domingo, 24 de maio de 2020

Quanto vale a vida humana?



quase um lugar-comum afirmar que “o importante são as pessoas”, não os números. Mas, será assim tão óbvio e universalmente indiscutível? Quanto vale a vida humana?

Esta é a pergunta que me tem acompanhado, num tempo em que a pandemia é tema omnipresente, e onde, não raro, as preocupações de caráter económico emergem como prioridade, relegando a vida humana para um humilhante papel secundário.

A minha perplexidade aumentou ao assistir às declarações de pessoas com responsabilidades governativas, arrogando-se o direito de previamente decidir quem everia ser protegido ou abandonado, como se fossem os donos deste mundo e tivessem nas suas mãos o destino dos outros, condenando, assim, a uma morte ignominiosa, enquanto “material descartável”, os que não se podem defender. 

Não estaremos diante de um “déjà vu”, de roupagem democrática e poderoso marketing, para nos reeducar e fazer pensar  todos da mesma forma: materialista, pragmática e indiferente ao próximo? Não será esta uma nova estirpe de darwinismo social encapotado, que nos vai conduzindo, eufemisticamente, ao espírito daquela ideologia que a ONU quis recordar, para que nunca mais se repetisse, ao fixar a data de 27 de janeiro como Dia Internacional do Holocausto?

Na verdade, preocupam-me estes sinais de insolidariedade para com a vida e o sofrimento humanos, que ameaçam encaminhar perigosamente a Humanidade para o infelizmente célebre aforismo: “o homem é o lobo do outro homem”. Por esta via multiplicar-se-ão os populismos, os niilismos, as ideologias xenófobas, os movimentos anárquicos, etc.

O reforço das democracias exigirá, pois, como resposta, o fortalecimento dos autênticos valores que encarnem a defesa da vida, da dignidade e dos direitos de todos os cidadãos, sobretudo, dos mais frágeis e marginalizados.

Conforta-me, ainda, a esperança, a humana e a cristã, que continua a ser bússola e leme para tantos homens e mulheres, e, em especial, para um crescente número de jovens, que olham para o outro, não como adversário ou inimigo, mas como irmão, igual a mim, a quem devo respeitar e amar.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 22 de Maio de 2020