segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Distinguir a Verdade da minha verdade


A proximidade das Eleições estimula-me a escrever algumas linhas sobre este tema, visto ser este um tempo fértil em noticias, muitas promessas e compromissos (ou pseudo), e as inevitáveis sondagens, nem sempre isentas e criteriosas, e algumas vezes encomendadas.

A Democracia foi de facto, uma grande conquista da Humanidade e, apesar de vivermos no Século XXI, continua a ser ainda miragem para muitos povos, talvez a maior parte da família Humana A realidade das democracias é muito diferente, de Continente para Continente e, às vezes, até de País para País. A simples transposição de modelos, sem que haja um esforço de conhecimento e encarnação nas distintas realidades, é um erro que deve ser evitado, pelas falsas expectativas geradas e consequentes desilusões, e pelos efeitos perversos que daí podem advir. A Democracia é um fruto que deve amadurecer, não apressadamente, mas gradual e naturalmente.

A titulo de exemplo, lembremo­-nos da mais jovem Nação do Mundo: o Sudão do Sul. Logo após ter conquistado a independência o País resvalou para uma luta fratricida, que dura vários anos, com consequências dramáticas' para milhões de pessoas. Olhemos também para a realidade de alguns Países em que, sem experiência democrática, a maioria vencedora permitiu ou mesmo fomentou manifestações de hostilidade, marginalização e perseguição contra os vencidos e as minorias. Em largas zonas do Mundo, a porta que a Democracia abriu para muitos povos, pode vir a ser consecutivamente fechada por aqueles que pretendem servir-se dela apenas para o acesso ao poder. A Democracia pode, pois, tomar-se, em vários contextos geopolíticos, apenas um meio e porventura nunca um fim. Temos disso vários exemplos na cena política internacional.

Ao olhar para o nosso País nestes dias de campanha eleitoral, sinto dentro de mim o apelo a dizer a todos os cidadãos que não se esqueçam de exercer, com verdade e respeito, a missão de participar e escolher aqueles que melhor poderão essa nobre missão. Sim, a Política não pode ser mera opção profissional, "tacho" ou bóia salva-vidas para quem não tem mais nada que fazer; pelo contrário, ela deve ser uma vocação, uma opção de vida, para quem pretende estar ao serviço da comunidade e, no serviço, contribuir efectivamente para melhorar a vida das pessoas e transformar as sociedades. O Papa Francisco insiste muito na importância do discernimento, o qual nos permitirá separar o trigo do joio, a Verdade da minha verdade, o essencial do acessório. A Democracia precisa e agradece a participação de todos os cidadãos, pois todos somos importantes e fazemos falta na edificação de melhores sociedades.

Nesta linha de pensamento, a abstenção é uma forma de não as-sumir como a tarefa de mudar o que achamos estar mal ou menos bem e, as altas taxas de abstenção, só contribuem para minar a credibilidade da Política e dos Políticos, levando ao afastamento das pessoas e entregando de bandeja o poder a minorias, tantas vezes demagogas e populistas, para quem vale tudo para tomar de assalto o poder.

Proponho a quem quiser, sobretudo, aos que optaram pela Política, que leiam a Carta que o Papa João Paulo ll escreveu para o Jubileu dos Políticos, no ano 2000, e que conheçam o Padroeiro que lhes propôs: S. Tomás Moro. Em tempos de implantação do Anglicanismo como Religião de Estado, ele preferiu sacrificar a própria vida, às suas convicções e à fidelidade à sua consciência e, por isso, mereceu o título de "Homem para a eternidade".


in Ecos de Grândola, nº 330, 11 de Outubro de 2019