«Camarada, ajude-me: o meu filho, licenciado em Ateísmo Científico, quer entrar no seminário»
O contacto com os textos reais do Evangelho, a leitura de Dostoyevski e a realidade do mal levaram Andrey à fé. As pressões da KGB não o moveram do seu caminho.
Actualizado 3 Novembro 2012
Tatiana Fedótova/ReL
Andrey Kuraev nasceu em 1963 em Moscovo. Sendo criança no início dos anos 70, "eu sonhava com o comunismo", explica. "Imaginava-o como uma grande tenda cheia de jogos onde se podia escolher grátis qualquer coisa, sem dinheiro e sem que os pais dissessem que não o podiam permitir”.
Os pais de Andrey não eram crentes. Tampouco eram especialmente militantes do ateísmo. O seu pai era filósofo e trabalhava no Presidium da Academia de Ciências. A criança cresceu com um gosto pela filosofia. No colégio foi redactor de um jornal escolar chamado "O Ateu". Na hora de escolher o curso universitário, optou pela licenciatura mais ideológica de todas: Teoria e História do Ateísmo Científico.
E ali, na licenciatura de ateísmo, pela primeira vez o jovem Kuraev tomou contacto com os textos reais do Evangelho.
Muita mentira e muita incompetência
Nos livros soviéticos, com os seus comentários sobre a história do cristianismo, começou a ver que a crítica materialista não conjugava. “Rapidamente me dei conta de que nesses livros havia muita mentira, muitas conjecturas e um sem-fim da mais simples incompetência. Na minha época, nenhum dos professores conhecia hebreu nem grego, mas isso não os impedia de fazer uma crítica científica à Bíblia. Isso decepcionou-me muito”.
Dessa decepção académica veio a decepção do prático. A mesma atmosfera da sociedade socialista dos anos 80 lhe fazia olhar a Igreja. O jovem Andrey se disse: “Se vês que o teu querido Partido te mente no pequeno e no grande, quiçá tampouco tem razão no que ele mesmo proclama como a questão principal da filosofia: Existe Deus? Que prevalece, a matéria ou a razão?”
Dostoyevskiy e o diabo
Em 1981, com 18 anos, Kuraev leu “Os Irmãos Karamazov” de Dostoevskiy. Ali descobriu o demónio... e também a Cristo como Deus, Criador, Salvador e Juiz do dia final.
“Entendi que as tentações oferecidas por Satã a Cristo no deserto foram a eleição mais extrema, exacta e global. E por isso aceitei a característica do demónio, espírito de sabedoria e maldade sobre-humanas. Assim que primeiro admiti a existência do demónio. E dali, por lógica, se Cristo pode recusar as tentações, Ele também era de sabedoria sobre-humana, mas também de bondade. Soube que Cristo era Salvador, e a minha sensação de vazio interior desapareceu".
A KGB e os estudantes de ateísmo
Por essas alturas foi quando Andrey colaborou com a KGB sem sabê-lo. "A nós, os estudantes especializados em ateísmo, o director de cátedra nos disse que o Comité dos Jovens Comunistas de Moscovo estava realizando uma investigação sociológica sobre a religiosidade juvenil. Pediam-nos para fazer o trabalho de campo na forma de observação directa: visitar as igrejas moscovitas cada domingo e logo preencher os questionários. Tínhamos que indicar o nome do sacerdote, o conteúdo do seu sermão (detalhando se se dirigia especificamente à juventude, se citava só a Bíblia e Padres da Igreja ou também a imprensa e literatura contemporâneas, o que chamava ao povo, etc.). Também tínhamos que indicar, a olho, o número de paroquianos, quantos jovens havia e se reconhecíamos alguém, indicá-lo, mas sem especificar os nomes, o que já seria uma delação aberta", explicou anos depois Kuraev.
"Eu não era capaz nem de distinguir a leitura do Evangelho do sermão e quando tentei perguntar aos paroquianos, as pessoas me trataram de má vontade. Preferiam não dar nenhuma informação a um desconhecido curioso. Os sermões não me impressionaram. Neles, tal como nas minhas informações, não havia nada de política. Mas dediquei-me a falsificar os dados descaradamente. Para importunar o poder soviético, eu aumentava o número de paroquianos, sobretudo os jovens. Indiquei que os sacerdotes combinavam perfeitamente o conhecimento da patrística com a cultura clássica e contemporânea. Assim julgava que ajudava a Igreja… Passado um ano, já me dei conta que era justamente o contrário. Que para o poder o ter paroquianos jovens num templo era um sinal para ir aplicar as suas medidas de persuasão aos sacerdotes demasiado activos”.
Na classe de Incompatibilidade Ciência-Fé
Andrey decidiu baptizar-se, e o fez no templo ortodoxo mais longínquo da sua casa e da universidade, para evitar que alguém o reconhecesse e denunciasse. Se o soubessem na universidade, no curso de Ateísmo Científico!, o expulsariam e os seus pais teriam problemas. Isso o assustava. Mas na cerimónia, enquanto se benzia a água baptismal, ouviu "não com o ouvido mas sim com o coração" umas palavras: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?”. E deixou de tremer.
Ao sair do baptismo, foi directamente à universidade, chegou à terceira aula do dia. Era um curso de “Incompatibilidade da ciência natural contemporânea e a religião”. O professor recitava com uma voz monótona a sua conversa para um grupito de estudantes. Andrey não podia controlar o seu sorriso de felicidade. Como aos enamorados, se lhe notava na cara. No final o professor não pode mais: “Kuraev, a que se deve o seu riso durante a aula?” Andrey imaginou que lhe contava a causa da sua alegria, o seu baptismo clandestino, imaginou a reacção do professor e por pouco não desatou às gargalhadas.
Quando te apanham os teus pais...
Para poder ir à igreja, dizia aos seus pais que ia à discoteca. Compreendia que a verdade lhes seria dolorosa porque sabiam melhor do que o seu filho como a sua conversão iria destroçar a sua carreira.
Os pais souberam tudo de surpresa. Um dia regressaram a casa demasiado cedo e encontraram um livrito de orações e um par de ícones de papel que Andrey não teve tempo para esconder. Houve lágrimas, explicações. O que preocupava de verdade aos pais era o futuro laboral do seu filho. Ao ver que não pretendia deixar a universidade para ir para o deserto, tranquilizaram-se. E, de facto, um par de dias depois, o seu pai lhe disse “Sabes?, ao fim de contas estou contente de que te tenhas baptizado… Agora tens nas tuas mãos a chave de toda a cultura europeia”.
Surpresas debaixo do sistema
O jovem Kuraev terminou a sua tese de fim de curso, pensando que ninguém a leria detalhadamente. Parece que se deixou levar demasiado. O seu director académico lhe chamou e lhe observou: “Em vez de uma tese de ateísmo científico isto parece um tratado carismático!” O estudante replicou: “Mas já não terei tempo para reescrevê-la, agora não posso! Com a Semana Santa…ups...!" Havia falado demasiado. Mas o professor não moveu nem uma sobrancelha: “Eu com a sua idade tinha tempo para tudo: para o diploma e para o templo!”
Passados dois anos, Andrey anunciou aos seus pais o seu desejo de ingressar no seminário ortodoxo. Mais lágrimas. Então, os pais quiseram levar o seu filho a falar com o seu mestre de literatura, alguém muito respeitado e querido por Andrey. E assim, depois de alguma conversação sem importância, a mãe lhe disse: “Sabe você?, temos um problema. Andrey quer ingressar no seminário. Que lhe pode aconselhar?”
O professor esteve um pouco pensativo.
“Que te posso dizer, Andrey?", respondeu por fim. "Que Deus te ajude a fazer aquilo com que eu sonhei toda a minha vida e não me atrevi a fazer!”
Perseguição ao seminarista e à sua família
Assim Andrey levou os seus documentos ao seminário, pedindo o ingresso. Logo que os entregou, ao seu pai lhe “pediram” para deixar o seu cargo no Presidium da Academia de Ciências. As autoridades bloquearam também o acesso do seu pai a um trabalho importante na UNESCO. E a Academia de Ciências pressionou o Ministério da Defesa para que chamassem o jovem para realizar o serviço militar para afastá-lo do seminário.
Mas aqui se deu um dos estranhos paradoxos do mundo soviético. Na URSS, os licenciados universitários automaticamente eram considerados tenentes ao entrar no Exército, e se lhes dava um cargo segundo a sua especialidade. A um licenciado em Ateísmo Científico lhe tocava ser tenente comissário político! Alguém no Exército decidiu que não queriam ter um seminarista como comissário político e ninguém o chamou para as fileiras.
A KGB e os seminaristas
Haviam passado só dois dias desde que levou os seus documentos ao seminário, quando um agente do KGB lhe fez uma visita. Primeiro tentaram dissuadi-lo do ingresso no seminário. Como não o conseguiram, uma vez dentro tentaram convertê-lo em informador. O mesmo faziam com todos os seus companheiros de curso, que nesse ano eram quase todos universitários e intelectuais. Daquela promoção saíram quatro dos actuais bispos ortodoxos. Às vezes os agentes esperavam os seminaristas descaradamente à saída, os levavam a sítios separados: num hotel próximo, no registro civil municipal, no museu do mesmo ministério...ali havia uma habitação para “trabalhar” com os monges que não saíam fora.
"No início não te pediam nada. Falavam. Domesticam-te. Faziam-te perguntas sem importância. Logo já tiravam fotos de algum companheiro do seminário perguntando-te quem era. De certeza que o sabiam, mas o importante era que tu lhes dissesses algo, qualquer tolice. Conto-o porque não estou certo de que não vá repetir-se", recorda hoje Kuraev.
"É importante que as pessoas da igreja que passaram por aquilo contem como os kagebistas trabalhavam com as pessoas e como é possível opor-se. Não se pode agora dizer que todos os sacerdotes colaboravam com o KGB. Se houve algum pecado na consciência dos hierarcas, é seu problema, Só Cristo está sem pecado. Tampouco são culpados os sacerdotes que não traíram ninguém. Se agora as pessoas voltassem as costas a esses sacerdotes, seria um triunfo póstumo da KGB".
Filósofo de prestígio e missionário popular
Hoje, o protodiácono ortodoxo Andrey Kuraev (http://kuraev.ru) é a personagem mais jovem que figura no "Dicionário de Filosofia Russa dos séculos XIX-XX". E foi o mais jovem (aos 35 anos) professor de teologia ortodoxa na história da Rússia. Ainda não se considera teólogo, mas sim um jornalista ortodoxo e missionário. É autor de vários livros e centenas de publicações de carácter divulgativo. Participa em programas de televisão e rádio. Das conversas, conferências e cursos por toda a geografia russa e o seu portal de missão ortodoxa na Internet reúne até 1.700 pessoas simultaneamente e é toda uma referência para a evangelização no país. Não está mal para um licenciado em Ateísmo Científico.
E que foi da criança que sonhava com o comunismo e a sua abundância? "Já não procuro soldaditos de chumbo. Mas respeito ao que de verdade necessito hoje, sim, o meu sonho comunista cumpriu-se". E em vez de soldaditos? "Uns presentes extraordinários: o dom da oração, do amor, sabedoria, pureza. Deus te os oferece grátis. Só tens que recolhê-los.”
O contacto com os textos reais do Evangelho, a leitura de Dostoyevski e a realidade do mal levaram Andrey à fé. As pressões da KGB não o moveram do seu caminho.
Actualizado 3 Novembro 2012
Tatiana Fedótova/ReL
Andrey Kuraev nasceu em 1963 em Moscovo. Sendo criança no início dos anos 70, "eu sonhava com o comunismo", explica. "Imaginava-o como uma grande tenda cheia de jogos onde se podia escolher grátis qualquer coisa, sem dinheiro e sem que os pais dissessem que não o podiam permitir”.
Os pais de Andrey não eram crentes. Tampouco eram especialmente militantes do ateísmo. O seu pai era filósofo e trabalhava no Presidium da Academia de Ciências. A criança cresceu com um gosto pela filosofia. No colégio foi redactor de um jornal escolar chamado "O Ateu". Na hora de escolher o curso universitário, optou pela licenciatura mais ideológica de todas: Teoria e História do Ateísmo Científico.
E ali, na licenciatura de ateísmo, pela primeira vez o jovem Kuraev tomou contacto com os textos reais do Evangelho.
Muita mentira e muita incompetência
Nos livros soviéticos, com os seus comentários sobre a história do cristianismo, começou a ver que a crítica materialista não conjugava. “Rapidamente me dei conta de que nesses livros havia muita mentira, muitas conjecturas e um sem-fim da mais simples incompetência. Na minha época, nenhum dos professores conhecia hebreu nem grego, mas isso não os impedia de fazer uma crítica científica à Bíblia. Isso decepcionou-me muito”.
Dessa decepção académica veio a decepção do prático. A mesma atmosfera da sociedade socialista dos anos 80 lhe fazia olhar a Igreja. O jovem Andrey se disse: “Se vês que o teu querido Partido te mente no pequeno e no grande, quiçá tampouco tem razão no que ele mesmo proclama como a questão principal da filosofia: Existe Deus? Que prevalece, a matéria ou a razão?”
Dostoyevskiy e o diabo
Em 1981, com 18 anos, Kuraev leu “Os Irmãos Karamazov” de Dostoevskiy. Ali descobriu o demónio... e também a Cristo como Deus, Criador, Salvador e Juiz do dia final.
“Entendi que as tentações oferecidas por Satã a Cristo no deserto foram a eleição mais extrema, exacta e global. E por isso aceitei a característica do demónio, espírito de sabedoria e maldade sobre-humanas. Assim que primeiro admiti a existência do demónio. E dali, por lógica, se Cristo pode recusar as tentações, Ele também era de sabedoria sobre-humana, mas também de bondade. Soube que Cristo era Salvador, e a minha sensação de vazio interior desapareceu".
A KGB e os estudantes de ateísmo
Por essas alturas foi quando Andrey colaborou com a KGB sem sabê-lo. "A nós, os estudantes especializados em ateísmo, o director de cátedra nos disse que o Comité dos Jovens Comunistas de Moscovo estava realizando uma investigação sociológica sobre a religiosidade juvenil. Pediam-nos para fazer o trabalho de campo na forma de observação directa: visitar as igrejas moscovitas cada domingo e logo preencher os questionários. Tínhamos que indicar o nome do sacerdote, o conteúdo do seu sermão (detalhando se se dirigia especificamente à juventude, se citava só a Bíblia e Padres da Igreja ou também a imprensa e literatura contemporâneas, o que chamava ao povo, etc.). Também tínhamos que indicar, a olho, o número de paroquianos, quantos jovens havia e se reconhecíamos alguém, indicá-lo, mas sem especificar os nomes, o que já seria uma delação aberta", explicou anos depois Kuraev.
"Eu não era capaz nem de distinguir a leitura do Evangelho do sermão e quando tentei perguntar aos paroquianos, as pessoas me trataram de má vontade. Preferiam não dar nenhuma informação a um desconhecido curioso. Os sermões não me impressionaram. Neles, tal como nas minhas informações, não havia nada de política. Mas dediquei-me a falsificar os dados descaradamente. Para importunar o poder soviético, eu aumentava o número de paroquianos, sobretudo os jovens. Indiquei que os sacerdotes combinavam perfeitamente o conhecimento da patrística com a cultura clássica e contemporânea. Assim julgava que ajudava a Igreja… Passado um ano, já me dei conta que era justamente o contrário. Que para o poder o ter paroquianos jovens num templo era um sinal para ir aplicar as suas medidas de persuasão aos sacerdotes demasiado activos”.
Na classe de Incompatibilidade Ciência-Fé
Andrey decidiu baptizar-se, e o fez no templo ortodoxo mais longínquo da sua casa e da universidade, para evitar que alguém o reconhecesse e denunciasse. Se o soubessem na universidade, no curso de Ateísmo Científico!, o expulsariam e os seus pais teriam problemas. Isso o assustava. Mas na cerimónia, enquanto se benzia a água baptismal, ouviu "não com o ouvido mas sim com o coração" umas palavras: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?”. E deixou de tremer.
Ao sair do baptismo, foi directamente à universidade, chegou à terceira aula do dia. Era um curso de “Incompatibilidade da ciência natural contemporânea e a religião”. O professor recitava com uma voz monótona a sua conversa para um grupito de estudantes. Andrey não podia controlar o seu sorriso de felicidade. Como aos enamorados, se lhe notava na cara. No final o professor não pode mais: “Kuraev, a que se deve o seu riso durante a aula?” Andrey imaginou que lhe contava a causa da sua alegria, o seu baptismo clandestino, imaginou a reacção do professor e por pouco não desatou às gargalhadas.
Quando te apanham os teus pais...
Para poder ir à igreja, dizia aos seus pais que ia à discoteca. Compreendia que a verdade lhes seria dolorosa porque sabiam melhor do que o seu filho como a sua conversão iria destroçar a sua carreira.
Os pais souberam tudo de surpresa. Um dia regressaram a casa demasiado cedo e encontraram um livrito de orações e um par de ícones de papel que Andrey não teve tempo para esconder. Houve lágrimas, explicações. O que preocupava de verdade aos pais era o futuro laboral do seu filho. Ao ver que não pretendia deixar a universidade para ir para o deserto, tranquilizaram-se. E, de facto, um par de dias depois, o seu pai lhe disse “Sabes?, ao fim de contas estou contente de que te tenhas baptizado… Agora tens nas tuas mãos a chave de toda a cultura europeia”.
Surpresas debaixo do sistema
O jovem Kuraev terminou a sua tese de fim de curso, pensando que ninguém a leria detalhadamente. Parece que se deixou levar demasiado. O seu director académico lhe chamou e lhe observou: “Em vez de uma tese de ateísmo científico isto parece um tratado carismático!” O estudante replicou: “Mas já não terei tempo para reescrevê-la, agora não posso! Com a Semana Santa…ups...!" Havia falado demasiado. Mas o professor não moveu nem uma sobrancelha: “Eu com a sua idade tinha tempo para tudo: para o diploma e para o templo!”
Passados dois anos, Andrey anunciou aos seus pais o seu desejo de ingressar no seminário ortodoxo. Mais lágrimas. Então, os pais quiseram levar o seu filho a falar com o seu mestre de literatura, alguém muito respeitado e querido por Andrey. E assim, depois de alguma conversação sem importância, a mãe lhe disse: “Sabe você?, temos um problema. Andrey quer ingressar no seminário. Que lhe pode aconselhar?”
O professor esteve um pouco pensativo.
“Que te posso dizer, Andrey?", respondeu por fim. "Que Deus te ajude a fazer aquilo com que eu sonhei toda a minha vida e não me atrevi a fazer!”
Perseguição ao seminarista e à sua família
Assim Andrey levou os seus documentos ao seminário, pedindo o ingresso. Logo que os entregou, ao seu pai lhe “pediram” para deixar o seu cargo no Presidium da Academia de Ciências. As autoridades bloquearam também o acesso do seu pai a um trabalho importante na UNESCO. E a Academia de Ciências pressionou o Ministério da Defesa para que chamassem o jovem para realizar o serviço militar para afastá-lo do seminário.
Mas aqui se deu um dos estranhos paradoxos do mundo soviético. Na URSS, os licenciados universitários automaticamente eram considerados tenentes ao entrar no Exército, e se lhes dava um cargo segundo a sua especialidade. A um licenciado em Ateísmo Científico lhe tocava ser tenente comissário político! Alguém no Exército decidiu que não queriam ter um seminarista como comissário político e ninguém o chamou para as fileiras.
A KGB e os seminaristas
Haviam passado só dois dias desde que levou os seus documentos ao seminário, quando um agente do KGB lhe fez uma visita. Primeiro tentaram dissuadi-lo do ingresso no seminário. Como não o conseguiram, uma vez dentro tentaram convertê-lo em informador. O mesmo faziam com todos os seus companheiros de curso, que nesse ano eram quase todos universitários e intelectuais. Daquela promoção saíram quatro dos actuais bispos ortodoxos. Às vezes os agentes esperavam os seminaristas descaradamente à saída, os levavam a sítios separados: num hotel próximo, no registro civil municipal, no museu do mesmo ministério...ali havia uma habitação para “trabalhar” com os monges que não saíam fora.
"No início não te pediam nada. Falavam. Domesticam-te. Faziam-te perguntas sem importância. Logo já tiravam fotos de algum companheiro do seminário perguntando-te quem era. De certeza que o sabiam, mas o importante era que tu lhes dissesses algo, qualquer tolice. Conto-o porque não estou certo de que não vá repetir-se", recorda hoje Kuraev.
"É importante que as pessoas da igreja que passaram por aquilo contem como os kagebistas trabalhavam com as pessoas e como é possível opor-se. Não se pode agora dizer que todos os sacerdotes colaboravam com o KGB. Se houve algum pecado na consciência dos hierarcas, é seu problema, Só Cristo está sem pecado. Tampouco são culpados os sacerdotes que não traíram ninguém. Se agora as pessoas voltassem as costas a esses sacerdotes, seria um triunfo póstumo da KGB".
Filósofo de prestígio e missionário popular
Hoje, o protodiácono ortodoxo Andrey Kuraev (http://kuraev.ru) é a personagem mais jovem que figura no "Dicionário de Filosofia Russa dos séculos XIX-XX". E foi o mais jovem (aos 35 anos) professor de teologia ortodoxa na história da Rússia. Ainda não se considera teólogo, mas sim um jornalista ortodoxo e missionário. É autor de vários livros e centenas de publicações de carácter divulgativo. Participa em programas de televisão e rádio. Das conversas, conferências e cursos por toda a geografia russa e o seu portal de missão ortodoxa na Internet reúne até 1.700 pessoas simultaneamente e é toda uma referência para a evangelização no país. Não está mal para um licenciado em Ateísmo Científico.
E que foi da criança que sonhava com o comunismo e a sua abundância? "Já não procuro soldaditos de chumbo. Mas respeito ao que de verdade necessito hoje, sim, o meu sonho comunista cumpriu-se". E em vez de soldaditos? "Uns presentes extraordinários: o dom da oração, do amor, sabedoria, pureza. Deus te os oferece grátis. Só tens que recolhê-los.”
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