sábado, 8 de dezembro de 2012

Aos 15 anos tinha queimado a Bíblia

Peter, irmão do célebre ateu Christopher Hitchens, converteu-se perante um quadro do Juízo Final

A inevitabilidade da sua morte, assim como a constatação da riqueza do cristianismo, conduziram-no a um passo decisivo.

Actualizado 6 Dezembro 2012

Sara Martín / ReL


Uma tarde de Primavera de 1967, Peter, de quinze anos, saiu para jogar no campo do seu colégio em Cambridge. Sacou a Bíblia da sua mochila e largou-lhe fogo, num acto simbólico e real de rejeição contra tudo o que, ao longo da sua infância e adolescência, a sua família lhe tinha animado a crer. Mas a Bíblia não ardeu com rapidez e frieza, como ele esperava. Só depois de soprar um bom pedaço conseguiu que o livro se inflamasse de todo, ainda que, lamenta, ficou «com algo desagradável e meio carbonizado, e todo o meu público tinha-se ido embora antes que isso sucedesse».

Esta história poderia ser quiçá uma de tantas se não fosse porque quem a conta é irmão de um dos ateus mais conhecidos e reputados das últimas décadas, Christopher Hitchens, falecido há apenas um ano e autor de livros como Deus não é bom: alegações contra a religião, É o cristianismo bom para o mundo? ou Deus não existe. O irmão de Christopher, Peter, seguiu os seus passos rapidamente como resposta ao seu ambiente familiar. «Comprometi-me com uma rebelião completa e perfeita contra tudo o que havia sido educado para crer», explica.

Um perfil completo
Essa rebelião completa de Peter incluía todas as maneiras possíveis para fazer desesperar os seus progenitores: «Comportar-me como um delinquente juvenil, utilizar uma linguagem grosseiro, zombar dos débeis (havia um rapaz em cadeira de rodas no meu ano que se converteu num vergonhoso objectivo para este impulso), insultar os mais velhos, e, finalmente, violar a Lei. Os detalhes completos seriam aborrecidos para a maioria das pessoas e desagradáveis para a minha família. Digamos que incluem algumas lutas políticas com a polícia, incursões nas drogas ilegais, uma detenção por ter uma arma ofensiva e quase matar alguém ou a mim mesmo devido à minha irresponsabilidade criminal quando conduzia uma motocicleta», resume no seu livro The rage against God: how atheism led me to faith [Raiva contra Deus: como o ateísmo me conduziu à Fé]. Num aspecto mais pessoal, Hitchens lamenta além disso que «também houve inumeráveis actos de traição menor ou maior, ingratidão, deslealdade, desonra, incumprimento de promessas e obrigações, cobardia, rancor ou egoísmo puro».

Um fracassado «Tratado de Paz» com o seu irmão Christopher
Viveu a sua juventude nos anos 70, convencido de que havia conseguido sobreviver aos «mitos paternalistas» de Deus, dos anjos e do Céu. «Tínhamos a medicina moderna, a penicilina, os motores a reacção, o Estado de Bem-estar, as Nações Unidas e a Ciência, que explicava tudo o que necessitava ser explicado», continua. A sua juventude também esteve marcada por um afastamento que parecia definitivo do seu irmão Christopher, com quem vinha tendo uma má relação desde a infância. Tanto é assim que o seu pai os obrigou a firmar um «Tratado de Paz» e o pregou na parede com uma marca vermelha. «Para minha vergonha, fui eu quem o arrancou da sua marca e apaguei a minha assinatura com ira, antes de reiniciar as hostilidades. A nossa rivalidade durou 50 anos, e a religião foi uma das suas causas posteriores», reconhece.

Reflexão sobre a morte
O seu lento regresso à fé começou na década de 80, quando já tinha 30 anos. Nesse momento, Peter era bom na profissão que tinha escolhido, o jornalismo, e podia permitir-se ao luxo de umas agradáveis férias com a sua noiva. Mas, de repente, deixou de evitar as igrejas: «Observei que nas grandes catedrais inglesas, mas também em muitas paróquias pequenas, havia mensagens inquietantes. Uma delas era a inevitabilidade da minha própria morte. O outro era o facto indubitável de que os meus antepassados não eram rudes nem ignorantes, mas sim homens e mulheres de grande habilidade e engenho, com uma genialidade que não estava bloqueada ou em contradição com a fé, mas sim que era aumentada e melhorada por ela», explica.

Um quadro fundamental
Foi uma pintura a que jogou o papel fundamental para o retorno à fé de Peter: El Juicio Final de Rogier van der Weyden, que viu em Borgonha enquanto estava de férias.

«Tinha escarnecido de que estivesse mencionada como importante no guia turístico, mas de repente me encontrei com a boca aberta, observando como as figuras nuas fogem até ás portas do Inferno». O mais importante para Peter é que essas pessoas não lhe pareciam afastadas no tempo, não eram da antiguidade, mas sim que as sentia como da sua própria geração: «Precisamente porque estavam nus, não tinham ficado presos na sua época anónima nem em nenhuma moda. Eles eram eu e as pessoas que eu conhecia», admite.

«Teve una repentina sensação forte de que a religião é uma coisa também dos nossos dias, não encarcerada debaixo de grossas capas do tempo. Van der Weyden seguia ganhando a sua quota quase quinhentos anos depois da sua morte», ironiza o escritor.

Perdendo a fé na política
Em pouco tempo redescobriu a Natividade, uma época que havia desapreciado durante anos, e se uniu a um carol service (actos organizados pelas paróquias na Grã Bretanha para cantar cânticos e ler o Evangelho nas semanas prévias ao Natal) de uma igreja numa tarde de Inverno, «tímido e ansioso por não ser visto», reconhece.

«Sabia perfeitamente que estava passando bem, ainda que não estava disposto a admiti-lo. Também sabia que estava perdendo a fé na política e a minha confiança na ambição, e tinha uma urgente necessidade de outra coisa sobre a qual construir o resto da minha vida», continua. E o passo seguinte foi, para surpresa de todos, casar-se pela Igreja.

«Recordo sem dúvida as palavras da homilia que escutei durante o nosso matrimónio na igreja de St. Bride, que me despertaram pensamentos que eu tinha esquecido durante muito tempo. Estava entrando na minha propriedade como um inglês cristão, como homem e como ser humano. Foi a primeira coisa correcta que tinha feito até então como adulto», assegura.

Utopias terrenas de poder
Durante muitos anos, Peter teve uma certa vergonha de confessar a sua fé, salvo quando se sentia num ambiente favorável: «Se trata de um efeito secundário do ataque cada vez maior sobre o cristianismo na sociedade britânica que agora já superei», explica. «Ser cristã é uma coisa. Lutar por uma causa é outra, e agora é muito mais fácil reconhecer que nos últimos tempos a religião cristã está ameaçada. Porque há tanta fúria contra a religião agora? Porque a religião é a única força fiável que se interpõe no caminho do poder dos fortes sobre os débeis. A única força fiável que restringe a mão do homem poderoso. Numa época de poder, a religião cristã se converteu no principal obstáculo para o desejo de utopias terrenas de poder absoluto», afirma com rotundidade.

Um debate que lhe fez recuperar o seu irmão
E enquanto Peter se aproximava de novo da fé e se afirmavam as suas crenças, o caminho do seu irmão Christopher era exactamente o contrário. Se tornou famoso pelos seus virulentos ataques contra a religião cristã em particular, e pela sua férrea defesa literária da não existência de Deus em geral. Ambos os irmãos chegaram inclusive a realizar debates públicos sobre a existência de Deus na televisão e na rádio. Em 2008 tiveram o seu último debate. Foi encarniçado e Peter decidiu não participar em mais nenhum. No livro The Rage Against God: How Atheism Led Me to Faith explica que, contra o que se podia esperar, precisamente foi esse debate o começo da mudança da sua relação. Algo mudou entre eles. «Os nossos pais tinham morrido e chegamos à conclusão de que não queríamos que isto se converte-se num circo ambulante habitual».

Uma semana antes já tinham estado falando sobre ele: Christopher não refutou as crenças de Peter e lhe preparou uma estupenda cena na qual recordaram a sua infância e trabalharam por deixar para trás as suas diferenças dos últimos cinquenta anos: «Surpreendeu-me ver que a luta maior da minha vida parecia ter terminado de forma inesperada, tantos anos e tantos milhares de quilómetros depois de ter começado no nosso tranquilo lar de Inglaterra», reconhece Peter. «De facto, poderiam ser certas, como sempre esperei que seriam, as palavras de T. S. Eliot, que dizem que "o final de toda a nossa exploração será chegar onde começámos e conhecer o lugar pela primeira vez"». Tanto é assim, que uma semana antes da morte de Christopher, devida ao cancro, faz um ano, Peter esteve com ele no hospital, tal e como relatou no Daily Mail.

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