sexta-feira, 11 de julho de 2014

Papas Nossos Contemporâneos


Depois de ter escrito sobre os Papas João XXIII e João Paulo II, a propósito da sua canonização sinto-­me na obrigação de dizer também algumas palavras sobre os outros Papas nossos contemporâneos, a saber: Paulo VI, João Paulo I e, claro, Francisco.

Tal como aconteceu com João XXlll, o meu conhecimento de Paulo VI é fruto das leituras e do estudo que fui fazendo ao longo dos anos, e a verdade é que, quanto mais o conheço, mais o admiro. Este grande homem nasceu numa família de convictas tradições democráticas e, por isso, sofreu (o seu pai em particular) as agruras da ditadura de Benito Mussolini (ltália). A sua estrutura democrática trouxe-lhe a incompreensão de algumas ditaduras dentro e fora da Europa, Espanha e Portugal incluídos. A ele devemos a condução da Igreja durante o Concílio Vaticano II (1963) até 1978, período marcado por autênticas mutações da Sociedade e da Igreja, em praticamente todos os sectores. Tentar aplicar o Concílio Vaticano II, projecto difícil e complexo, valeu-lhe muitas incompreensões, sofrimentos e críticas, quer por parte de sectores vanguardistas, quer pelos ultraconservadores. A sua actuação, porém, caracterizou-se sempre por um grande equilíbrio, por uma hábil diplomacia mista de diálogo e abertura, pela firmeza das decisões, pela amplitude da sua visão, pela clareza e profundidade do seu pensamento. Os documentos saídos da sua pena são disso clara expressão. Por tudo isto e muitíssimo mais, creio que este extraordinário homem deverá ser mais estudado, direi mesmo reabilitado, em nome da verdade em que viveu, defendeu e anunciou.

De João Paulo I, infelizmente, não tenho muito para dizer, pois o seu pontificado foram apenas 33 dias. É claro que um pontificado tão breve mereceu logo dos profissionais dos mistérios e intrigas palacianas, motivo para conjecturas, gerando assim a possibilidade de venderem mais umas obras e manter em suspenso a opinião pública. Albino Luciani, de seu nome, deixou um breve legado que não permanecerá, contudo, no anonimato, na medida em que ele emergirá e permanecerá justamente como o Papa do sorriso, da simplicidade e da bondade, que encheu a Igreja de alegria e de esperança, e fez despertar alguns adormecidos "homens e mulheres de boa vontade" (João XXIII).

De Francisco, em tão pouco tempo há já tanto a dizer; e que mais surpresas ele nos fará? Para mim e para muitos, ele é uma autêntica surpresa de Deus, pois não constava nas listas dos "Papabili", é um verdadeiro "furacão" que veio confirmar o Concílio Vaticano II como bússola para o caminho que a Igreja deve trilhar decididamente, e que insiste em que, ela (Igreja) para ser credível junto dos homens e mulheres deste tempo, não precisa de estar sempre à procura de "inimigos" para se justificar nas suas posições, mas, antes pelo contrário, necessita de se envolver no meio do Mundo, qual fermento e sal, sem ter medo de se aproximar das "periferias", nem de dizer o que pensa de forma destemida, mesmo que seja contra aqueles que, como diz Jesus no Evangelho: "não entram nem deixam entrar". Já o Papa Bento XVI, aliás, quando esteve em Portugal (2010), disse, para quem o quis ouvir que: "muitos dos problemas da Igreja não estão fora, mas dentro dela." Espero e desejo que o "Efeito Francisco" continue a cumprir a sua missão de acordar, interpelar e conduzir pelos caminhos da conversão e da renovação, as pessoas, instituições e estruturas da Igreja, sobretudo, as mais cristalizadas, profissionalizadas e superficializadas…


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 267, 11 de Julho de 2014