domingo, 9 de fevereiro de 2020

Arte sacra


Único Museu de Grândola, já foi visitado por 33 mil pessoas

“Estamos quase a atingir o objetivo de o tornar num museu concelhio, com peças representativas de todas as freguesias”, diz Manuel António do Rosário, pároco de Grândola e principal dinamizador da recuperação do património eclesiástico do concelho, sobre o Museu de Arte Sacra. O único integrado na rede e aberto ao público.

O Museu de Arte Sacra de Grândola, instalado na igreja de São Sebastião e inaugurado em 23 de agosto de 2011, regista um total de 33 mil visitantes nestes oito anos de funcionamento ininterrupto, sendo a única estrutura integrada na rede regional e aberto ao público. Manuel António do Rosário, pároco de Grândola, estabelece como objetivo tornar o museu representativo de todo o concelho através da exposição de peças, faltando para isso “a freguesia de Melides, de onde procuramos criar as condições para trazer um sino medieval, e ficamos impossibilitados de representação do Carvalhal, freguesia com poucos anos e que ainda nem dispõe de igreja”. 

O padre Manuel António do Rosário realça que “ao nível da comunidade cristã não quisemos ter uma atitude egoísta, guardando e reservando as peças, e optámos por mostrá-las, conseguindo assim recuperar o orgulho na necessária recuperação
do património”. O trabalho desenvolvido em mais de uma década, realça o eclesiástico, “só foi possível pela participação e contributo de cidadãos, muitos procurando ficar no anonimato, empresas, mas, essencialmente, pela contribuição decisiva do município e das juntas de freguesia”.

E o museu abre hoje as portas da pequena igreja de São Sebastião, no centro da vila de Grândola, apresentando peças das paróquias de Grândola, Santa Margarida
da Serra, Azinheira dos Barros e Lousal, num percurso que representa também os 500 anos de vida do concelho.

O Museu de Arte Sacra é a face visível do investimento, calculado em mais de 500 mil euros, realizado pela paróquia na recuperação do património religioso do concelho de Grândola, desde logo na igreja Matriz, na sede de concelho, “começando pelo telhado, pela capela de São Miguel e das Almas, e avançando para os altares, capela-mor e criando o núcleo de paramentos, com o seu inventário e exposição a toda a comunidade, de forma rotativa já vamos na décima coleção exposta”, frisa Manuel António, com visível orgulho no trabalho desenvolvido, e afirmando assim a qualidade do espólio. O arquivo histórico paroquial está disponível na rede, instrumento que a paróquia utiliza para a divulgação das diversas iniciativas que organiza, demonstração da abertura e utilização prática dos novos meios de comunicação.

O trabalho da paróquia abrangeu intervenções na “joia da coroa”, a igreja de Santa Margarida da Serra, entretanto classificada, localidade que passou a integrar a freguesia de Grândola, perdendo a sua autonomia na recente reorganização administrativa, comunidade de cerca de 100 almas residentes, onde o padre Manuel António celebra missa uma vez por mês com a igreja cheia. “Há muitas pessoas que residem noutras localidades e que aproveitam esse dia para regressarem à aldeia e visitarem a família ou tratarem das casas”.

A capela de Nossa Senhora da Penha, que dá nome às festas anuais no mês de maio, também já sofreu diversas intervenções, aguarda a disponibilidade financeira para outras, enquanto decorre também o processo de classificação. As igrejas de Azinheira dos Barros, com a envolvente, do Lousal e do Viso, também foram alvo de intervenções de recuperação.

O pároco Manuel António sublinha que “o património religioso de Grândola permite ter a ideia de uma comunidade cristã, católica, com grande poder económico ao longo dos séculos”, apontando a ideia de que a globalização não é de hoje. “Numa pequena capela rural, no Viso, freguesia de Azinheira de Barros, fomos encontrar uma peça de Malines, do final do século XV, princípio do XVI. Subjaz uma relação diferente, mesmo que atravessando dificuldades, para a dedicação a Deus procura-se o melhor”.

A paróquia está a fazer um trabalho para o futuro e no concelho um dos passos futuros e importante “é a construção da igreja do Carvalhal, localidade que não tem um espaço para a comunidade cristã. Por parte da diocese não há qualquer óbice à sua construção, a paróquia está criada, já existe o projeto, só falta o terreno. Após todas estas fases, são necessários seis meses para a construção”.

A freguesia do Carvalhal foi criada há pouco mais de 20 anos e a localidade nasceu com a fixação de colonos para ali deslocados para a plantação de arroz na herdade
da Comporta, durante, principalmente, na segunda metade do século XX. A Revolução de Abril trouxe o crescimento, a criação da freguesia, uma alteração ao nível do uso urbano (os plano de urbanização elaborados a partir da aprovação do PDM em 1996 permitiu que áreas urbanas passassem para o domínio municipal e permitissem a fixação de população, em particular de jovens), conhecendo também o crescimento do turismo. Alterações que produziram novos quotidianos na freguesia, novas realidades e oportunidades. Não é do conhecimento geral que a freguesia do Carvalhal integra a península de Troia, um dos locais mais apetecíveis da atividade turística em Portugal, pertencendo-lhe ainda a maioria dos 45 quilómetros de praia do concelho de Grândola.

Como é trabalhar numa localidade marcada pela Revolução de Abril? O padre Manuel António do Rosário explica: “Não temos quaisquer problemas em trabalhar numa terra marcada pela revolução, a participação da comunidade tem aumentado na última década. A nossa obrigação, enquanto pastor, é ir ao encontro das pessoas, sem impor a fé mas levando a palavra de Deus. Grândola é neste momento uma das mais importantes comunidades da diocese”.

Para a afirmação da Igreja Católica no concelho de Grândola é reconhecido o trabalho do padre Manuel António e as suas qualidades enquanto cidadão. “Não ficamos, vamos ao encontro das pessoas, o território na freguesia de Grândola é disperso pelo que vamos celebrar missa em todas as povoações com alguma regularidade, sete localidades em concreto”. Outro exemplo deste trabalho é a peregrinação de Nossa Senhora da Penha, por altura das festas, a todas estas sete localidades.

O MUSEU Fundado em 2011, e com um registo de visitantes que ultrapassa os 30 mil, o Museu de Arte Sacra é o único no concelho de Grândola com um funcionamento regular de abertura ao público. Como refere o folheto de divulgação, “é um projeto que brotou da vontade desta paróquia em recuperar a sua memória histórica e identidade, retirando do baú do esquecimento algumas das suas peças mais emblemáticas, as quais, depois de restauradas e devidamente
expostas”, podem ser apreciadas pelos visitantes.

Com o objetivo de procurar apresentar uma representatividade de todo o concelho, o Museu apresenta uma exposição com peças de Grândola, Santa Margarida Serra, Azinheira de Barros e do Lousal, acompanhadas de algumas pertencentes à coleção da Santa Casa da Misericórdia.

O conteúdo expositivo divide-se por núcleos, ocupando todo o espaço da pequena igreja de São Sebastião, localizada numa zona pedonal do centro da vila de Grândola.

A exposição abre com peças de joalharia de um local emblemático de Grândola, a ermida de Nossa Senhora da Penha, situada num alto da serra de Grândola, e que dali domina a vila e grande parte do concelho, em especial, o território a nascente, norte e sul. Só a praia lhe fica escondida. Do conjunto é de sublinhar a peanha que transportava a imagem da Senhora da Penha nas procissões, intitulada Fons Vital, uma peça de influência indo-portuguesa.

Da igreja de Santa Margarida da Serra estão patente ao público peças em prata e algumas alfaias litúrgicas, enquanto ao centro sobressai “um vistoso missal romano, forrado a veludo vermelho e reforçado a prata, ostentando as armas da Ordem de Santiago”.

Em matéria de estatuária, além das duas imagens de Santa Margarida da Serra, Nossa Senhora da Saúde e São José com o Menino, realce para uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, acompanhada de duas imagens do Menino Jesus. Nossa Senhora das Dores, São Sebastião e São Domingos são outras representações expostas e ainda de um santo papa.

Ao entrar na sala de exposição somos dominados pela pintura de São Jorge combatendo o dragão, uma peça contemporânea, escolhida para ex-libris do museu, originária do Lousal, antigo complexo mineiro localizado na freguesia de Azinheira de Barros, disponibilizada pela antiga empresa concessionária da mina.

No corpo e nas paredes do museu destaque para uma arca com as armas da Ordem de Santiago, de forte influência nos concelhos do litoral alentejano, um oratório com um Cristo na cruz e algumas peças que, oriundas da igreja Matriz, terão pertencido a outras igrejas e conventos destruídos outrora.

Da antiga igreja da Misericórdia, totalmente destruída no início do século XX, local onde hoje se encontra a sede da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, chamada de Música Velha, e o cineteatro municipal, encontra-se exposto um cálice-custódia, em prata.

Na sacristia está instalado o último núcleo com peças de materiais e linguagens, conforme se lê no folheto distribuído ao público para acompanhar a visita, nomeadamente, um véu de ombros, de influência indo-portuguesa, uma bula com a instituição da Confraria do Santíssimo Sacramento, na igreja Matriz, outrora dedicada a Nossa Senhora da Bendada, documento contemporâneo da criação do concelho. Neste espaço estão ainda expostas as varas da Confraria do Santíssimo Sacramento e um conjunto de cruz processional e lanternas.

O Museu de Arte Sacra de Grândola procura, peça a peça, expor a riqueza de uma comunidade católica que tem acompanhado a história de mais de 500 anos do concelho. E que conhece uma maior e outra dinâmica na última década.

Satisfeito? “Estou, mas o fundamental é a apropriação que a comunidade fez do trabalho desenvolvido, não só na recuperação do património, pela Igreja Católica no concelho”, realça o pároco de Grândola.


Texto Rafael Rodrigues Foto Paula Miranda
in Diário do Alentejo, 06 de Dezembro de 2019