quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Prosseguir pelas sendas da Misericórdia


Terminou o Ano da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, mas não termina o apelo, o mandato a que sejamos pessoas cada vez mais misericordiosas, porque é assim que Deus faz connosco. Este ano foi, com efeito, demasiado rico e significativo para não deixar a sua marca na Igreja e nos seus membros, mas também neste    Mundo que é o nosso, e no qual, nós cristãos não devemos desistir de dar o nosso humilde contributo, não como quem manda e quer impor, mas antes como quem serve e quer partilhar o que tem de melhor para o bem de todos.

Este ano teve, entre muitos méritos, o de nos chamar a atenção para aquilo que, de facto, é importante, central, na mensagem de Jesus e que, por isso, é preciso descobrir, partilhar e anunciar. Deus é Pai e n'Ele a misericórdia prevalece sobre o juízo. Se esta convicção é clara para nós hoje, e o Papa Francisco fez questão de o afirmar sem margem para dúvidas, talvez não o tenha sido sempre ao longo dos tempos, pelo que, importa recuperar a sua centralidade no anúncio cristão. Boa Nova é isso mesmo: boa notícia, e Jesus é essa boa notícia que urge levar ao Mundo e a toda a Humanidade, para que, na liberdade e sem limitações nem pressões de qualquer ordem, cada um possa decidir-se e fazer o seu caminho, tomar as suas opções e ser respeitado.

Uma das grandes vantagens no grande comunicador que é o Papa é que ele não se limita a dizer, não se reduz à palavra, nem se escuda na importância da sua missão, mas a sua vida é um autêntico testemunho de coerência entre fé e vida, anúncio e existência. Todos temos, por isso, de aprender com ele, sobretudo, os sacerdotes e consagrados, para que a nossa vida seja uma luz que confirme e atraia todos aqueles que, andando insatisfeitos com a sua existência, procuram dar um sentido novo às suas vidas.

O Papa terminou ainda este Ano da Misericórdia deixando-nos mais um documento: a Carta Apostólica Misericordia et Misera, com a qual convida a Igreja a continuar a ser a "Casa da Misericórdia", na qual todos se possam sentir acolhidos, sem discriminações, e convidados a traduzir na vida, em gestos concretos, a misericórdia que há-de mudar a nossa vida e este Mundo, se acreditarmos na sua força e nos comprometermos na transformação dos corações e das estruturas. Mais um dos sinais interpeladores deste Papa foi o anúncio da institucionalização de um dia dedicado aos pobres, no Domingo XXXIII do Tempo Comum, uma semana antes de terminar o Ano Litúrgico, no Domingo de Cristo Rei.

Este Papa não se cansa, pois, de nos deixar interpelações com as suas palavras e com as suas atitudes, para que não nos habituemos a ser cristãos, não nos instalemos nas seguranças dos nossos gabinetes, esquecendo a realidade dos que sofrem, mas, antes e pelo contrário, vivamos constantemente inquietos perante um Deus que gosta de nos surpreender, desinstalar e convidar a confiarmos mais n'Ele e uns nos outros, e menos nas coisas e, particularmente, no dinheiro, que o Papa considera mesmo o "pior inimigo da Igreja". Como diz Jesus no Evangelho: "quem tem ouvidos para ouvir, ouça".

Que estas palavras fortes e interpelativas não caiam em saco roto, mas antes sejam entendidas, assumidas e dêem fruto na vida dos cristãos, sobretudo, naqueles que têm especiais responsabilidades e que, por isso mesmo, não devem cair na tentação do funcionalismo pardo e repetitivo, que mata a alegria, a espontaneidade e a beleza da vida cristã.


in Ecos de Grândola, nº 296, 09 de Dezembro de 2016