O tema da humildade aparece, explícita ou implicitamente, em alguns textos que tenho escrito para o Ecos, porque considero que ele é, infelizmente, para muitas pessoas, um ilustre desconhecido, mas de grande importância para a solução de imensas questões com que nos deparamos todos os dias, e em diferentes âmbitos da vida.
Uma verdade lapaliciana que a humildade nos ensina, é que não sabemos tudo, pelo contrário, sabemos muito pouco, e é infelizmente mais aquilo que desconhecemos, já dizia o sábio filósofo Sócrates.
Diante desta evidência, pelo menos para mim, a conclusão óbvia é que só podemos honestamente progredir se reconhecermos as nossas limitações. É esta, aliás, uma das conclusões que podemos tirar do progresso humano: sempre que avançamos, e temos dado passos de gigante, em amplos sectores, vamo-nos apercebendo dos caminhos sempre novos e desafiantes que se vão desenhando à nossa frente. A humildade é, por isso, também um sinal claro de inteligência.
Se, pelo contrário, eu considero que já sei tudo, que nunca me engano, e analiso tudo e todos a partir de mim, como se eu fosse a referência e o modelo incontornáveis, parto de um pressuposto errado, logo, as conclusões só podem ser, erradas! A partir desse erro passarei a organizar a minha vida, a encarar os outros e o mundo, não como eles são em si, mas como eu, na minha subjectividade, os imagino e avalio.
A humildade poderia/deveria, pois, ser aplicada a um sem número de situações, das quais recordo apenas algumas:
- Quantos problemas entre casais, e entre pais e filhos se resolveriam, se cada um reconhecesse os seus erros, sem procurar desculpar-se culpabilizando o outro?
- Quantas questões familiares, por exemplo heranças e afins, quantos conflitos profissionais, seriam solucionados antes de chegarem aos Tribunais?
O caminho que a humildade nos propõe exige esforço, sacrifício, vontade de mudança, mas o seu resultado compensa, e os seus frutos podem ser imensos e bem visíveis.
O tema da humildade é omnipresente na mundividência cristã: Cristo assumiu-a na sua encarnação e na Cruz, e propõe-na como caminho para os seus discípulos. Sem humildade não se cresce na fé, na esperança e no amor, pois, quanto mais me vou apercebendo das minhas imperfeições, mais devo sentir em mim os apelos à mudança. Para os católicos, em especial, convém lembrar que, sempre que celebramos a Eucaristia, afirmamos que pecamos "muitas vezes por pensamentos, palavras, actos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa..." A fé, na medida em que nos leva a Deus, o Santo dos Santos, e O traz até nós, deveria tornar-nos forçosamente mais humildes, uma vez que à luz da Luz as "nódoas" são mais visíveis. E esta é a verdade da nossa humana condição: pecadores, mas filhos, profundamente amados pelo Pai.
Que a Quaresma deste ano nos desafie e nos ajude a exercitarmo-nos nos caminhos exigentes mais autênticos da humildade.
Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 239, 09 de Março de 2012