segunda-feira, 25 de setembro de 2017

“Acredito que há mais bem do que mal neste mundo, só que o mal faz mais barulho”



REZANDO
Manuel António Guerreiro do Rosário, 53 anos, padre. “Se pudesse voltar atrás não escolheria outra vida”. Voltar atrás seria regressar ao dia 3 de julho de 1988, quando foi ordenado sacerdote numa região muito pouco dada a vocações. “O meu pai era GNR, pelo que andámos sempre de casa às costas… a minha ligação com a fé vem dessas andanças”. Vila Alva. Vila Nova da Baronia. Alvito. Cuba. Beja, para estudos no liceu. Évora, para ensaiar uma nova vida no seminário. Roma, para profundar as questões da Teologia e da Moral. Grândola, onde hoje dá conta dos afazeres paroquianos. E onde quase não pode sair à rua sem que a sua atenção seja disputada passo a passo. O território que hoje compreende a Diocese de Beja, diz, “foi abandonado durante muito tempo”. A presença muçulmana foi aqui mais demorada e intensa. A sede diocesana esteve perto de mil anos concentrada em Évora. Depois veio a extinção da Companhia de Jesus e das restantes ordens religiosas. O advento da República também não foi brando para com uma igreja que, em pleno século XX, chegou a ver bispos seus “serem recebidos à bomba”. “Há razões históricas que levaram ao afastamento institucional da Igreja nesta região”. Já a fé dos alentejanos, assegura, está espalhada por todo o lado e está comprovada em cada uma das igrejas que pontuam a paisagem. Quanto ao resto, “onde há pessoas, naturalmente há pecado. Gosto muito de ser padre, de estar e de conhecer as pessoas, de rezar por elas… O resto é com o Mestre”.


“Lembro-me perfeitamente das dúvidas que tive, das indecisões, das incompreensões, mas, ao mesmo tempo, foi uma alegria muito grande quando se colocou a questão [de ser padre]”.

“Fui a Fátima no dia 13 de maio de 1982 e acabei por entrar no Seminário de Évora em outubro desse ano”.

“Uma decisão destas não pode ser movida por calculismos, nem por critérios humanos. Esses não têm sentido e são só fonte de frustração”.

“É importante sabermos que esta zona do Alentejo esteve abandonada durante muito tempo… O primeiro momento significativo do empobrecimento, não apenas religioso mas também cultural, do Alentejo foi a extinção da Companhia de Jesus no século XVIII”.

“A fé dos alentejanos permaneceu e nós podemos ver expressões dessa mesma fé na multiplicidade de igrejas que existem espalhadas por todo o lado”.

“A relação destas pessoas com a fé é mais pessoal e de transmissão familiar e isso pode dar lugar a algum sincretismo. Isto tem muito a ver com a falta de uma presença institucional da Igreja”.

“Para mim não é essencial a questão dos segredos. Isso não me interessa nada, sinceramente. Aliás, a Igreja levou alguns anos a reconhecer a autenticidade do que sucedeu em Fátima”.

“É convicção da Igreja que Fátima não acrescenta nada ao Evangelho”.

“A grande mensagem de Fátima é o convite à oração, à adoração, à conversão, à reconciliação entre as pessoas e Deus. Aí sim, Fátima é um lugar de muitos milagres. Sinto fortemente a presença de Deus em Fátima”.

Texto Paulo Barriga Fotos Rui Cambraia
in Diário do Alentejo 23 de Maio de 2017