
discussão em torno da eutanásia motivou-me a escrever estas linhas, como meras notas portadoras de inquietações pessoais:
1. A defesa da vida humana não é, nem pode ser, exclusivo dos crentes, cristãos ou de qualquer outra confissão religiosa; é antes, e acima de tudo, uma questão de humanidade. Quem acredita tem, contudo, razões acrescidas para defender a vida.
2. Nesta, como noutras questões, é fundamental o equilíbrio entre subjetividade e objetividade, sob pena de tudo ser justificável, pois, como diria Kant: “A minha consciência é deus em mim”; nunca se engana.
3. É inegável, em muitas matérias, um potencial conflito entre lei e ética, ou entre lei e consciência e, por isso, a objeção de consciência é um direito que assiste aos cidadãos, e que o Estado deve garantir.
4. O setor da saúde é essencial, complexo e sensível, e, por isso, sujeito a críticas, com ou sem razão. Há, contudo, que reconhecer que o Serviço Nacional de Saúde é uma conquista inegável, que veio democratizar e generalizar o acesso à saúde. Há, no entanto, áreas que exigem uma maior atenção, quando se pensa na eutanásia: cuidados continuados e, sobretudo, cuidados paliativos. Temo que a insuficiência de respostas nestes setores possa potenciar a solicitação da eutanásia.
5. A sociedade deve garantir a protecção aos mais frágeis e desamparados, aos que não se podem defender e/ou não têm quem os defenda. Nesta linha, o papa Francisco tem alertado para a “coisificação” da vida humana, com frequência tratada como “objeto de descarte”.
6. Sem questionar as intenções do legislador, seja ele quem for, os dados existentes sobre países que liberalizaram a eutanásia, nomeadamente, Holanda e Bélgica, permitem interrogarmo-nos, quanto ao futuro, se a “rampa deslizante” não será apenas uma questão de tempo.
7. Como ser humano, fico deveras preocupado, perplexo até, com os paradoxos desta nossa sociedade: nunca, como hoje, soubemos tanto sobre o Homem, tivemos tantos meios ao nosso alcance para melhorar, tratar ou curar doenças, criando as condições para se viver e morrer com dignidade, e, contudo, as opções que se vão fazendo são de sentido oposto.
Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 28 de Fevereiro de 2020