domingo, 9 de dezembro de 2012

Acordes que todo o mundo ouviu alguma vez

Morreu Dave Brubeck, o católico que revolucionou o jazz com uma peça inolvidável: «Take five»

Em 1980 pediram-lhe que fizesse uma missa: «Não sei nada de missas», contestou. Não estava baptizado. Escrevendo os seus acordes decidiu entrar na Igreja.

Actualizado 6 Dezembro 2012

C.L. / ReL

Se você não é aficionado do jazz, quiçá não lhe soa o nome de Dave Brubeck (1920-2012), e talvez não calibre bem o que significou Take five, um tema do seu companheiro de quarteto Paul Desmond, inseparável na sua interpretação.

Mas se escuta os seus primeiros acordes encontrará uma das composições mais populares do século XX. Gravou-a The Dave Brubeck Quartet em 1959, com Dave ao piano, formando parte do álbum Time out. Com o seu compasso de 5/4 converteu-se em um dos maiores êxitos na história desse peculiar estilo, e formou parte da banda sonora de inumeráveis películas e séries de televisão.

Brubeck morreu esta quarta-feira um dia antes de cumprir os 92 anos de idade, depois de uma carreira carregada de prémios e reconhecimentos que teve o seu zénite nos anos cinquenta (o 8 de Novembro de 1954 ocupou a cobiçada capa do Time) e sessenta, até à dissolução do quarteto em 1967. Nem por isso deixou de compor e interpretar, e entre a sua herança destaca que quatro dos seus seis filhos sejam músicos.

Em 1968 Brubeck compôs um oratório à base de ensinamentos de Jesus Cristo, e em 1969 uma cantata que mesclava textos da Bíblia com palavras de Martin Luther King. Também havia feito peças de jazz natalício. Mas não estava nem sequer baptizado: "A minha mãe baptizou os meus dois irmãos como presbiterianos, mas esqueceu-se de mim", confessou.

A conversão
Isso mudou, sem dúvida, em 1980. "Realmente nunca me converti", explicou em 1996 numa entrevista concedida à Catholic News Service: "Eu não era nada, assim simplesmente entrei na Igreja católica".

Tudo tinha começado meses antes, quando Ed Murray, editor do semanário católico Our Sunday Visitor, lhe encomendou música para uma missa: "Não sei nada de missas", contestou. "Disse-lhe que não queria fazê-lo, porque não era católico". Mas Murray tinha um argumento: "É exactamente o que quero, alguém que venha de fora e o contemple com uma visão fresca". Insistiu em que não aceitaria um não por resposta... assim Brubeck disse sim.

Mas impôs a condição de que compositores e liturgistas católicos supervisionassem o seu trabalho. E quando o terminou e o mostrou... os especialistas não tocaram nem numa nota.

O trabalho da missa se chamou To Hope [Esperar], e ainda que o terminou em poucos meses, não se gravou até quinze anos depois. Mas a decisão de Brubeck de ser católico chegou enquanto a compunha. Uma noite, no período em que ele estava compondo a missa, "sonhou" uma música, algo que lhe havia ocorrido em outras composições. Em seguida pensou que era perfeita para o Pai Nosso, assim que se levantou a meio da madrugada e se pôs a escrevê-la freneticamente, antes de que se lhe apagasse de todo da memória do sonho. Foi então, confessou à CNS, quando decidiu entrar na Igreja. Murray foi, por suposto, o seu padrinho de baptismo.

As portas do inferno
Também em sonhos lhe veio a inspiração, sete anos depois, para uma peça que criou para ser tocada perante João Pablo II durante a visita do Papa Karol Wojtyla a San Francisco.

"Chamaram-me à última hora da noite e me disseram que necessitavam uma resposta no dia seguinte. Disse que não, mas pedi o texto. Tratava-se da passagem: ´Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevaleceram contra ela´. E pensei: ´E querem nove minutos sobre esta única frase? Como faço isso?´ Fui-me para a cama, e a meio da noite sonhei que a única forma de fazê-lo é como lho havia feito Bach, com coral e fuga, repetindo uma e outra vez as palavras. Quando despertei, me disse: ´Já o tenho! Com coral e fuga!´ E criei o que é o melhor que sempre escrevi".

E lhe disse o primeiro músico de jazz que ganhou um disco de ouro ao vender, graças a Take five, um milhão de discos.

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