quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Vê-se Melhor a Partir da Periferia


Não sei se esta expressão é familiar aos nossos leitores, mas, para aqueles que não a conhecem, direi apenas, que ela faz parte do vocabulário e da prática do Papa Francisco.

No dia da sua eleição, ele afirmou que os Cardeais tinham escolhido "um Papa vindo do fim do Mundo". Deste modo, introduziu um olhar novo, vivo e refrescado, sobre a forma de olhar o Mundo e a própria Igreja, de encarar e resolver os problemas, convidando-nos a centrarmo-nos naquilo que é essencial, e o essencial são as pessoas, independentemente da sua língua, raça, sexo, cor da pele ou religião. E assim, surpresa atrás surpresa, o Papa foi traçando as linhas de uma nova forma de exercer a sua missão d Pastor e sucessor de Pedro.

A sua visão de muitas realidades é diferente, não é do Centro, mas do Sul e do Sul profundo, extremo, com toda a sua riqueza, esperança e incomodidade. Como ele dizia há dias, a sua preocupação é, sobretudo, dar corpo ao Evangelho, para que Ele não seja letra morta, nem uma mera peça de museu, mas uma doutrina, uma pessoa viva, Jesus, que também procurou, sem fugir ao "centro'', actuar a partir das periferias, e, por isso, iniciou o seu ministério na Galileia e não em Jerusalém.

Sem fugir às suas responsabilidades no Vaticano, convidou­-nos a acompanhá-lo até Lampedusa, para nos apercebermos do drama dos refugiados; até Lesbos, para nos fazer perceber que não podemos ficar indiferentes e é preciso agir; até Bangui, na República Centro Africana, onde abriu a Porta Santa, antes de o fazer em Roma; optou por celebrar o Lava-pés em prisões; por dispensar muitas das apertadas medidas de segurança a que é sujeito; por actuar sempre movido por uma grande liberdade e por um desejo enorme de nos "abanar" da sonolência, indiferença e passividade em que tantas vezes deambulamos. São tantos os seus gestos...

Nesta sua atitude o Papa lança-nos a todos nós o desafio do compromisso e do envolvimento, nas grandes causas deste Mundo, que devem ser as causas dos cristãos e de todos aqueles que procuram reger a sua vida pelo amor e serviço ao próximo, e não se mantêm subservientes aos poderes deste mundo, tantas vezes ocultos, desumanos, egoístas e materialistas nos seus interesses e estratégias.

O Papa desafia-nos com a sua postura evangélica e simples a descer das nossas seguranças e certezas, tantas vezes frágeis e duvidosas, para nos tentarmos colocar no lugar "do outro", para que ele deixe de ser cada vez mais alguém distante, indiferente, e se torne um próximo, um irmão e possamos, então, falar de "nós". E assim, para muita gente, renasceu a esperança de que é possível um Mundo diferente, melhor, mais justo.

O "efeito Francisco", como alguns já lhe chamam, é eficaz por ser autêntico, espontâneo, por não trazer consigo o peso da visão europeia da Igreja, coisa que alguns têm dificuldade em aceitar, até porque a Europa representa apenas uma pequena percentagem dos Católicos no Mundo, neste momento. Com esta sua prática o Papa está a ajudar a Igreja a redescobrir com realismo a sua própria essência, cada vez mais universal, rica e plural nas suas expressões.

Espero que a Igreja, nos seus responsáveis, tenha a capacidade de se deixar envolver e comprometer, efectivamente, nesta renovada forma de viver e testemunhar o Evangelho, num Mundo que já não volta atrás e que está em constante transformação.

in Ecos de Grândola, nº 298, 10 de Fevereiro de 2017