sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Mais responsáveis uns pelos outros


Talvez nunca como hoje o ser humano tenha tido a capacidade de ler e interpretar o passado, aprendendo com ele se tal foi o caso, e prever e condicionar o futuro, in­ vertendo procedimentos e alterando sucessivamente as perspectivas. Isto quer dizer que somos muito mais responsáveis pelo presente e pelo futuro, em diferentes níveis e áreas, do que os nossos antepassados; e esta é mais uma das grandes vantagens da globalização e desta mais recente revolução industrial em curso.

Se olharmos para o nosso Mundo, o horizonte que se abre diante de nós é fascinante, mas igualmente comprometedor, se de facto não tivermos medo de mergulhar na realidade e de querer intervir e transformar positivamente o status quo reinante, onde encontramos situações perfeitamente contraditórias e absurdas, de país para país e mesmo dentro do próprio país. Deambulamos entre as viagens espaciais, a descoberta de novos planetas e sistemas solares, e o flagelo da exploração, da discriminação, da guerra, do analfabetismo, das doenças endémicas, que há décadas já deveriam ter sido debeladas. Sob o mesmo tecto convivem ainda, infelizmente, o excesso alimentar e o desperdício, e a escassez daquilo que de mais básico é considerado em termos alimentares. No entanto, conhecedores de tudo isto, poderíamos e deveríamos fazer mais, muito mais, pois há alimentos suficientes para satisfazer todas as necessidades, e meios de os fazer chegar onde é necessário com rapidez. Não basta, porém, saber; é preciso querer e comprometer-se, pois as boas intenções e as boas palavras não são suficientes para resolver, de facto, os problemas reais das pessoas concretas.

Porque a história é um devir contínuo e nós não surgimos por geração espontânea, todos somos de certo modo herdeiros daquilo que nos foi legado pelas gerações que nos precederam, do bem e do mal, do que contribuiu para evolução da espécie humana e, em certos casos, da involução ou retrocesso da mesma. Não devemos, contudo, correr o risco de julgar com os nossos critérios actuais, o que teve o seu contexto espácio-temporal próprio, e que naturalmente, condicionou e orientou pessoas e acontecimentos num determinado sentido. Também nós estamos sujeitos ao juízo das gerações que nos sucederão e que poderão olhar para nós criticamente e concluir que, apesar de todos os meios de que dispomos, pouco fizemos para esbater e anular as desigualdades e injustiças gritantes que continuam a abater-se sobre tantos dos nossos contemporâneos.

É claro que talvez não esteja nas nossas mãos, individualmente falando a resolução dos grandes flagelos que afectam a humanidade, mas isso não é argumento que possa justificar a nossa indiferença, desinteresse, ou recusa de fazer algo de concreto em favor do nosso próximo. A história ensina-nos, entre outras coisas, que as pessoas fazem toda a diferença e quando nós queremos e nos envolvemos, algo à nossa volta pode ir mudando e isso pode ser o início de uma cadeia de transformações que tudo pode alterar, para melhor, pois, para pior não vale a pena; já basta o que temos.

Uma vez que estamos ainda no início de um novo ano, que tal olharmos para dentro de nós e à nossa volta, e tentarmos perceber aquilo que está ao nosso alcance e que pode contribuir para a mudança positiva deste nosso Mundo e do mundo que nos rodeia?

Não vamos esperar que sejam os outros, como às ve­zes dizemos, a tomar a ini­ciativa, vamos começar nós, hoje mesmo, agora!


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 286, 12 de Fevereiro de 2016