Há cinquenta anos um dos documentos mais importantes do Concílio Vaticano II, a Constituição Gaudium et Spes (GS), sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, afirmou lapidarmente no seu nº 1: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração."
Esta afirmação é o sinal claro, a linha orientadora que a Igreja, e os cristãos enquanto pessoas, sempre devemos seguir, ou seja, a defesa intransigente do ser humano, da sua dignidade e dos seus direitos. Na verdade, apesar do Cristianismo não se reduzir a um Humanismo, deve sê-lo por exigência fundacional, embora um humanismo aberto ao transcendente. É esta a mensagem nuclear de Jesus no Evangelho e, por isso, deverá ser sempre o caminho a seguir pelos seus discípulos.
Parafraseando o Papa Bento XVI aquando da sua última visita à Alemanha, que afirmou que "onde há Deus há futuro", penso ser justo dizer que, onde o ser humano for defendido e os seus direitos garantidos, há futuro... Não esqueçamos como os atropelos feitos à vida de tantos seres humanos, vítimas de ideologias anti-humanistas, no nosso vizinho século XX, geraram milhões e milhões de vítimas e lacinaram o mundo, deixando nele marcas profundas que prevalecerão e nos devem indicar um caminho a não prosseguir nunca mais.
Os tempos que vivemos actualmente são diferentes, mas marcados também por grandes contradições: por um lado, há cada vez mais capacidade de proteger o ser humano, cuidar da sua saúde, prolongar a sua vida, criar condições para que viva com mais dignidade, denunciando os atropelos à mesma; por outro, são cada vez mais refinados e persistentes os atentados à sua vida e direitos, às vezes disfarçados sob a capa de democracia, outras vezes ainda, é mais prosaica e grosseira a manipulação da vida humana e os consequentes atentados contra a mesma. Necessitamos de estar atentos, os cristãos e todos aqueles que fazem do ser humano a sua causa existencial. Se é verdade que os cristãos cometeram erros, pecados contra a vida humana, é justo que esses factores sejam denunciados e chamados pelos seus nomes. Não é por acaso que durante o Jubileu do Ano 2000 o Papa João Paulo II, por várias vezes, pediu perdão pelos pecados dos cristãos e da Igreja ao longo dos séculos, atitude não compreendida por muitos, mesmo dentro da Igreja. O reconhecimento dos pecados, a reparação, e a mudança de vida são atitudes que devem caracterizar o ser cristão, pois só a verdade liberta.
Já não são aceitáveis, porém, as críticas fruto da mentira, da manipulação, da demagogia, ou dos projectos de grupos de pressão incomodados com a Igreja, para quem o vale tudo é norma e prática habitual. Os fins não justificam os meios, diz este princípio clássico, mas sempre actual e válido. Apesar de não ser um exclusivo nosso, devemos procurar vivê-lo e propô-lo como referência obrigatória para qualquer pessoa que procure viver com rectidão, a começar por aqueles que têm mais responsabilidades nos diversos âmbitos da vida da Sociedade e da Igreja, naturalmente.
Porque estamos no início de um novo ano, porque não aproveitamos para fazer um exame de consciência da nossa vida, reconhecendo as nossas culpas, e invertendo o rumo daquilo que em nós está errado? Certamente muita coisa mudaria, para melhor! Ano Novo, Vida nova.
Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 238, 10 de Fevereiro de 2012