Morte trágica de menina de oito anos leva Emirados Árabes Unidos a aprovar lei de proteção das crianças revolucionária no mundo muçulmano
Roma, 04 de Fevereiro de 2013
"Nuvem
negra que traz chuva": este é o significado do nome árabe Wadima. No
entanto, a história trágica de Wadima, menina dos Emirados Árabes Unidos
de oito anos de idade, e da sua irmã Mira, de seis, talvez traga um
raio de sol para as novas gerações do país.
Em Novembro de 2011, após o divórcio dos pais e de acordo com os
ditames da lei islâmica para estes casos, Wadima e Mira foram confiadas à
família paterna. Em Junho passado, o corpo sem vida de Wadima foi
encontrado no deserto graças a informações fornecidas pela irmãzinha,
hospitalizada por espancamento. Mira, em estado de choque, narrou aos
médicos que o pai tinha raspado a cabeça dela e da irmã para em seguida
lhes despejar água fervente. Como se isto não fosse suficientemente
monstruoso, ainda as tinha espancado violentamente.
A morte de Wadima escandalizou não só a opinião pública dos emirados,
mas também o próprio emir, que decidiu agir e legislar para evitar
casos semelhantes. Ainda em 2010, Humaid al-Muhairi, alto funcionário do
Ministério da Justiça dos Emirados Árabes Unidos, havia declarado que
"a violência no contexto familiar é sempre deplorável". Al-Muhairi se
referia a um caso de violência de um cidadão do país contra a mulher e a
filha e afirmou que esse tipo de violência é proibido pela sharia.
O trágico caso de Wadima trouxe à tona a questão da violência
familiar. Começou-se a falar de legislação para a protecção das crianças.
Em Novembro de 2012, durante um simpósio da campanha "Juntos para
proteger os nossos filhos", o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktum,
primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, declarou que "todas as
crianças, sem qualquer distinção, têm direito a uma vida segura, a
estabilidade emocional e psicológica, a constante cuidado e protecção
contra qualquer perigo e violação", e que" a protecção das crianças deve
ter precedência sobre qualquer outra coisa e que as suas necessidades e
direitos são imprescindíveis", além de ser dever do Estado garantir que
isto aconteça.
Em 13 de Janeiro, a lei para a protecção das crianças foi submetida ao
Conselho Nacional Federal. Por vontade do emir, ela terá o nome de "lei
Wadima", em memória da jovem vítima.
Este é um evento extraordinário no mundo árabe-islâmico. Trata-se de
um primeiro passo importante para a adequação do rico país do Golfo
Pérsico às convenções internacionais sobre a infância. Os setenta e dois
artigos e as doze secções da legislação proposta vão da simples
proibição de fumar nos meios de transporte públicos em presença de
crianças até a garantia do seu direito de estudar; da proibição de
vender cigarro e álcool a menores de idade até sanções mais severas
contra qualquer pessoa que usar de violência contra as crianças. A lei
também prevê uma definição do direito à protecção e de tudo o que ameaça a
paz de espírito das crianças.
É interessante notar que o texto menciona, além de situações menos
incomuns, como as de crianças órfãs e abandonadas, o desejo de proteger
todos os menores "da exploração por parte de organizações ilegais e do
crime organizado, que espalha ideias extremistas e ideologias de ódio". O
artigo 34, por exemplo, trata da protecção da saúde mental, física e
moral do menor.
Trata-se de um verdadeiro ato de coragem dos Emirados Árabes Unidos,
que, diante de um fato terrível, não tentaram negar a gravidade do
problema, e sim produzir uma legislação que, por enquanto, é única na
região.
20,5% da população dos Emirados Árabes Unidos, ou cerca de 1,1 milhão
de habitantes, têm idades entre 0 e 14 anos. A protecção das crianças
caminha de mãos dadas com a luta dos Emirados contra o extremismo
islâmico. Uma educação adequada e uma cultura voltada a proteger a
população que construirá o futuro da nação correspondem a uma política
de sobrevivência interna. Proteger a geração mais jovem é garantir um
futuro em que haverá menos terreno fértil para ideias extremistas, o que
poderá conter o radicalismo islâmico que grassa na vizinha Arábia
Saudita.
Espera-se que a lei Wadima se torne um modelo no mundo islâmico e
proteja as meninas dos casamentos precoces, do véu imposto, da violência
física e mental, e garanta para as crianças em geral uma vida digna do
nome e acorde com os direitos fundamentais previstos pelas convenções
internacionais.
Mais ainda: espera-se que a experiência com final feliz da pequena
paquistanesa Malala, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato pelo
Taliban só porque queria estudar, e a trágica experiência de Wadima,
que, apesar do desfecho terrível, serviu de inspiração para uma
legislação revolucionária, sejam um sinal de alerta e um raio de luz num
mundo como o do Islão, que, muitas vezes, tem suas crianças privadas de
direitos fundamentais, como o de sorrir com despreocupação para o
futuro.
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