domingo, 28 de julho de 2019

Não se ama a Deus em abstracto


A encarnação de Jesus é um facto essencial na fé cristã e inexplicável humanamente falando. Com efeito, nós que já éramos a obra-prima de Deus, criados “à Sua imagem e semelhança”, em Jesus, que assumiu a nossa humanidade, passámos a ser filhos bem-amados de Deus. S. Paulo dirá que somos: “filhos no Filho”. Mas, não o esqueçamos, além de filhos somos também irmãos. Estas duas dimensões devem estar presentes não só na memória, mas sobretudo na vida.

No Evangelho do Bom Samaritano, que escutámos há dias, esta mensagem aparecia com toda a clareza: o Doutor da Lai, o Sacerdote e o Levita sabiam, decerto, que os Mandamentos incluíam estes dois amores (a Deus e ao próximo) e Jesus insistiu várias vezes na exigência da sua ligação: “faz o mesmo”; “vive”; “pratica”,…

Creio que é este humanismo que deve ser uma das marcas distintivas do cristão. O Papa e Santo Paulo VI dizia que a Igreja era “perita em Humanidade”, logo, nós cristãos deveríamos estar na primeira linha da defesa do ser humano, sobretudo, dos mais pequenos, frágeis, marginalizados e abandonados. Não podemos ter a pretensão de ser os únicos, mas devemos esforçar-nos por ter o Homem sempre no centro das nossas prioridades e da nossa vida e acção pastoral.

O amor a Deus torna-se real no amor ao próximo, porque, amar a Deus, ou melhor, dizer que O amamos, é muito fácil; prova-lo é bem mais difícil. A sua confirmação passa pela vivência do segundo mandamento, que Jesus diz ser “semelhante ao primeiro”. O que credibiliza a Igreja e o testemunho cristão é este amor, reflexo e confirmação de uma autêntica fé e amor a Deus. S. João di-lo com toda a clareza: “quem diz que ama a Deus que não vê e não ama o seu irmão que vê, é mentiroso”.

A espiritualidade cristã deve, por isso, se plenamente encarnada, humana, não se confundindo com uma mera abstracção da mente, fuga do quotidiano, esquecimento das ocupações. A verdadeira espiritualidade manifesta-se numa mais perfeita humanidade, testada em pessoas e situações reais e concretas. Recordo-me, a este propósito, de uma revista de expansão mundial, ter considerado, há uns anos, a Madre Teresa de Calcutá uma das pessoas mais influentes do século XX; a razão é evidente!

Creio que os tempos que vivemos, e este Papa que o Senhor nos concedeu, constituem um verdadeiro desafio a que não sejamos meros repetidores de palavras (que o vento leva), que não convencem ninguém, antes podem desiludir e afastar, levando a outras procuras e opções religiosas ou humanas. Ser Bom Samaritano pode bem ser o exemplo, que quem procura Deus espera encontrar em nós cristãos, pois, não se ama a Deus em abstracto. Se Jesus encarnou, este é o caminho que nós devemos seguir.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Notícias do Alentejo, 25 de Julho de 2019



O divórcio entre a Fé e a Vida


Há uns anos fiquei tocado e fui profundamente interpelado por esta frase, proferida pelo “Bom Papa” S. João XXIII, nos já longínquos anos 60. Dizia este extraordinário Pastor: que o maior escândalo dos “nossos tempos” era o divórcio entre a Fé e a Vida dos cristãos.

Ao longo dos anos tenho reflectido muitas vezes nesta frase e nas suas consequências, se, de facto, a levássemos a sério. Decerto teríamos uma Igreja bem diferente, uma Igreja como o Papa Francisco deseja, na linha do Concílio Vaticano II, o grande “Sinal” de Deus para os nossos dias:


- Uma Igreja que viva a alegria da Fé, que anuncie Cristo e não a si própria, e que tenha no Homem real, concreto e histórico, o caminho a seguir;

- Uma Igreja-comunhão, de irmãos, marcada pela corresponsabilidade e participação, mais próxima e acolhedora, demarcando-se definitivamente da estrutura piramidal, pré-conciliar, que poderia, hoje, tornar a Igreja uma mera “peça de Museu”;

- Uma Igreja empenhada na evangelização, em chegar. Ao caso da nossa Diocese, às 97, 96, 95, 94 “ovelhas” que estão fora do redil, e menos preocupada com questões menores e superficiais;

- Uma Igreja que não tem medo dos que “estão fora da Igreja”, antes olha para eles como pessoas a quem Deus ama e que se devem também sentir desejados nas nossas Paróquias, Serviços e Movimentos, particularmente, os que se encontram nas periferias humanas e existenciais;

- Uma Igreja misericordiosa, capaz de ser “um Hospital de Campanha”, num Mundo cheio de sofrimento e carente de sentido e de Deus;

- Uma Igreja menos preocupada em julgar farisaicamente, com base na objectividade, esquecendo a pessoa, a sua intenção e finalidade, e as circunstâncias que a rodeiam;

- Uma Igreja na qual o pastor é um servidor, que procura amar e entregar-se generosa e abnegadamente, àqueles que lhes estão confiados, recusando assumir o papel de funcionário, carreirista, que só atende ao horário previamente estabelecido;

- Uma Igreja mais empenhada em chegar aos jovens, não só com uma nova linguagem, mas, sobretudo, com uma nova forma de estar na vida e testemunhar o Evangelho;

Termino com outra frase do grande Papa e Santo Paulo VI: “o nosso Mundo tem mais necessidade de testemunhas do que de mestres, e só aceita os mestres se eles, antes, forem testemunhas”.

Manuel do Rosário
in Notícias do Alentejo, 11 de Julho de 2019



domingo, 21 de julho de 2019

O ovo ou a galinha?


o ouvir as diversas tentativas de leitura e explicação das possíveis causas da altíssima taxa de abstenção nas eleições europeias, veio-me à memória a célebre frase: quem vem primeiro, o ovo ou a galinha?

A verdade é que nenhuma das explicações me convenceu cabalmente, e não há dúvidas de que a abstenção foi o partido mais votado e com maioria absoluta. Escolher não escolher só enfraquece a democracia, a qual, apesar de todas as suas imperfeições, continua a ser o sistema que trata os cidadãos por igual, pois não há votos de qualidade. A cada pessoa corresponde exatamente a mesma responsabilidade de edificar a res publica.

É, por isso, fundamental investir numa cultura que favoreça o sentido crítico, que ajude a refletir sobre os erros, para evitar que os mesmos se voltem a repetir.

Nesta linha, uma das práticas que mais aprecio na fé cristã é o exame de consciência. Este permite-nos mergulhar dentro de nós mesmos, perceber os nossos erros e mudar, sem procurar justificações, que só servem de consolo, mas que não se traduzem em alteração alguma.

É o que acontece ao doente que, ao não assumir a doença e a necessidade de se tratar, vê a sua situação agravar-se dia após dia.

A desvalorização deste direito/dever em alguns países contrasta com a realidade da sua ausência numa percentagem significativa da população mundial. Na verdade, a maior democracia é a Índia, mas o mais populoso país é a China. Pensemos também nas várias ditaduras que prepotentemente não permitem que os cidadãos tenham todos a mesma dignidade e o direito de exercer a cidadania.

Se é verdade que a democracia não se esgota no ato de votar e supõe outras formas criativas de intervir e melhorar a sua qualidade (papa João Paulo II), não votar é demitirmo-nos das nossas responsabilidades coletivas.

A democracia constrói-se com a participação dos cidadãos. 

Votemos! Não permitamos que minorias ideológicas e extremistas preencham o vazio deixado pela abstenção.


Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Diário do Alentejo, 12 de Julho de 2019



Prudência e Perseverança


dias, ao pensar nas oscilações atmosféricas e no conjunto das transformações que estão a afectar e a desequilibrar o meio ambiente e a natureza em geral, veio-me à memória uma palavra, que é uma das quatro virtudes cardeais, logo, das mais importantes, já desde Aristóteles (pelo menos): refiro-me à Prudência.

Prudência não é sinónimo de passividade, pois esta pode gerar a indiferença, criando em nós uma espécie de segurança que nos torna quase inócuos a qualquer tipo de afirmação, o que é negativo, porque nos retira energia, e anestesia em relação às diversas realidades do Mundo em que nos integramos.

A ausência da Prudência leva a que facilmente caiamos em afirmações às quais faltam, muitas vezes, consistência e até conteúdo científico, e podem gerar alarmismo. Como estamos no tempo das Redes Sociais, estas multiplicam num ápice este tipo de informações e afirmações (já não lhes chamo sequer Fake News).A Prudência, pelo contrário, considerada uma virtude maior pelos clássicos, é capaz de gerar em nós uma sã inquietação, que nos vai modelando e pode impedir de cairmos em atitudes extremistas, nas quais é tão fácil "escorregar", dando-nos inclusivamente uma capacidade de encarar o futuro com um olhar confiante e até profético.

Ligada à Prudência uma outra virtude chamada Perseverança, que bem poderia ser o seu complemento, pois, num contexto marcado pelo imediatismo, é fácil reagir como os foguetes: depressa o belos e chamam a atenção, mas também rapidamente desaparecem. O imediatismo pode ainda conduzir-nos à perda de memória, à indiferença, quase ingratidão, em relação a Deus e aos outros, pois, só interessa o momento, a solução tipo self service, descartável que se usa e deita fora, passando, quase sem reflexão ao episódio seguinte. A perseverança, pelo contrário, faz-nos mais reflexivos e a sua continuidade.

Estas duas virtudes serão para muitos, contra-corrente, mas a verdade é que é preciso, cada vez mais, exercer o discernimento nesta Sociedade, aprendendo a educar-nos e a usar com sagacidade o sentido crítico. A globalização, com efeito, tende a esbater as diferenças e a normalizar-nos, como se fizéssemos parte duma linha de montagem, retirando-nos as nossas especificidades e ameaçando tomar-nos episódicos, inconsistentes, acríticos. É isso que muitos querem e para isso trabalham Precisamos de estar atentos, sobretudo os mais jovens, pois, são aqueles que, sem se aperceberem, são facilmente manipuláveis por gente que vive e vende esta norma de vida: Vale tudo. Esta é uma postura falaciosa, embora aparente ser rebelde e inconformista. É preciso não esquecer que a aparência é uma das 3 tentações, juntamente com o Ter o Poder.


Vale pena remar contra a maré, quando esta não é autêntica, mas antes é comandada e conduzida por objectivos duvidosos e pré-definidos!


in Ecos de Grândola, nº 326, 12 de Junho de 2019



Festas em Honra de Nossa Senhora da Penha 2019 - devoção, emoção e forte adesão dos grandolenses



Decorreram entre os dias 04 e 31 de maio de 2019 as tradicionais Festas em Honra de Nossa Senhora da Penha, em Grândola.

Num mês tradicionalmente dedicado às festas em honra da padroeira de Grândola, a edição de 2019 não desiludiu, tendo sido marcada pela forte adesão da comunidade em geral. A grande preocupação da organização (Paróquia) é, obviamente, em cada ano, favorecer os momentos de contacto entre a imagem de Nossa Senhora da Penha com a população da freguesia de Grândola e Santa Margarida da Serra. Para tal, a imagem é trazida desde a Ermida, na Serra da Penha, até à vila, em cortejo automóvel sendo esse momento que marca o início das. Nesse sentido, a Paróquia tem feito, na figura do Padre Manuel António Rosário, um enorme esforço para que a imagem possa visitar o maior número possível de bairros e aldeias da freguesia, onde é recebida com grande entusiasmo pela população local, havendo ainda, lugar, por vezes, a Eucaristia.

Além dos momentos de oração e de cortejo, estas Festas também incluem espetáculos musicais em todos os fins-de­-semana de Maio, e em que se privilegia as actuações de grupos/músicos locais – canto coral, cante alentejano, grupos de violas da Paróquia, folclore, música popular, etc. Uma nota para a noite de fados que trouxe novamente a Grândola dois grandes nomes do Fado, os músicos Custódio Castelo (Guitarra Portuguesa) e Carlos Leitão (Viola) e contou com diversos talentosos fadistas, num salão de festas (do Restaurante «A Chaminé») que esgotou completamente a lotação.

Caminhadas, corridas solidárias e os tradicionais pontos altos das Festas (a Procissão das Velas e a Procissão das Rosas ou, ainda, o regresso da imagem à Ermida - o «dia em que se sobe à Penha» - no último domingo de maio são excelentes exemplos dos diversos momentos previstos no Programa e que, à ajuda de muitas pessoas, foram possíveis. Finalmente, o encerramento das festas decorreu com o concerto com o consagrado tenor português, Carlos Guilherme, a soprano Hélia Castro e o músico Jaime Branco (Órgão e Harmónio), num concerto na Igreja Matriz de Grândola, com lotação esgotada.

Estas festas mobilizaram a participação de muito público local e visitante, movimentos da paróquia e associações diversas e contaram com o apoio de inúmeros paroquianos, particulares, do Município e da Junta de Freguesia, associações locais, os Bombeiros Mistos de Grândola, a SMFOG, a GNR e a Proteção Civil, empresários locais e comerciantes que se envolveram e apoiaram a Paróquia, para que as Festas decorressem da melhor forma possível, o que se veio a verificar.

Nesse sentido, a Organização das Festas em Honra de Nossa Senhora da Penha agradece a todas as pessoas que, de forma mais ou menos direta, participaram, apoiaram e possibilitaram a concretização da edição de 2019.

Que nossa Senhora da Penha os abençoe a todos!

Paróquia de Nossa Senhora
da Assunção - Grândola



Mais uma Festa da Penha, no coração da Páscoa


Já vem sendo uma tradição consolidada, a Festa em Honra de Nossa Senhora da Penha, Padroeira secular do povo de Grândola, e este ano não foge à regra: iniciamos as celebrações no dia 04 de Maio e terminamo-las no dia 31; quase um mês de Festa.

Nestes dias intensos, há uma programação variada e que abrange todas as áreas e dimensões da vida humana: Procissões, Missas, Espectáculos Musicais (com vários estilos), Caminhadas, Cortejos, e muita muita alegria... e fé. Sim, Grândola, apesar das contingências da história, nunca esqueceu nem abandonou as sua raízes cristãs.

A Festa, e a Festa da Penha em especial, tem uma missão importante na nossa vida, ao convidar-nos a lembrar as nossas tradições, a mantermo-nos ligados às gerações que nos precederam, a não esquecermos a nossa identidade e, ao mesmo tempo a quebrar as rotinas, a sermos criativos e a desinstalar-nos dos ritmos habituais. Tudo isso tem acontecido nos anos anteriores e, por isso, é de esperar que também este ano a Festa seja esse e congregador de pessoas e instituições, gerando laços cada vez mais profundos entre nós todos.

Por outro lado, a Festa acontece em pleno coração da Páscoa, a Festa por excelência dos cristãos, e celebrar a Páscoa, é recordar a vitória da vida sobre a morte, reafirmando a certeza de que a nossa vida tem um sentido, o qual se encontra em Deus, Aquele a quem podemos chamar Pai. Nossa Senhora foi também testemunha da Ressurreição e, ao longo destes dois mil anos, sempre os cristãos encontraram formas de manifestar a Maria a sua grande admiração e de olhar para Ela como modelo a quem seguir, na certeza de que, por Ela, nos dirigimos para a Casa do Pai.

A Páscoa é também tempo de passagem, de reconciliação e, por isso, aqui fica um desafio: procuremos reparar as feridas abertas em tantas relações familiares, sociais e profissionais, e dêmos passos concretos no caminho da superação destas situações, geradoras de tanto sofrimento. Às vezes bastaria, tão só um acto de humildade, reconhecendo cada um as suas falhas, para tudo se alterar. Porque não tentar? A atitude de Maria, sempre fiel e atenta à vontade de Deus, é bem um exemplo a seguir, Ela que o Concílio Vaticano II proclamou como Mãe e Modelo da Igreja.

Boas vivências pascais e da Festa da Penha.

in Ecos de Grândola, nº 325, 10 de Maio de 2019



Ecologia Integral, Desenvolvimento Humano



Hoje em dia, quando se fala de Ecologia, o discurso centra-se preferencialmente na defesa dos animais, em especial dos que estão em vias de extinção, das plantas, da natureza em geral e, lamentavelmente, fala-se pouco do Homem. Quando se fala dele, é pelos piores motivos, ou seja, para o acusar de ser o causador destes desequilíbrios que nos afectam, e cujas consequências são já sensíveis, mas poderão vir a ser imprevisíveis e incontroláveis, num futuro próximo.

Não nego as responsabilidades humanas em muitos destes fenómenos atmosféricos, no desgelo, na poluição, na diluição e confusão das estações do ano, mas estou convencido, seguindo a Carta Encíclica Laudato Si (24 de Maio de .2015 do Papa Francisco, que é necessário apostar num novo protagonismo do Homem no seio da Criação.

Como gosta de dizer o Papa Francisco, a verdadeira Ecologia ou é humana, integral, ou não é Ecologia e, para o ser, deverá promover a centralidade do ser humano, privilegiando a defesa da sua dignidade e direitos, sobretudo dos mais frágeis e indefesos, daqueles que não se podem defender e que são, por isso mesmo, presa fácil de quem olha apenas para os seus interesses e para o “deus dinheiro”, não se preocupando com os meios para atingir os seus fins.

A resposta poderá passar também pela criação de uma nova consciência na gestão desta “Casa Comum", por uma atenção e um cuidado maiores para com o Ambiente, pela aposta prioritária num desenvolvimento sustentável, que privilegie, como gostava de dizer o Papa Paulo VI, "o Homem todo e todo o Homem·.

Falar de Desenvolvimento não é resumir-se à Economia, aos números, às coisas, é perceber que o ser humano deve estar no coração do progresso, não podendo ser reduzido apenas a uma variante, uma peça do sistema. O autêntico Desenvolvimento deve ser amigo da Natureza, mas deve ser; sobretudo, amigo do Homem. Não esqueçamos que este Mundo em que vivemos é marcado por profundas desigualdades e assimetrias: continua a morrer-se de fome, com doenças que já deviam estar debeladas; há uma tremenda falta de condições higiénicas na maior parte dos países; arrastam­se incapacidades crónicas em vários âmbitos, que facilmente poderiam estar vencidas; aumenta o fosso entre ricos e pobres, etc. Por outro lado, gastam-se rios de dinheiro em armas de destruição maciça; morre-se por obesidade e por doenças próprias das sociedades da abundância e do descarte; satisfazem-se caprichos de quem poderia, se partilhasse mais, resolver muitos dos problemas com que se debate o nosso Mundo.

Não pode haver verdadeiro Desenvolvimento, que para merecer este nome deverá ser humano, integral e solidário, enquanto a Justiça não marcar as agendas dos grande deste Mundo, e não se criarem condições para que tantas multidões famintas de alimentos e de esperança, não tenham de ser forçadas a partir sem um horizonte e sem a certeza de que chegarão a um porto seguro, para, a partir daí reconstruírem os seus projectos de vida.

Num Mundo tão desigual e injusto a Igreja, através da sua Doutrina Social, que muitos (mesmo cristãos) desconhecem, propõe um caminho de mudança, que passa pela aposta em quatro valores/pilares fundamentais: Solidariedade; Subsidiariedade; Unidade do Género Humano; Bem Comum.

Na impossibilidade de, neste espaço, os aprofundar, deixo o convite aos nossos leitores, para que procurem fazê-lo por si próprios. Prometo que voltarei a este tema noutras ocasiões.

in Ecos de Grândola, nº 324, 12 de Abril de 2019



Parceria local faz réplica de Nossa Senhora da Azinheira



A comunidade de Azinheira dos Barro nasceu de um milagre que terá ocorrido algures no século XIII, com a aparição de Nossa Senhora no topo de uma azinheira. Este milagre levou a que fosse erguida uma Igreja, ficando o altar mor no lugar da azinheira, e ali colocada uma imagem de Nossa Senhora, que se tornou a padroeira local. Esta imagem, a quem os Barrenses são devotos, nunca saiu em procissão por ser muito pesada. Porém, graças a uma parceria da Paróquia, da Junta de Freguesia de Azinheira dos Barros e da Associação Os Amigos de Azinheira dos Barros, foi feita uma réplica da Nossa Senhora da Azinheira, que agora sai em procissão na Freguesia, celebrando assim o culto centenário desta comunidade. A história local tem uma ligação profunda ao culto mariano, sendo esta a génese histórica da aldeia.


in Ecos de Grândola, nº 324, 12 de Abril de 2019



domingo, 14 de julho de 2019

Imigração no Alentejo: Problemas e Desafios



A Igreja Católica tem uma história duplamente milenar e está, por isso, habituada a enfrentar as mais complexas e diversificadas situações, aceitando-as como desafios à desinstalação, à mudança, à superação e à renovação, sempre confiando na acção e protecção de Deus e nas pessoas que Ele providencialmente vai suscitando, ao longo dos tempos, como sinais da Sua presença.

1. Os primeiros passos da jovem comunidade cristã: a expansão
Depois da Morte e da Ressurreição de Jesus a pequena comunidade cristã, maioritariamente formada por Judeus convertidos, sentiu na carne a perseguição movida pelas Autoridades Judaicas e pelo Império Romano, e muitos dos seus membros tiveram de fugir e de procurar refúgio fora da Terra Santa; levaram consigo, porém, a fé como tesouro a partilhar, semente a lançar à terra. No início, anunciavam a fé cristã apenas aos Judeus, mas, gradualmente foi aumentando o número dos não-judeus (vulgarmente conhecidos por pagãos) que batiam à sua porta, à medida que ela (Igreja) se ia espalhando e alargando por todo o Império Romano. O dinamismo, a audácia e o desassombro, eram notas características desta jovem e fervorosa comunidade.

Os cristãos tinham consciência que não pertenciam a uma elite, a um povo específico, a uma raça, e não se distinguiam das outras pessoas por viverem em bairros específicos, usarem roupas diferentes ou falarem uma língua própria (Didakhé). Eles tinham antes a consciência de que faziam parte de uma Família, na qual, como disse S. Paulo, o Apóstolo dos Gentios, em Cristo já "não há judeu, nem grego, escravo ou homem livre... Jesus veio dizer-nos que há um só Deus que a todos ama, e quer que n’Ele (Filho) também nós descubramos a nossa comum condição de filhos de Deus, possuidores da mesma dignidade. Distinguiam-se sim das outras pessoas, pelo seu modo de vida: "Vede como eles se amam", diziam aqueles que ainda não eram cristãos; e foi este o grande segredo da rápida expansão da fé cristã.

2. O Mundo Greco-Romano
O embate com o Mundo Greco-Romano foi duro, e implicou encontrar linguagem nova ou dar um sentido particular à já existente, para exprimir o essencial desta nova fé. Além do mais, os cristãos não seguiam os deuses do Império, sendo olhados com desconfiança e até desdém pelo status quo, e as perseguições não se fizeram esperar: foi impressionante a violência que se abateu sobre a Igreja, provocando um número indeterminado de mártires.

No ano 313, tudo se altera com o Édito de Milão, no qual o Imperador Constantino decretou que o Cristianismo deixasse de ser perseguido, passando gradualmente a tornar-se Religião Oficial. E, num ápice, milhões de pessoas entraram para a Igreja, engrossando as filas desta Família, formada cada vez mais por gente de todas as raças, povos, línguas e culturas, que compunham o Império Romano. Este processo acentuou-se com a integração dos povos vulgarmente conhecidos por Bárbaros, que acabaram por se tornar cristãos, numa amálgama verdadeiramente babilónica, que prosseguiu com a cristianização dos Eslavos e dos demais Povos que habitavam o Continente Europeu.

Foi o Cristianismo, com efeito, que, juntamente com a herança Judaica e a Greco-Romana, contribuíram para a formação e consolidação da identidade deste Continente a que chamamos Europa. Foi aqui que o Cristianismo ganhou raízes e daqui se projectou para os outros Continentes, chegando todos os povos, raças e línguas, tornando possível um verdadeiro encontro de culturas e uma fecunda inculturação da fé cristã, que assim se foi enriquecendo e tornando verdadeiramente Católica (universal).

3. Evangelização e Encontro de Culturas
Do Continente Europeu, com efeito, partiram milhares de missionários, que levaram a todos os povos dos outros Continentes a Boa Notícia de que temos um Deus que acolhe e não exclui, que ama a todos e com todos se preocupa, e quer que formemos uma única Família Humana. Foi esta motivação que animou e levou gerações de jovens, muitos deles portugueses e alentejanos, a confiarem em Deus, sem outras seguranças, e a partirem com o risco da própria vida, fundando comunidades cristãs por todo o Mundo, no meio de adversidades e perseguições, mas guiados pela alegria do Evangelho.

Permitam-me agora partilhar convosco uma história que me toca particularmente. Em Setembro de 1994 cheguei a Roma para estudar na Academia Afonsiana (Instituto Superior de Teologia Moral), ficando a residir no Pontifício Colégio Português. Aqui éramos conhecidos pelo nosso apelido paterno e o meu é Rosário. Qual não foi o meu espanto, quando o Reitor do Colégio me pediu para eu usar o meu apelido materno, Guerreiro, e a razão era esta: no Colégio residia um Sacerdote natural do Bangladesh chamado: Camilo do Rozário. Como é óbvio acedi, e entre nós Rozários, estabeleceu-se de imediato uma amizade, consolidada em profícuos diálogos que fluíam em catadupa, tal o meu desejo de conhecer mais sobre este novo Mundo que se me abria. O meu novo amigo Camilo dizia-me com orgulho, e nunca mais o esqueci: "Manuel, nós somos descendentes dos portugueses". O Bangladesh é um país com cerca de 168 milhões de habitantes e os católicos são algumas centenas de milhares, que o Papa Francisco teve, aliás, ocasião de visitar o ano passado (2018), ano que coincidiu com as celebrações dos 500 anos da sua evangelização, tarefa dos missionários portugueses, que levaram a muitas das nações da Ásia e dos outros Continentes, esta nova fé.

4. Igualdade e Primado do Ser Humano
Se uma das riquezas do Cristianismo foi e é a afirmação da igualdade e da dignidade de todos os seres humanos, outra não menos importante, é a prioridade das pessoas sobre as coisas. Essa foi, aliás, uma das principais novidades da mensagem de Jesus, segundo a qual, o mais importante são as pessoas, uma vez que o Cristianismo é: "Um Humanismo aberto à Transcendência" (Papa Bento XVI). O Homem foi o "caminho de Cristo" e é "o caminho da Igreja" (João Paulo II). Esta convicção levou o Concílio Vaticano II (1962-1965) a afirmar na Constituição Gaudium et Spes: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre e com o seu coração. (...) Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história" (nº 1).

A Igreja deve, pois, estar atenta a tudo o que é humano e aos desafios que se colocam à Humanidade, em todos os tempos e locais do Mundo. A defesa do ser humano, da sua dignidade, dos seus direitos, é uma questão de identidade, está no seu ADN.

5. O desafio das migrações
Um dos desafios da Humanidade foi sempre a deslocação de grandes massas humanas e o seu acolhimento em contextos novos. As motivações foram e são muitas e de vária ordem. Basta lembrarmo-nos da nossa história, a partir do Século XV. Quantos milhões de portugueses partiram e permaneceram em diáspora, espalhados pelo Mundo?

A condição de migrante tem sido, aliás, uma das notas do nosso modo de ser português e, por isso, temos uma enorme responsabilidade de acolher aqueles que buscam entre nós um futuro melhor para si e para as suas Famílias. Lembremo-nos das experiências dolorosas, dos esforços de integração e consolidação que tantos dos nossos concidadãos fizeram, e não cometamos os mesmos erros que apontamos aos que nem sempre nos acolheram como deveriam. Somos todos pessoas, não coisas! Há duas regras que se encontram no Antigo Testamento, e que não resisto a recordar: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti" (Regra de Prata); "Faz aos outros o que queres que te façam a ti" (Regra de Ouro).


Este Mundo é suficientemente grande para todos nele vivermos com dignidade. É por demais sensível e evidente o contributo que os imigrantes dão à Europa e a Portugal, em particular. Não esqueçamos, que as sociedades europeias e ocidentais em geral, são sociedades envelhecidas e com uma taxa de natalidade negativa, de modo que um conjunto de actividades que a sua presença consegue garantir. Basta olhar para os campos do nosso Alentejo ou para tantas obras da construção civil...

Creio que todos devemos fazer um esforço de acolhimento e de integração, que deve ser recíproco, a bem duma convivência e multiculturalidade, que a todos pode enriquecer e é uma das vantagens da Globalização.

6. Acolher sem Proselitismo
Num País em que existe separação entre Estado e Igreja, o Estado deve criar e garantir as condições para que todos os cidadãos possam viver segundo a sua consciência, professando a sua Religião sem obstáculos, nem favorecimentos.

A fé não se impõe, propõe-se, e cada um deve ser livre de viver de acordo com as suas convicções, quaisquer que elas sejam, sem ser forçado a mu­ dar, para poder beneficiar de apoios, neste caso da Igreja Católica. Tudo aquilo que a Igreja faz, deve fazê-lo sempre motivada pela pura gratuidade e pelo amor desinteressado ao próximo, sem proselitismo, como Jesus fez. Este é também o legado que um Santo Alentejano, chamado S. Joao de Deus, nos deixou na sua célebre frase: "Fazei o bem, irmãos". Foi isso que ele procurou fazer ao longo da sua vida, e continua presente na Ordem que lhe deu continuidade, bem como em tantas instituições da Igreja, espalhadas pelo Mundo.

É este também o exemplo que todos os dias o Papa Francisco nos dá, desafiando a Igreja e os cristãos a seguir pelo mesmo caminho.

7. Globalizar a Liberdade de Religião: reciprocidade
Era bom que a liberdade de Expressão e de Religião se globalizasse e tornasse realidade em todos os Continentes, Países e Regiões, o que, infelizmente, ainda não acontece. Os cristãos são hoje o grupo religioso mais perseguido e ameaçado, devendo muitos deles viver anonimamente a sua fé, ou tendo de fugir, para salvarem as suas vidas e das suas famílias. Lembremos, por exemplo, a situação de Asia Bibi, no Paquistão, e dos milhões de cristãos que vivem silenciados na Arábia Saudita, sem templos, nem símbolos, acossados por uma Polícia Religiosa, que actua com total impunidade. E que dizer dos cristãos da Coreia do Norte, cujo número é desconhecido, e da China, onde as perseguições continuam, nomeadamente contra os cristãos da Igreja das "Catacumbas", pela sua fidelidade ao Papa. Pensemos ainda na Nigéria, onde milhares de cristãos têm sido mortos, numa tentativa da sua expulsão deste que é o mais populoso país africano, no qual metade da população (que ultrapassa os 200 milhões de habitantes) é cristã. Situação semelhante encontra-se na Somália, no Sudão e num sem número de países.

Infelizmente, também nos países europeus e ocidentais, se assiste a uma perseguição mais ou menos velada contra os cristãos, os seus símbolos e valores, curiosamente, ao abrigo da liberdade de expressão. Com efeito, assistimos hoje a um laicismo militante que, usando uma parafernália de meios, persegue e condena quem é dissonante e não alinha pelos seus critérios e agendas. A privatização da fé, relegada para a esfera da "sacristia", é uma tentação perigosa de algumas democracias ocidentais. A Democracia é um regime que se deve pautar pela tolerância e pelo respeito das legítimas diferenças entre os cidadãos que compõem o tecido social, os quais devem, em liberdade e responsabilidade, fazer as suas escolhas e viver de acordo com a sua consciência.

8. Uma única Família, numa Casa Comum
Num Mundo em que a globalização é um dado incontornável e no qual as nossas sociedades são, cada vez mais, multiculturais, multirraciais e multirreligiosas, é preciso cultivar o respeito pelo outro, o diálogo, a tolerância e a liberdade, para que todos possam viver de acordo com a sua consciência, e alterar as suas opções religiosas ou outras, se assim o desejarem, sem receio de vir a ser perseguidos e/ou discriminados. Este espírito deve ser uma imagem de marca do Mundo Novo que todos somos chamados a construir, e a que o Papa Paulo VI chamava: "A Civilização do Amor".

Manuel António Guerreiro do Rosário
Padre