domingo, 28 de julho de 2019

Não se ama a Deus em abstracto


A encarnação de Jesus é um facto essencial na fé cristã e inexplicável humanamente falando. Com efeito, nós que já éramos a obra-prima de Deus, criados “à Sua imagem e semelhança”, em Jesus, que assumiu a nossa humanidade, passámos a ser filhos bem-amados de Deus. S. Paulo dirá que somos: “filhos no Filho”. Mas, não o esqueçamos, além de filhos somos também irmãos. Estas duas dimensões devem estar presentes não só na memória, mas sobretudo na vida.

No Evangelho do Bom Samaritano, que escutámos há dias, esta mensagem aparecia com toda a clareza: o Doutor da Lai, o Sacerdote e o Levita sabiam, decerto, que os Mandamentos incluíam estes dois amores (a Deus e ao próximo) e Jesus insistiu várias vezes na exigência da sua ligação: “faz o mesmo”; “vive”; “pratica”,…

Creio que é este humanismo que deve ser uma das marcas distintivas do cristão. O Papa e Santo Paulo VI dizia que a Igreja era “perita em Humanidade”, logo, nós cristãos deveríamos estar na primeira linha da defesa do ser humano, sobretudo, dos mais pequenos, frágeis, marginalizados e abandonados. Não podemos ter a pretensão de ser os únicos, mas devemos esforçar-nos por ter o Homem sempre no centro das nossas prioridades e da nossa vida e acção pastoral.

O amor a Deus torna-se real no amor ao próximo, porque, amar a Deus, ou melhor, dizer que O amamos, é muito fácil; prova-lo é bem mais difícil. A sua confirmação passa pela vivência do segundo mandamento, que Jesus diz ser “semelhante ao primeiro”. O que credibiliza a Igreja e o testemunho cristão é este amor, reflexo e confirmação de uma autêntica fé e amor a Deus. S. João di-lo com toda a clareza: “quem diz que ama a Deus que não vê e não ama o seu irmão que vê, é mentiroso”.

A espiritualidade cristã deve, por isso, se plenamente encarnada, humana, não se confundindo com uma mera abstracção da mente, fuga do quotidiano, esquecimento das ocupações. A verdadeira espiritualidade manifesta-se numa mais perfeita humanidade, testada em pessoas e situações reais e concretas. Recordo-me, a este propósito, de uma revista de expansão mundial, ter considerado, há uns anos, a Madre Teresa de Calcutá uma das pessoas mais influentes do século XX; a razão é evidente!

Creio que os tempos que vivemos, e este Papa que o Senhor nos concedeu, constituem um verdadeiro desafio a que não sejamos meros repetidores de palavras (que o vento leva), que não convencem ninguém, antes podem desiludir e afastar, levando a outras procuras e opções religiosas ou humanas. Ser Bom Samaritano pode bem ser o exemplo, que quem procura Deus espera encontrar em nós cristãos, pois, não se ama a Deus em abstracto. Se Jesus encarnou, este é o caminho que nós devemos seguir.

Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Notícias do Alentejo, 25 de Julho de 2019