A encarnação de Jesus é um facto essencial na fé cristã e
inexplicável humanamente falando. Com efeito, nós que já éramos a obra-prima de
Deus, criados “à Sua imagem e semelhança”, em Jesus, que assumiu a nossa
humanidade, passámos a ser filhos bem-amados de Deus. S. Paulo dirá que somos: “filhos
no Filho”. Mas, não o esqueçamos, além de filhos somos também irmãos. Estas
duas dimensões devem estar presentes não só na memória, mas sobretudo na vida.
No Evangelho do Bom Samaritano, que escutámos há dias, esta
mensagem aparecia com toda a clareza: o Doutor da Lai, o Sacerdote e o Levita
sabiam, decerto, que os Mandamentos incluíam estes dois amores (a Deus e ao
próximo) e Jesus insistiu várias vezes na exigência da sua ligação: “faz o
mesmo”; “vive”; “pratica”,…
Creio que é este humanismo que deve ser uma das marcas
distintivas do cristão. O Papa e Santo Paulo VI dizia que a Igreja era “perita
em Humanidade”, logo, nós cristãos deveríamos estar na primeira linha da
defesa do ser humano, sobretudo, dos mais pequenos, frágeis, marginalizados e
abandonados. Não podemos ter a pretensão de ser os únicos, mas devemos
esforçar-nos por ter o Homem sempre no centro das nossas prioridades e da nossa
vida e acção pastoral.
O amor a Deus torna-se real no amor ao próximo, porque, amar
a Deus, ou melhor, dizer que O amamos, é muito fácil; prova-lo é bem mais
difícil. A sua confirmação passa pela vivência do segundo mandamento, que Jesus
diz ser “semelhante ao primeiro”. O que credibiliza a Igreja e o
testemunho cristão é este amor, reflexo e confirmação de uma autêntica fé e
amor a Deus. S. João di-lo com toda a clareza: “quem diz que ama a Deus que
não vê e não ama o seu irmão que vê, é mentiroso”.
A espiritualidade cristã deve, por isso, se plenamente
encarnada, humana, não se confundindo com uma mera abstracção da mente, fuga do
quotidiano, esquecimento das ocupações. A verdadeira espiritualidade manifesta-se
numa mais perfeita humanidade, testada em pessoas e situações reais e
concretas. Recordo-me, a este propósito, de uma revista de expansão mundial,
ter considerado, há uns anos, a Madre Teresa de Calcutá uma das pessoas mais
influentes do século XX; a razão é evidente!
Creio que os tempos que vivemos, e este Papa que o Senhor
nos concedeu, constituem um verdadeiro desafio a que não sejamos meros
repetidores de palavras (que o vento leva), que não convencem ninguém, antes
podem desiludir e afastar, levando a outras procuras e opções religiosas ou
humanas. Ser Bom Samaritano pode bem ser o exemplo, que quem procura Deus
espera encontrar em nós cristãos, pois, não se ama a Deus em abstracto. Se Jesus
encarnou, este é o caminho que nós devemos seguir.
Pe. Manuel António Guerreiro do Rosário
in Notícias do Alentejo, 25 de Julho de 2019