sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Apesar de tudo, continuo a acreditar no Homem


ser humano não é nem um anjo, nem um demónio, mas tanto é capaz dos gestos mais solidários, altruístas, heróicos, direi mesmo santos, como dos mais horrendos crimes e barbaridades, como no-lo confirma a história.

Não vou deter-me em nenhum acontecimento particular, mas recordo uma data: 27 de janeiro, Dia Internacional do Holocausto (ONU). Já tive a oportunidade de visitar Auschwitz (Oswiecim, em polaco) e nunca mais o esquecerei: paira no ar um ambiente pesado, de morte, que nos esmaga, como se o mal ainda rondasse por ali... Como foi possível seres humanos tratarem tão cruelmente outros seres humanos, vilipendiando, torturando, humilhando, destruindo, em massa?! ·

A tentação de dominar, condicionar, aniquilar o outro, considerado inferior, não é, porém, algo que pertença ao passado, pois ainda hoje são sensíveis as suas ramificações. Não me sinto capacitado para explicar porquê, mas, para mim, é claro que: a ideologia não se pode sobrepor à realidade, a demagogia à racionalidade e a subjetividade à objetividade. A vida humana é sempre um valor em si, um mais, não um meio, sob condição, e cada vida e todas as vidas importam e valem a pena.

Uma sociedade que se considere humanista e solidária deverá ter uma atenção especial para as crianças, os idosos, os doentes, os mais fragilizados, e criar instrumentos para a sua proteção e defesa, sob pena de resvalarmos para o pântano da arbitrariedade e do eugenismo, no qual, alguns iluminados, baseados nas suas certezas, arvoradas em verdades, decidirão quem deve viver ou morrer.

Apesar das tintas um pouco mais escuras destas linhas, sou, por convicção profunda, um crente na Humanidade e na capacidade de regeneração dos seres humanos, quando se abrem ao próximo, olhando-o como um igual, um irmão, e quando nesta abertura de horizontes, também descobrem o Outro, Deus, e acreditam que é possível fazer aqui, mesmo que imperfeitamente, a experiência de um mundo melhor.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 26 de Janeiro de 2018



quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Mais um Natal, ou melhor, diversos Natais



O Natal é uma época do ano especial, embora o seu sentido varie, por razões diversas, que vou tentar, sinteticamente, apresentar:

a) Para quem vive sob regimes onde não existe uma verdadeira Democracia, e são muitos milhões de pessoas, há fortes restrições ao exercício da liberdade religiosa, e, por isso, o Natal é a celebração de um “ilustre desconhecido", a que não lhes é permitido ter acesso. Nalguns casos é mesmo considerado “crime", punível com a prisão e até com a morte. A lista dos Países circula pela Internet, pelo que, deixo aos nossos leitores, se o desejarem, o trabalho de o confirmarem;

b) Há Países onde existe, mesmo que com limites, alguma liberdade religiosa, mas apenas dentro dos espaços de culto, e, para poder ser exercido este direito, é necessária a presença das Forças de Segurança, devido à possibilidade de boicotes, ou até de atentados, por parte de minorias fundamentalistas. As notícias sobre estes Países também nos vão chegando e, no geral, apenas quando não são boas;

c) Nalguns Países o Natal é uma celebração respeitada, e existe para o poder celebrar, embora para muitos o seu sentido seja apenas: a celebração da Família, a troca de prendas e a omnipresença do Pai Natal, que teima em substituir Jesus como principal protagonista. É claro que, se para alguns reina o desconhecimento, a indiferença ou até a oposição, em relação aos símbolos cristãos, mas isso é fruto de uma ausência ou abandono das raízes cristãs; há forças e grupos empenhados em banir os símbolos cristãos, para os substituir por outros. Assistimos, por isso, ao triste espectáculo de, em nome da tolerância e do respeito para com aqueles que não são cristãos, se pretenderem impedir os cristãos de celebrar publicamente a sua fé, chegando-se ao extremo da prática de actos de desrespeito e até de intolerância, em expressões mais claras ou sub-reptícias, para com os cristãos, as suas Festas e os seus símbolos;

d) Noutros Países existe liberdade religiosa e os cristãos celebram as suas Festas, realizam publicamente as suas manifestações de fé, respeitando aqueles que professam uma fé diferente, ou, simplesmente, não têm fé, e, como é evidente, devem ser respeitados.

Creio poder dizê-lo com alguma segurança, que é nos Países de tradição cristã, que se pode viver e exercer a fé, qualquer que ela seja, com plena liberdade e sem restrições. É pena que os líderes de muitos destes Países, sejam omissos para com os casos flagrantes de falta de Democracia e de restrições ao exercício da liberdade religiosa, noutros Países, colocando outros interesses, de carácter eminentemente material, acima dos direitos humanos, da liberdade em particular, e do bem das pessoas. A reciprocidade deveria ser uma exigência para que, em qualquer País deste Mundo, cada um pudesse viver plenamente e em total liberdade a sua fé, e mudar se assim o entendesse, sem quaisquer limites ou penalizações.

Para nós cristãos o direito à liberdade e à liberdade religiosa não deve ser uma concessão dos Estados, mas um direito inalienável, que deve ser respeitado, tutelado e até promovido, sem privilégios, mas também sem pressões, nem marginalizações.

Continuo a acreditar que isto é possível e, neste Tempo de Natal e Ano Novo, peço a Deus que conceda o dom da plena liberdade e da liberdade religiosa ao nosso Planeta e a toda a inteira Família Humana, para que possamos fazer aqui a experiência de que, um Mundo melhor é possível Como diz o poeta: “Deus quer, o Homem sonha, a obra acontece".

in Ecos de Grândola, nº 309, 12 de Janeiro de 2018



terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Desenvolvimento: “do homem todo e de todos os homens”


sta frase emblemática, do papa Paulo VI, pode ser encontrada num dos mais impressionantes documentos do seu magistério: a Carta Encíclica Populorum Progressio, Desenvolvimento dos Povos, (26 de março de 1967, N.º 42).

Destas linhas lanço um desafio: quem não conhece o pensamento da Igreja sobre o desenvolvimento, aconselho vivamente a leitura desta carta. Ela está disponível em português e acessível pela Internet, como, aliás, a maior parte dos documentos do Magistério da Igreja, pois o português continua a ser uma das línguas oficiais. Há tanta desinformação e informação desfocada, quando o pensamento da Igreja é tão acessível a todos, sem necessidade de intérpretes ...

Como não pretendo substituir-me a ninguém na descoberta do documento, limito-me a comentar o título deste artigo.

Para nós, cristãos, desenvolvimento não se confunde com mero progresso económico, mas visa promover um humanismo total, que, por isso mesmo, deve abranger todas as dimensões da vida do ser humano, de modo a proporcionar-lhe um crescimento harmonioso e integral. A economia, sendo importante, não esgota, de modo nenhum e ainda bem, a vastidão e riqueza do ser humano, antes deve estar ao seu serviço. Quando se perde esta clarividência, corre-se o risco de nos tornarmos servos daquilo que deveria estar ao nosso serviço. Como diz Jesus no Evangelho: "As coisas são para as pessoas”.

Por outro lado, a Igreja entende que, nesta casa comum, o desenvolvimento não se esgota no Ocidente, nas grandes potências, ou nas potências emergentes, mas, para o ser, ele deve incluir como destinatários todos quantos formamos da grande Família Humana, em qualquer latitude ou longitude. A solidariedade é, por isso, uma virtude crucial, para não assistirmos impávidos e/ou indiferentes a diversos ritmos de desenvolvimento, ou pior ainda, ao aumento do fosso entre ricos e pobres. O verdadeiro desenvolvimento ou é humano e global, ou não merece este nome.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 05 de Janeiro de 2018