sexta-feira, 10 de março de 2017

Criatividade, Iniciativa, Protagonismo


Esta temática, com diferentes abordagens, já foi objecto da minha reflexão nas páginas do Ecos, porque, me sinto injustamente in­comodado e desafiado, quando nos acusam a nós portugueses de sermos fatalistas, passivos, amorfos, pessimistas, etc, etc, etc.

Não comungo, de igual modo, da opinião daqueles que se limitam a criticar negativamente e a não propor nada de positivo, porque, como argumentam falaciosamente: não vale a pena! Por todo o lado só vislumbram problemas, intrigas, interesses ocultos, dificuldades, duvidando de tudo e de todos.

Como é óbvio, não posso concordar com este tipo de discurso e estou profundamente convencido que é imperioso mudar "de música", e deixar de ser meros atores secundários e de segundo plano, se quisermos que os outros deixem de nos considerar como um povo periférico de "coitadinhos", que se arrastam, sem rumo, esperando que os outros "tenham compaixão de nós" e resolvam os nossos problemas, porque, no fundo, a culpa é do "sistema".

Mas será que é mesmo assim? Não será possível reverter e inverter a linguagem e a práxis, que tomam estes discursos cassetes fastidiosas, capazes que gerarem quase uma autêntica lavagem cerebral, retirando-nos ainda a força anímica para lutarmos e mudarmos o que não está bem, ou pode ainda ser melhor?

Quando reflicto sobre estas questões gosto sempre de regressar ao nosso passado, à nossa história, porque ela pode ser para nós uma verdadeira fonte inspiradora e uma mola que nos pode impulsionar e comprometer na construção de algo novo, diferente e melhor. Não nos esqueçamos que os nossos antepassados, em condições verdadeiramente precárias, "deram novos mundos ao Mundo" e fizeram com que um pequeno país, pouco povoado, no extremo da Europa, se tornasse, como muitos hoje justamente consideram, o pioneiro da globalização.

Bem sei que não podemos viver saudosisticamente agarrados aos louros do passado, mas, o passado pode ajudar-nos a construir o presente e a prever e projectar o futuro. Como diz o provérbio: um grande caminho começa com o primeiro passo. Não fiquemos parados, sentados no sofá do comodismo e da instalação, mas sejamos antes audazes, acreditando que é possível, que somos capazes, que vale a pena, e que tudo se pode modificar se, antes de mais, nós também mudarmos, porque a primeira mudança tem se operar em nós, para que o agir seja a consequência do ser e de um ser diferente, empreendedor, positivo.

Já tive ocasião de o afirmar várias vezes, que a descoberta da fé cristã confirmou e consolidou em mim uma forma de vida que poderei designar como optimista realista. Com o passar do tempo, esta convicção foi criando raízes e consistência em mim e tem vindo a moldar as diversas realidades em que me integro e nas quais me envolvo e entrego.

Quem tem uma ideia "cinzenta" repetidora e ritualista da fé, talvez não entenda o que estou a dizer; mas, o que acabo de afirmar mais não é do que aquilo que se pode encontrar nas páginas do Evangelho e nos demais escritos do Novo Testamento. A fé cristã traz consigo uma dimensão de positividade, e de esperança, que não nos deixa cair na letargia, mas nos desafia à novidade, à criatividade, e ao compromisso perseverante.

Olhemos para o testemunho interpelador do Papa Francisco e acolhamos os desafios que quotidianamente nos coloca, sem medo, mas com esperança e desassombro.

in Ecos de Grândola, nº 299, 10 de Março de 2017