acolher o desafio que a sua eleição também significa: trilhar o cami­nho da humildade e da gratidão.

in Ecos de Grândola, nº 295, 11 de Novembro de 2016