Já por várias vezes fiz da crise tema destas minhas crónicas e, de novo, volto à questão por considerar que é assunto merecedor da maior atenção, pela sua grande actualidade e importância. Juntarei, contudo, um outro ingrediente sobre o qual, com alguma frequência, gosto também de me debruçar e reflectir: a verdade!
Juntei estas duas temáticas na presente crónica, porque me parece que entre elas há uma ligação profunda, pois não podem existir dúvidas da parte do cidadão comum sobre a verdade da crise e a necessidade objectiva das medidas implementadas ou a implementar. Com efeito, se o cidadão compreender a realidade da Crise e os cenários futuros que se desenharão, se não houver uma inversão de trajectória, e se não duvidar que as medidas, algumas drásticas, que importa tomar são fruto duma decisão amadurecida e baseada na verdade, aceitará com sacrifício mas com convicção as restrições que tiverem de ser implementadas.
A dúvida, a suspeição, desmobilizam e podem gerar um ambiente totalmente adverso à confiança e à responsabilidade para mudar comportamentos, assumir novas posturas, e prescindir de direitos e regalias, em favor de um bem maior.
Embora as respostas à Crise não sejam unívocas e a amplitude das respostas possa ser muito variada, uma das certezas que parece consensual é que ela, crise, é real, as suas consequências atravessam transversalmente todos os sectores da nossa vida, tem de ser enfrentada com determinação e a sua superação exige de todos um esforço comum e persistente.
Nesta linha penso ser correcta a percepção e a exigência de que, nas devidas proporções, as medidas devam comprometer todos os cidadãos e instituições, a começar pelos detentores dos cargos políticos. A superação da crise exige, pois, de quem governa ou gere uma atitude de transparência e de sentido de serviço, que ajude a debelar a desconfiança (muitas vezes fundamentada) de que não há preocupação com as pessoas e o bem comum, mas tão só interesses, particulares ou de grupo, que se manifestam no aumento exponencial da riqueza daqueles que passam pelos governos e pelas empresas com as quais o Estado tem uma relação privilegiada.
Escutemos a este propósito a voz profética e clarividente de S. Tomás de Aquino que, já no Século XIII, reclamava: "na política os melhores!" A crise exige, efectivamente, políticos e gestores que procurem viver na verdade e que mereçam a nossa confiança e adesão, mas exige também que todos nós cidadãos vivamos na verdade, e na verdade encontremos caminhos para sair da crise e construir um futuro mais consistente e radioso para os próximos anos e para as gerações que nos sucederão.
A nossa história secular prova do que fomos capazes em situações bem mais difíceis do que esta. Basta regressarmos às primeiras décadas do Século XX, para compreendermos que, se fomos capazes de superar o estado caótico a que chegámos nesse período, decerto teremos capacidade de superar esta crise e outras que possam vir a declarar-se num futuro mais próximo ou remoto.
Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Ecos de Grândola, nº 236, 09 de Dezembro de 2011