
1. Os primeiros passos da jovem comunidade cristã: a expansão

Os cristãos tinham consciência que não pertenciam a uma elite, a um povo específico, a uma raça, e não se distinguiam das outras pessoas por viverem em bairros específicos, usarem roupas diferentes ou falarem uma língua própria (Didakhé). Eles tinham antes a consciência de que faziam parte de uma Família, na qual, como disse S. Paulo, o Apóstolo dos Gentios, em Cristo já "não há judeu, nem grego, escravo ou homem livre... Jesus veio dizer-nos que há um só Deus que a todos ama, e quer que n’Ele (Filho) também nós descubramos a nossa comum condição de filhos de Deus, possuidores da mesma dignidade. Distinguiam-se sim das outras pessoas, pelo seu modo de vida: "Vede como eles se amam", diziam aqueles que ainda não eram cristãos; e foi este o grande
segredo da rápida expansão da fé cristã.
2. O Mundo Greco-Romano
O embate com o Mundo Greco-Romano foi duro, e implicou encontrar linguagem nova ou dar um sentido particular à já existente, para exprimir o essencial desta nova fé. Além do mais, os cristãos
não seguiam os deuses do Império, sendo olhados
com desconfiança e até desdém pelo status quo, e as perseguições não se fizeram esperar: foi impressionante a violência que se abateu sobre a Igreja, provocando um número indeterminado de mártires.
No ano 313, tudo se altera com o Édito de Milão, no qual o Imperador Constantino decretou que o Cristianismo deixasse de ser perseguido, passando gradualmente a tornar-se Religião Oficial. E, num ápice, milhões de pessoas entraram para a Igreja, engrossando as filas desta Família, formada cada vez mais por gente de todas as raças, povos, línguas e culturas, que compunham o Império Romano. Este processo acentuou-se com a integração dos povos vulgarmente conhecidos por Bárbaros,
que acabaram por se tornar cristãos, numa amálgama verdadeiramente babilónica, que prosseguiu com a cristianização dos Eslavos e dos demais Povos
que habitavam o Continente Europeu.
Foi o Cristianismo, com efeito, que, juntamente com a herança Judaica e a Greco-Romana, contribuíram para a formação e consolidação da identidade deste Continente a que chamamos Europa. Foi aqui que o Cristianismo ganhou raízes e daqui se projectou para os outros Continentes, chegando todos os povos, raças e línguas, tornando possível um verdadeiro encontro de culturas e uma fecunda inculturação da fé cristã, que assim se foi enriquecendo e tornando verdadeiramente Católica (universal).
3. Evangelização e Encontro de Culturas
Do Continente Europeu, com efeito, partiram milhares de missionários, que levaram a todos os povos dos outros Continentes a Boa Notícia de que temos um Deus que acolhe e não exclui, que ama a todos e com todos se preocupa, e quer que formemos uma única Família Humana. Foi esta motivação que animou e levou gerações de
jovens, muitos deles portugueses e alentejanos, a confiarem em Deus, sem outras seguranças, e a partirem com o risco
da própria vida, fundando comunidades cristãs por todo o Mundo, no meio de adversidades e perseguições, mas guiados pela alegria do Evangelho.
Permitam-me agora partilhar convosco
uma história que me toca particularmente. Em Setembro de 1994 cheguei a Roma para estudar na Academia Afonsiana (Instituto Superior
de Teologia Moral), ficando a residir no Pontifício Colégio Português. Aqui éramos
conhecidos pelo nosso
apelido paterno e o meu é Rosário. Qual não foi
o meu espanto, quando o Reitor
do Colégio me pediu para eu usar o meu apelido materno,
Guerreiro, e a razão era esta: no Colégio
residia um Sacerdote natural
do Bangladesh chamado:
Camilo do Rozário.
Como é óbvio acedi, e entre
nós Rozários, estabeleceu-se de imediato uma amizade, consolidada em profícuos diálogos
que fluíam em catadupa, tal o meu desejo de conhecer mais sobre este novo Mundo que se me abria. O meu novo amigo Camilo dizia-me
com orgulho, e nunca mais o esqueci: "Manuel, nós somos descendentes dos portugueses".
O Bangladesh
é um país com cerca de 168 milhões de habitantes e os católicos
são algumas centenas
de milhares, que o Papa Francisco teve, aliás, ocasião de visitar
o ano passado (2018), ano que coincidiu
com as celebrações dos 500 anos da sua evangelização, tarefa dos missionários portugueses, que levaram a muitas
das nações da Ásia e dos outros Continentes, esta nova fé.
4. Igualdade e Primado do Ser Humano
Se uma das riquezas do Cristianismo foi e é a afirmação da igualdade e da dignidade de
todos os seres humanos, outra não menos importante, é a prioridade das pessoas sobre as coisas. Essa foi, aliás, uma das principais novidades da mensagem de Jesus, segundo a qual, o mais importante são as pessoas, uma
vez que o Cristianismo é: "Um Humanismo aberto à Transcendência" (Papa Bento XVI).
O Homem foi o "caminho de Cristo" e é "o caminho da Igreja" (João Paulo II). Esta convicção levou o Concílio Vaticano II (1962-1965) a afirmar na Constituição Gaudium et Spes: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e
não há realidade alguma verdadeiramente humana que
não encontre e com o seu coração. (...) Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história" (nº 1).
A Igreja deve, pois, estar atenta
a tudo o que é humano e aos desafios que se colocam
à Humanidade, em todos os tempos e locais do Mundo. A defesa do ser humano, da sua dignidade, dos seus direitos, é uma questão
de identidade, está no seu ADN.
5. O desafio das migrações
Um dos desafios
da Humanidade foi sempre a deslocação de grandes massas humanas e o seu acolhimento em
contextos novos. As motivações foram e são muitas e de vária ordem.
Basta lembrarmo-nos da nossa história, a partir do Século XV. Quantos milhões de portugueses partiram e permaneceram em diáspora, espalhados pelo Mundo?
A condição
de migrante tem sido, aliás, uma das notas do nosso modo de ser português
e, por isso, temos uma enorme responsabilidade de acolher aqueles que buscam entre nós um futuro melhor para si e para
as suas Famílias.
Lembremo-nos das experiências dolorosas, dos esforços de integração e consolidação que tantos dos nossos concidadãos fizeram, e não cometamos os mesmos erros que
apontamos aos que nem sempre nos acolheram como deveriam. Somos todos pessoas,
não coisas! Há duas regras
que se encontram no Antigo
Testamento, e que não resisto a recordar: "Não
faças aos outros o que não queres que te façam a ti" (Regra de Prata); "Faz aos outros o que queres que te
façam a ti" (Regra de Ouro).
Este Mundo é suficientemente grande para todos nele vivermos com dignidade. É por demais
sensível e evidente
o contributo que os imigrantes dão à Europa e a Portugal, em particular. Não esqueçamos, que as sociedades
europeias e ocidentais em geral,
são
sociedades envelhecidas e com uma taxa de natalidade negativa,
de modo que há um conjunto de actividades que só a sua presença consegue garantir. Basta
olhar para os campos do nosso Alentejo
ou para tantas obras da construção civil...
Creio que todos devemos fazer um esforço
de acolhimento e de integração, que deve ser recíproco, a bem duma sã convivência e multiculturalidade, que a todos pode enriquecer e é uma das vantagens
da Globalização.
6. Acolher sem Proselitismo
Num País em que existe separação entre Estado e Igreja, o Estado deve criar e garantir as condições para que todos os cidadãos
possam viver segundo
a sua consciência, professando a sua Religião sem obstáculos, nem favorecimentos.
A fé não se impõe, propõe-se, e cada um deve ser livre de viver de acordo com as suas convicções, quaisquer
que elas sejam, sem ser forçado a mu dar, para poder beneficiar de apoios, neste caso da Igreja Católica.
Tudo aquilo que a Igreja
faz, deve fazê-lo
sempre motivada pela pura gratuidade e pelo amor desinteressado ao próximo, sem proselitismo, como Jesus fez. Este é também o legado que um Santo Alentejano, chamado S. Joao de Deus, nos deixou na sua célebre frase:
"Fazei o bem, irmãos". Foi isso que ele procurou fazer ao longo da sua vida, e continua presente na Ordem que lhe deu continuidade, bem como em tantas
instituições da Igreja, espalhadas pelo Mundo.
É este também o exemplo que todos os dias o Papa Francisco nos dá, desafiando a Igreja e os cristãos a seguir pelo mesmo caminho.
7. Globalizar a Liberdade de Religião: reciprocidade
Era bom que a liberdade de Expressão e de Religião se globalizasse e tornasse realidade em todos os Continentes, Países e Regiões,
o que, infelizmente, ainda não acontece. Os cristãos são hoje o grupo
religioso mais perseguido e ameaçado, devendo muitos deles viver anonimamente a sua fé, ou tendo de fugir,
para salvarem as suas vidas e das suas famílias. Lembremos, por exemplo, a situação de Asia Bibi, no
Paquistão, e dos milhões de cristãos que vivem silenciados na Arábia Saudita, sem templos, nem símbolos, acossados
por uma Polícia Religiosa, que actua com total impunidade. E que dizer dos cristãos da Coreia do Norte, cujo número é desconhecido, e da China, onde as perseguições continuam, nomeadamente contra os cristãos da Igreja das "Catacumbas", pela sua fidelidade ao Papa. Pensemos ainda na Nigéria,
onde milhares de cristãos
têm sido mortos, numa tentativa
da sua expulsão deste que é o mais populoso país africano,
no qual metade da população (que ultrapassa os 200 milhões de habitantes) é cristã. Situação semelhante encontra-se na Somália,
no Sudão e num sem número de países.
Infelizmente, também nos países europeus e ocidentais, se assiste a uma perseguição mais ou menos velada contra os cristãos, os seus
símbolos e valores, curiosamente, ao abrigo da liberdade de expressão. Com efeito, assistimos hoje a um laicismo militante que, usando uma parafernália de meios, persegue e condena quem é dissonante e não alinha pelos seus critérios e agendas. A privatização da fé, relegada para a esfera
da "sacristia", é uma tentação perigosa de algumas
democracias ocidentais. A Democracia é um regime
que se deve pautar pela tolerância e pelo respeito
das legítimas diferenças entre os cidadãos que compõem o tecido social,
os quais devem, em liberdade e responsabilidade, fazer as suas
escolhas e viver de acordo com a sua consciência.
8. Uma única Família, numa Casa Comum
Num Mundo em que a globalização é um dado incontornável e no qual as nossas sociedades são, cada vez mais, multiculturais, multirraciais e multirreligiosas, é preciso cultivar o respeito
pelo outro, o diálogo,
a tolerância e a liberdade,
para que todos possam viver de acordo com a sua consciência, e alterar as suas opções
religiosas ou outras,
se assim o desejarem, sem receio
de vir a ser perseguidos e/ou discriminados. Este espírito deve ser uma imagem de marca do Mundo Novo que todos somos chamados
a construir, e a que o Papa Paulo VI
chamava: "A Civilização do Amor".
Manuel António Guerreiro do Rosário
Padre