Durante a ocupação nazi em França
A «desobediência civil» e o papel da Igreja gala durante a Shoah na investigação de Yagil Limore. A estudiosa visita Turim pela Jornada da Memória.
Actualizado 22 Janeiro 2013
Andrea Tornielli / Vatican Insider
«França é um dos países ocupados da Europa do oeste nos quais a comunidade judaica pode sobreviver melhor perante o extermínio nazi: enquanto três quartos dos judeus dos Países Baixos foram deportados para os campos de extermínio, sofreu com a mesma sorte apenas (se pudermos ousar dizê-lo assim) um quarto dos judeus franceses, quer dizer 76.000 de 310.000».
Parte deste paradoxo do estudo de Yagil Limore, historiadora e investigadora israelita, que trabalha na Sorbona de Paris. É a autora de três potentes volumes intitulados «Chrétiens et Juifs sous Vichy, sauvetage et désobéissance civile», nos quais, com base em novos documentos de diferentes arquivos, analisa as formas em que puderam salvar-se os judeus franceses.
A estudiosa estará em Turim na quarta-feira 23 de Janeiro para apresentar as suas investigações durante um congresso que se levará a cabo no Palazzo lascaris. Vatican Insider teve a sorte de entrevista-la antes da sua chegada a Itália.
- Como se explica a excepção do caso francês?
- Efectivamente, trata-se de um paradoxo, porque, ao contrário do que sucedeu em Itália, a população francesa foi acusada de ter sofrido uma enorme influência anti-semítica durante os anos trinta. Além disso, é necessário considerar as leis anti-semíticas que introduziu o regime de Vichy, que participou activamente na deportação dos judeus. Graças às minhas investigações surgiu um elemento comum que vincula as histórias de salvamento dos judeus: uma notável capacidade de desobediência civil.
Em concreto tratou-se da ajuda às pessoas perseguidas com a prevenção das prisões, oferecendo-lhes documentos falsos, novas identidades e falsos certificados de baptismo. Os meninos judeus foram acolhidos nas famílias e nos conventos, e os perseguidos receberam ajuda para chegar às fronteiras com a Suíça ou Espanha.
- Que características tinha este fenómeno da “desobediência civil”?
- Mais que um fenómeno político, foi um fenómeno moral, baseado nos critérios da consciência individual. Muitas pessoas decidiram desobedecer às leis e às autoridades para seguir as suas consciências. Este fenómeno há que distingui-lo claramente da resistência ou da luta patriótica pela libertação. Tratei de reconstruir o quadro geral do fenómeno dos salvamentos dos judeus de 1939 a 1944 em toda a França. Além disso das famílias de muitíssimas populações, gostaria de recordar a participação do pessoal médico, mas também o dos artistas (por exemplo Jacques Prévert, Maurice Chevalier, Alfred Cortot, Sacha Guitry, Serge Lifar) e o de prefeitos e vice-prefeitos, gendarmes e policias: servidores do Estado que desobedeceram às leis para salvar inocentes. Sem a participação destes homens não seria possível explicar os salvamentos, por exemplo em Loria.
- Que surgiu com respeito à conduta da Igreja católica francesa?
- O catolicismo francês pôs à disposição dos judeus os seus conventos, os seus colégios religiosos, as suas casas nas populações rurais. O silêncio de um bom número de bispos de França não nos deve fazer perder de vista que eles ajudaram pessoalmente ou animaram as diferentes iniciativas de salvamento dos judeus nas suas dioceses. Não se podem entender estas actividades só com o tradicional acolhimento da Igreja católica.
O estudo que levei a cabo em 45 das 80 dioceses francesas da época permite-nos afirmar que desde 1940 os bispos animaram as acções de salvamento dos judeus. Os bispos estavam ao corrente das diferentes iniciativas dos sacerdotes; se não aprovavam a resistência de alguns sacerdotes ao “poder estabelecido” de Vichy, ao mesmo tempo animavam a ajuda para os judeus.
- Como reagiram individualmente os bispos às deportações?
- Em 22 de Julho de 1942, o cardeal Suhard enviou uma carta em nome do episcopado ao marechal Pétain para protestar contra as prisões dos judeus. Em 19 de Agosto, o cardeal Gerlier expressou a sua preocupação ao mesmo Pétain pelo trato que sofreram os judeus presos e deportados, pois não se reconheciam os «direitos essenciais do ser humano nem as regras fundamentais da caridade».
A partir dessa data, os protestos públicos contra a deportação dos judeus difundiram-se e repercutiram-se nas paróquias: mons. Saliège (Toulouse) em 23 de Agosto de 1942, mons. Théas (Montauban) em 30 de Agosto, mons. Delay (Marsella) em 6 de Setembro, mons. Moussaron (Albi) e mons. Vanteenberghe (Bayona) em 20 de Setembro.
Não se pode esquecer as valentes acções de outros bispos e arcebispos, que decidiram actuar em silêncio e com discrição, como mons. Rémond em Niza, mons. Piguet em Clermont-Ferrand, (ambos foram reconhecidos como “Justos entre as Nações”); mons. Rodie em Agen, mons. Bernard em Perpignan, mons. Chevrier em Cahors, mons. Virgile Béguin em Auch, mons. Challiol em Rodez, mons. Llobet em Avignone, mons. Cesbron em Annecy, mons. Pic em Valence etc. Foram no total 45 bispos.
A «desobediência civil» e o papel da Igreja gala durante a Shoah na investigação de Yagil Limore. A estudiosa visita Turim pela Jornada da Memória.
Actualizado 22 Janeiro 2013
Andrea Tornielli / Vatican Insider
«França é um dos países ocupados da Europa do oeste nos quais a comunidade judaica pode sobreviver melhor perante o extermínio nazi: enquanto três quartos dos judeus dos Países Baixos foram deportados para os campos de extermínio, sofreu com a mesma sorte apenas (se pudermos ousar dizê-lo assim) um quarto dos judeus franceses, quer dizer 76.000 de 310.000».
Parte deste paradoxo do estudo de Yagil Limore, historiadora e investigadora israelita, que trabalha na Sorbona de Paris. É a autora de três potentes volumes intitulados «Chrétiens et Juifs sous Vichy, sauvetage et désobéissance civile», nos quais, com base em novos documentos de diferentes arquivos, analisa as formas em que puderam salvar-se os judeus franceses.
A estudiosa estará em Turim na quarta-feira 23 de Janeiro para apresentar as suas investigações durante um congresso que se levará a cabo no Palazzo lascaris. Vatican Insider teve a sorte de entrevista-la antes da sua chegada a Itália.
- Como se explica a excepção do caso francês?
- Efectivamente, trata-se de um paradoxo, porque, ao contrário do que sucedeu em Itália, a população francesa foi acusada de ter sofrido uma enorme influência anti-semítica durante os anos trinta. Além disso, é necessário considerar as leis anti-semíticas que introduziu o regime de Vichy, que participou activamente na deportação dos judeus. Graças às minhas investigações surgiu um elemento comum que vincula as histórias de salvamento dos judeus: uma notável capacidade de desobediência civil.
Em concreto tratou-se da ajuda às pessoas perseguidas com a prevenção das prisões, oferecendo-lhes documentos falsos, novas identidades e falsos certificados de baptismo. Os meninos judeus foram acolhidos nas famílias e nos conventos, e os perseguidos receberam ajuda para chegar às fronteiras com a Suíça ou Espanha.
- Que características tinha este fenómeno da “desobediência civil”?
- Mais que um fenómeno político, foi um fenómeno moral, baseado nos critérios da consciência individual. Muitas pessoas decidiram desobedecer às leis e às autoridades para seguir as suas consciências. Este fenómeno há que distingui-lo claramente da resistência ou da luta patriótica pela libertação. Tratei de reconstruir o quadro geral do fenómeno dos salvamentos dos judeus de 1939 a 1944 em toda a França. Além disso das famílias de muitíssimas populações, gostaria de recordar a participação do pessoal médico, mas também o dos artistas (por exemplo Jacques Prévert, Maurice Chevalier, Alfred Cortot, Sacha Guitry, Serge Lifar) e o de prefeitos e vice-prefeitos, gendarmes e policias: servidores do Estado que desobedeceram às leis para salvar inocentes. Sem a participação destes homens não seria possível explicar os salvamentos, por exemplo em Loria.
- Que surgiu com respeito à conduta da Igreja católica francesa?
- O catolicismo francês pôs à disposição dos judeus os seus conventos, os seus colégios religiosos, as suas casas nas populações rurais. O silêncio de um bom número de bispos de França não nos deve fazer perder de vista que eles ajudaram pessoalmente ou animaram as diferentes iniciativas de salvamento dos judeus nas suas dioceses. Não se podem entender estas actividades só com o tradicional acolhimento da Igreja católica.
O estudo que levei a cabo em 45 das 80 dioceses francesas da época permite-nos afirmar que desde 1940 os bispos animaram as acções de salvamento dos judeus. Os bispos estavam ao corrente das diferentes iniciativas dos sacerdotes; se não aprovavam a resistência de alguns sacerdotes ao “poder estabelecido” de Vichy, ao mesmo tempo animavam a ajuda para os judeus.
- Como reagiram individualmente os bispos às deportações?
- Em 22 de Julho de 1942, o cardeal Suhard enviou uma carta em nome do episcopado ao marechal Pétain para protestar contra as prisões dos judeus. Em 19 de Agosto, o cardeal Gerlier expressou a sua preocupação ao mesmo Pétain pelo trato que sofreram os judeus presos e deportados, pois não se reconheciam os «direitos essenciais do ser humano nem as regras fundamentais da caridade».
A partir dessa data, os protestos públicos contra a deportação dos judeus difundiram-se e repercutiram-se nas paróquias: mons. Saliège (Toulouse) em 23 de Agosto de 1942, mons. Théas (Montauban) em 30 de Agosto, mons. Delay (Marsella) em 6 de Setembro, mons. Moussaron (Albi) e mons. Vanteenberghe (Bayona) em 20 de Setembro.
Não se pode esquecer as valentes acções de outros bispos e arcebispos, que decidiram actuar em silêncio e com discrição, como mons. Rémond em Niza, mons. Piguet em Clermont-Ferrand, (ambos foram reconhecidos como “Justos entre as Nações”); mons. Rodie em Agen, mons. Bernard em Perpignan, mons. Chevrier em Cahors, mons. Virgile Béguin em Auch, mons. Challiol em Rodez, mons. Llobet em Avignone, mons. Cesbron em Annecy, mons. Pic em Valence etc. Foram no total 45 bispos.
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